<p>Parque eólico Guajira 1, em La Guajira, no Caribe colombiano (Imagem: David González M. / Diálogo Chino)</p>
Energia

Parques eólicos dividem comunidades indígenas na Colômbia

Projetos na região de La Guajira impulsionam transição energética, mas criam tensões entre o povo Wayuu

Partimos cedo de Uribia, município da costa norte da Colômbia, na fronteira com a Venezuela. A cidade faz parte do departamento de La Guajira, onde o solo rochoso é coberto por uma vegetação seca, que se dobra pela ação de ventos intensos, e onde a temperatura média gira em torno de 30 °C o ano todo.

Viajo com Ismenia Iguarán, ambientalista e líder indígena do povo Wayuu. Juntos, vamos encontrar moradores da região que se opõem à construção de novos parques eólicos em La Guajira.

Iguarán está preocupada, não só pelos conflitos sociais que surgiram desde o início desses projetos, mas também pelos altos índices de pobreza da região — atingindo 67% da população — e pela desnutrição que afeta principalmente as crianças.

Indígena Wayuu deitada na rede
Indígena Wayuu faz artesanato em comunidade na zona central de La Guajira (Imagem: David González M. / Diálogo Chino)
Casa tradicional de pau a pique
Casa tradicional de pau a pique próxima a uma estrada no norte de La Guajira (Imagem: David González M. / Diálogo Chino)

Ao longo de uma estrada quase deserta, moradores das  comunidades próximas bloquearam a passagem com cordões para restringir a entrada de visitantes. Os postos de controle parecem ter se tornado parte da paisagem. Iguarán fala com eles em wayuunaiki, idioma oficial dos mais de 287 mil indígenas Wayuu dessa parte da Colômbia. Nem todos os visitantes são bem-vindos.

La Guajira virou um ponto de tensão nos planos do governo do presidente colombiano Gustavo Petro, que deseja tornar o departamento o “epicentro” da transição energética do país.

Atualmente, há 16 parques eólicos ativos ou em construção em La Guajira, e mais de 60 projetos em avaliação devem sair do papel antes de 2030. Porém, o início dessas operações gerou tensões na região, principalmente entre as comunidades Wayuu próximas das usinas — os indígenas denunciam expulsões, brigas, extorsões e violência que agora permeiam seu território.

Silêncio em La Guajira

Após duas horas sob um calor intenso e atravessando vários postos de controle pelo caminho, finalmente nos aproximamos do parque eólico Guajira I. Construída pela empresa colombiana Isagen e operada pelo grupo Empresas Públicas de Medellín (EPM), a usina de 20 megawatts (MW) é a maior do tipo no país.

São 10h e o motorista nos avisa para voltarmos rápido. “À tarde”, diz ele, “a estrada não é segura para os arijuna”, usando a palavra Wayuu para forasteiros. Ele explica que podemos sofrer assaltos à mão armada.

Na chegada, nos reunimos com um líder indígena que preferiu permanecer anônimo. Ele diz ter recebido uma indenização da Isagen, já que o parque Guajira 1 passa por seu território. Embora tenha inicialmente concordado em conceder entrevista, depois ele se recusa a falar, por medo de represálias de vizinhos.

Part of a Wayuu community sits next to the Guajira I wind farm, in northern La Guajira. The community negotiated with Isagen, the company that built the facility, over construction on their land (Image: David González M / Diálogo Chino)

No quintal da propriedade vizinha, há uma turbina eólica de mais de cem metros de altura. As enormes pás giram sem parar. A moradora nos recebe com desconfiança. Depois de falar com Iguarán em wayuunaiki, ela também recusa a entrevista.

Nossa presença parece deixar as pessoas em alerta. Passado um tempo, chegam duas vans com mais moradores Wayuu: eles dizem que podemos fotografar, mas que “ninguém iria falar”.

Projetos divididos

Exposta aos ventos costeiros no extremo norte da Colômbia, a península de La Guajira tem um enorme potencial eólico, que começou a ser explorado há 20 anos. Na época, o primeiro parque eólico da região, Jepirachi, foi construído pela EPM. Agora, o governo de Gustavo Petro quer avançar com a transição energética do país e acelerar os projetos de energia limpa — e, para isso, essa ponta no Caribe é fundamental.

A ministra de Minas e Energia, Irene Vélez, viajou diversas vezes a La Guajira em um esforço para atingir esse objetivo. Em uma das visitas, ela disse que a região poderia se tornar “a capital mundial da energia verde”. Segundo a Unidade de Planejamento de Minas e Energia, La Guajira tem potencial para a geração de cerca de 15 gigawatts de energia eólica.

Martha Isabel Cobo, pesquisadora do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e professora de engenharia da Universidad de La Sabana, diz que a Colômbia tem atualmente uma capacidade instalada de 184 MW de energia solar e 39,5 MW de eólica, o que representa apenas 0,8% e 0,1% da matriz energética do país.

Cobo reitera que a transição para a energia limpa é urgente e faz projeções promissoras: “Nos próximos anos, esperamos um crescimento da capacidade instalada das tecnologias solar e eólica. Até 2027, serão 16.650 MW de energia solar e 5.795 MW de eólica”, estima a pesquisadora em entrevista ao Diálogo Chino.

Comunidade reconstrói casas depois de acordo de realocação com a empresa Isagen (Imagem: David González M. / Diálogo Chino)
Mulher Wayuu carrega um galão de água retirado de uma estação de tratamento, na região central de La Guajira (Imagem: David González M. / Diálogo Chino)

Mas os projetos não avançam no ritmo esperado. As lacunas e inconsistências durante as etapas de consulta às comunidades levaram a sérios conflitos. Organizações argumentam que os parques eólicos já funcionam como “uma nova modalidade de extrativismo”, que poderia reproduzir os males do setor de combustíveis fósseis, criando disputas pela terra.

Um funcionário do Ministério do Interior, que pediu para não ter seu nome revelado, explica que também houve atrasos nos projetos eólicos em La Guajira. Segundo ele, os projetos em andamento na região deveriam estar 80% concluídos, mas a maioria não atingiu nem a marca dos 30%.

Em todo o departamento, os parques eólicos geram tensões com as comunidades próximas. Há desentendimentos pela realocação forçada da população, pela compensação financeira e pelas consultas populares sobre os projetos. Em alguns casos, a discordância sobre esses pontos provoca violência entre as comunidades indígenas.

O funcionário do Ministério do Interior diz que, para melhorar a implementação dos projetos, é necessário encontrar soluções por meio do diálogo — não só para tornar a matriz energética mais limpa, mas também para beneficiar as comunidades Wayuu. O funcionário destacou uma medida do novo plano nacional de desenvolvimento, que prevê um aumento na compensação paga por empresas de energia solar e eólica para financiar ações nas comunidades tradicionais afetadas: esse tributo representava 1% das vendas brutas das empresas de energia, mas subiu para 6% — mudança vista com desconfiança pelo setor.

O funcionário do governo explica que, até o momento, também não há um processo oficial para as consultas de populações locais sobre os projetos eólicos em La Guajira. Há denúncias de negociações supostamente irregulares com líderes Wayuu nas áreas afetadas. “A consulta popular foi inválida, falha e muitas vezes realizada fora do território [afetado], como uma tentativa de acelerar o processo”, acrescenta o funcionário.

Apesar disso, em outubro do ano passado, em conversa com mais de 500 empresários e investidores do setor, a então recém-empossada ministra Irene Vélez fez um apelo para que eles apostassem na transição energética. Ela assegurou que se tratava do “momento certo para investir na Colômbia”, já que o país começaria a implementar um modelo de transição energética justa.

Resistência Wayuu

José Silva, líder Wayuu, nos recebe em sua comunidade, a uma hora de carro ao sul de Uribia. Silva passou anos documentando os conflitos causados pelas indústrias extrativas em La Guajira, motivo pelo qual fundou a organização Nación Wayuu. Ele alerta que as tensões e os conflitos em torno dos parques eólicos estão se agravando.

“Em diferentes territórios, mulheres foram assassinadas. Crianças e famílias inteiras foram expulsas”, diz Silva, alegando que a chegada das empresas de energia eólica impulsionou a onda de violência.

Já Ismenia Iguarán, que me acompanha na viagem, fala sobre os conflitos em torno das compensações financeiras e dos benefícios oferecidos pelas empresas de energia para as comunidades afetadas por novos projetos: “O dinheiro dos projetos eólicos está começando a nos dividir”.

O caso de Leiji Hana González, de 32 anos e mãe de dois filhos, talvez seja um dos mais graves. Ela recém se mudou para Riohacha, capital de La Guajira, cidade paradisíaca na costa do Caribe. Apesar da beleza do lugar, ela se sente “em uma prisão”.

No início do ano, seu vilarejo natal — que ela pediu para não ser identificado por medo de represálias — foi atacado por vizinhos armados, que invadiram a casa onde sua família morava há 40 anos. Eles atiraram e mataram uma de suas tias. Depois de enterrá-la, González e sua família fugiram no meio da noite, levando apenas as roupas do corpo.

De acordo com González, os vizinhos haviam recebido dinheiro como compensação pelo projeto do parque eólico Windpeshi, da Enel Colômbia, subsidiária local da multinacional italiana de energia.

Mesmo depois que ela e sua família deixaram seu território, outro grupo Wayuu voltou a intimidá-los com armas para se apossar do terreno, a fim de exigir uma indenização ainda maior da empresa.

“Até jogaram duas granadas na minha casa”, conta González. “Antes, os Wayuu não tinham dinheiro para comprar armas, agora têm”.

Alguns indígenas Wayuu, incluindo González, acusam a Enel, responsável pelo parque eólico Windpeshi e por outros cinco projetos de energia renovável na Colômbia, de incentivar a violência e forçar a expulsão da população afetada — a empresa nega.

Após vários anos de disputas em torno do parque Windpeshi, a Enel Colômbia anunciou no dia 24 de maio a suspensão da construção do projeto por tempo indeterminado. Em um comunicado, a empresa informou que as obras já haviam sido interrompidas por metade dos últimos três anos devido aos bloqueios.

Eugenio Calderón, diretor da Enel Green Power para a Colômbia e a América Central, diz que a suspensão “nos dói não só como empresa, mas também como cidadãos que apostam na transição energética”. Calderón explica que a decisão foi tomada depois que “análises rigorosas e estudos de viabilidade” concluíram que seria impossível prosseguir com as obras. Além disso, acrescenta que a Enel “continuará dialogando com as comunidades e as partes interessadas” que serão afetadas por essa decisão.

Possíveis soluções?

O presidente da Nación Wayuu, José Silva, argumenta que muitos impactos e disputas poderiam ser contornados se houvesse processos institucionais mais sólidos e consultas populares mais bem conduzidas antes do início de qualquer projeto. Ele cita como exemplo a negociação bem sucedida de uma comunidade de La Guajira com a empresa colombiana de energia Celsia. Ambas as partes concordaram com um pagamento de 800 milhões de pesos (cerca de R$ 900 mil) em compensação pela instalação de quatro turbinas eólicas.

Silva explica que essa negociação “teve processos sérios e consultas prévias em todas as etapas”. Isso, segundo ele, permitiu que a comunidade conseguisse recursos para a construção de um aqueduto e para melhorias da educação, com a oferta de bolsas de estudo para seus jovens.

A Wayuu teacher with her students in a community in central La Guajira (Image: David González M / Diálogo Chino)

Ismenia Iguarán pensa de outra forma. Embora esteja ciente das necessidades de desenvolvimento do território, ela acredita que iniciativas que ameacem o meio ambiente não podem ser aprovadas.

“Não podemos seguir sendo invadidos de forma tão violenta”, diz Iguarán. “Eles estão nos manipulando e colocando nossa cultura em risco”.