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Chile enfrenta obstáculos para entrar no mercado de hidrogênio verde

País quer ser líder global do setor até 2040, mas especialistas ressaltam a necessidade de apoio estatal para impulsionar a demanda interna
<p>Parque eólico na costa de Coquimbo, Chile. O país espera aproveitar o potencial de energia renovável para aumentar a produção de hidrogênio verde (Imagem: Jeremy Richards / Alamy)</p>

Parque eólico na costa de Coquimbo, Chile. O país espera aproveitar o potencial de energia renovável para aumentar a produção de hidrogênio verde (Imagem: Jeremy Richards / Alamy)

Há dois anos, o Chile estabeleceu a meta de se tornar um dos principais produtores globais de hidrogênio verde, gás apelidado de “combustível do futuro”. Mas o país tem enfrentado dificuldades desde então, incluindo polêmicas em torno da construção de um novo centro de pesquisa para impulsionar a indústria local de hidrogênio verde. Enquanto isso, especialistas do setor expressaram preocupação com a falta de foco do Chile na geração de demanda interna pelo combustível. Mesmo assim, o país continua na corrida.

Em novembro de 2020, o Chile apresentou sua Estratégia Nacional de Hidrogênio Verde. Até 2025, planeja atingir cinco gigawatts (GW) de capacidade dedicada à eletrólise – processo físico-químico usado para a geração do hidrogênio verde. O Chile quer produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo até 2030, além de se tornar um dos três maiores exportadores do combustível até 2040.

O que é o hidrogênio verde?


O hidrogênio não emite gases de efeito estufa quando queimado, mas é frequentemente obtido como um subproduto de processos poluentes. O hidrogênio verde é o gás produzido a partir de fontes de energia renováveis, como eólica e solar.

O plano deveria ser atualizado em 2025 para incluir novas tecnologias e avanços na infraestrutura. Mas o governo de Gabriel Boric adiantou essa atualização para o fim deste ano e acrescentou um cronograma de destinação de terras públicas para o desenvolvimento desses projetos.

Procurado pelo Diálogo Chino, o Ministério de Economia do Chile explicou que o objetivo é que o hidrogênio verde “promova um novo modelo de desenvolvimento voltado para a geração de valor local”. O fortalecimento da produção de hidrogênio verde, diz a pasta, também ajudaria a reduzir as emissões de carbono e a promover um crescimento mais sustentável do país.

Em agosto, o governo Boric lançou um novo comitê para o desenvolvimento da indústria nacional de hidrogênio verde. O grupo busca impulsionar o apoio estatal ao setor, por meio da colaboração entre ministérios. Além disso, o governo lançou a agenda do setor energético até 2026, documento que menciona os esforços para a implantação dos primeiros dez projetos de hidrogênio verde do país.

A Corporação de Fomento à Produção (Corfo), agência governamental de apoio ao empreendedorismo e à inovação, assinou acordos no final de 2021 para fornecer US$ 50 milhões em financiamento para os seis primeiros projetos de hidrogênio verde do país, que devem atrair US$ 1 bilhão em investimentos locais e estrangeiros.

O Projeto Faro del Sur, liderado pela subsidiária local da italiana Enel Green Power, vai produzir 25 mil toneladas de hidrogênio verde por ano em Magallanes, a região mais ao sul do país. Já o projeto HyPro Aconcagua, da multinacional Linde GmbH, deve gerar três mil toneladas de hidrogênio verde por ano, substituindo parte da produção de hidrogênio poluente de uma refinaria de petróleo na região central de Valparaíso. Enquanto isso, a maior empresa chilena de siderurgia, a CAP, vai construir uma usina na região de Biobío, que deve produzir 1.550 toneladas de hidrogênio verde por ano.

Gabriel Boric de perfil em frente a um microfone
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Dois projetos serão erguidos na região norte de Antofagasta: o HyEx – Produção Hidrogênio Verde, liderado pela francesa Engie e o Antofagasta Mining Energy Renewable (Amer). Além disso, há ainda o projeto Hidrogênio Verde Bahía Quintero, liderado pela empresa chilena de gás natural Quintero junto da multinacional espanhola Acciona Energía na região de Valparaíso.

“O que se está fazendo é impulsionar, por meio do Estado e das empresas, a criação de uma indústria que vai trazer energia com zero emissões [de carbono], além de desenvolvimento, sofisticação, empregos verdes e incentivos para o desenvolvimento do capital humano”, diz María Paz de la Cruz, diretora-executiva da H2 Chile, a associação chilena de hidrogênio.

“Há um impulso transversal à indústria, de modo a transformar o Chile, a médio prazo, em um dos países capazes de oferecer o hidrogênio mais competitivo”, acrescenta Paz de la Cruz.

Ainda que o Chile venha caminhando na direção certa, o país enfrenta uma série de obstáculos para que a nova indústria de hidrogênio verde cumpra suas metas.

Miguel Arrarás, diretor da Acciona Energía no Chile, diz que o projeto na Bahia de Quintero é arriscado devido à demanda insuficiente. “Tivemos conversas com algumas indústrias da região, mas temos uma rentabilidade negativa com os preços [atuais]. Não temos certeza de que a fábrica possa ser construída”, alertou durante uma palestra em agosto.

Recentemente, a Enel Green Power recuou na implantação de um parque eólico que forneceria energia ao Projeto Faro del Sur, alegando exigências excessivas por parte dos órgãos estatais nos estudos de impacto ambiental. Para a empresa, os pedidos “excederam o padrão usual”, e todos os dados solicitados foram fornecidos. O governo, por sua vez, diz que o projeto “sofre de uma grave falta de informação”.

Exportações de hidrogênio verde

No fim de agosto, Hermann von Mühlenbrock, renomado empresário chileno e ex-presidente da federação da indústria chilena, a Sofofofa, escreveu sobre sua insatisfação com a estratégia do governo para a indústria do hidrogênio verde em um artigo para o jornal chileno El Mercurio.

Uma de suas reclamações centrou-se no acordo assinado entre o Ministério de Energia do Chile e o Porto de Hamburgo, na Alemanha, para exportar hidrogênio verde – uma negociação da qual o setor privado não participou. A iniciativa privada é necessária, disse von Mühlenbrock, pois o cumprimento das metas da estratégia nacional de hidrogênio verde exigiria um investimento de “mais de US$ 2 bilhões” em cada projeto.

uma pessoa em um parque solar em um deserto
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Patricio Lillo, professor de engenharia da Pontifícia Universidade Católica do Chile, concorda: “O foco do Estado é a exportação de hidrogênio verde e não o consumo interno”.

Lillo acrescenta que isso resultou, entre outras questões, na falta de planejamento do uso do solo, necessário para o desenvolvimento de uma indústria dessa escala.

“É necessário planejar a forma de ocupação do território. Não se trata apenas da soma dos impactos locais, mas de uma visão mais geral da infraestrutura necessária, como linhas de transmissão de eletricidade, estradas, dutos nos portos e dessalinizadores de água, entre outros”, diz Lillo. O planejamento nacional pode reduzir consideravelmente o impacto, observa.

María Paz de la Cruz, da H2 Chile, reforçou a urgência de mais transparência no planejamento do uso do solo, na concessão de licenças e no uso de infraestrutura estratégica. “Processos de planejamento são fundamentais para a obtenção do licenciamento dessas iniciativas. É preciso deixar claro quais as áreas serão afetadas pela instalação de projetos”, diz.

Paz de la Cruz também entende ser necessário dar condições para que o hidrogênio verde alcance escala comercial, a fim de aproveitar as oportunidades para o desenvolvimento de uma indústria local e de exportação.

“Acreditamos que uma questão futura para o país será incentivar o investimento estrangeiro em indústrias com grandes demandas de energia, tais como de cimento ou aço. No Chile, elas teriam acesso à energia verde”, disse ela.

Tecnologia limpa estagnada

Um dos pilares destacados tanto pela Estratégia Nacional de Hidrogênio Verde quanto pela Agenda Energética 2022-2026 é o desenvolvimento da tecnologia local, que está estagnada.

Em janeiro de 2021, o governo de Sebastián Piñera, que deixou o cargo em março deste ano, abriu um edital da Corfo para a criação do Instituto Chileno de Tecnologias Limpas (ITL), um centro de pesquisa e desenvolvimento na região de Antofagasta. A licitação foi concedida a um consórcio formado pela Associated Universities Inc (AUI) – organização de pesquisa patrocinada por nove universidades dos Estados Unidos – junto de quatro universidades chilenas.

A Associação para o Desenvolvimento do Instituto de Tecnologia Limpa (ASDIT), liderada por 11 universidades chilenas e outras instituições de pesquisa, também apresentou uma proposta para administrar o ITL. Ao perder a licitação, reclamou do resultado, citando falhas no processo.

“Somos obrigados a tornar pública nossa profunda decepção, pois consideramos absurdo que um consórcio internacional, com poucos vínculos com o universo chileno da mineração e da energia, pretenda liderar, através do ITL, uma proposta para o desenvolvimento de uma nova indústria para nosso país”, disse a ASDIT em um comunicado. 

Em dezembro de 2021, uma comissão de investigação da Câmara dos Deputados do Chile produziu um relatório no qual concluiu que a proposta apresentada pela ASDIT era bem superior à da AUI. A Suprema Corte anulou a concessão em julho deste ano, e a Corfo finalmente concordou em mudar a direção do instituto de pesquisa, mas não definiu data para tal.

O Diálogo Chino procurou a Corfo para comentar o avanço deste processo e o impacto que os atrasos na criação do ITL podem ter no desenvolvimento da indústria de hidrogênio verde do Chile, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.