Clima

América Latina e Caribe cobram mais ações de financiamento climático em Paris

Líderes regionais pediram ampliação de mecanismos de alívio de dívidas, mais recursos para ações climáticas e reformulações do Banco Mundial e do FMI
<p>Presidente francês Emmanuel Macron (à direita) recebe presidente colombiano Gustavo Petro (à esquerda) na cúpula do Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, na França. Petro propôs a troca de dívidas por ações climáticas (Imagem: Abaca Press / Alamy)</p>

Presidente francês Emmanuel Macron (à direita) recebe presidente colombiano Gustavo Petro (à esquerda) na cúpula do Novo Pacto Financeiro Global, em Paris, na França. Petro propôs a troca de dívidas por ações climáticas (Imagem: Abaca Press / Alamy)

“Nove meses atrás, ninguém falava sobre cláusulas para desastres naturais, desenvolvimento multilateral, reforma do Banco Mundial. Há nove meses, não estávamos preparados para falar sobre dívida”, observou a primeira-ministra da Barbados, Mia Mottley, na cúpula do Novo Pacto Financeiro Global, em 23 de junho, em Paris.

Em setembro passado, a Iniciativa Bridgetown lançada por Mottley marcou um ponto de inflexão nas negociações sobre swap de dívida por natureza: a proposta exige reformas no sistema financeiro global para ajudar os países mais vulneráveis à crise climática e promove mecanismos de alívio de dívidas e financiamento climático.

Mottley foi uma voz de destaque na cúpula climática COP27 da ONU, em novembro de 2022. O acordo firmado na conferência reconheceu, pela primeira vez, a necessidade de “uma transformação do sistema financeiro e de suas estruturas e processos” para atingir as metas de descarbonização. A reunião sobre financiamento climático em Paris buscou formas de tornar isso realidade.

Mia Mottley habla en la COP27
Mia Mottley na cerimônia de abertura da COP27. A premiê de Barbados foi uma das vozes mais ativas sobre financiamento climático na conferência (Imagem: UN / Kiara Worth, CC BY-NC-SA 2.0)

O evento organizado por França e Barbados tentou chegar a um consenso sobre a reforma do sistema financeiro global — estruturado após a Segunda Guerra Mundial e que hoje não consegue responder às crises simultâneas de pobreza, dívidas públicas e mudanças climáticas. Os chefes de Estado e representantes diplomáticos conduziram uma série de encontros bilaterais, grupos de trabalho, mesas-redondas e eventos abertos.

Embora o evento tenha gerado declarações ambiciosas — até mesmo do anfitrião, o presidente francês Emmanuel Macron — muitos sentiram a falta de compromissos concretos. Outros analistas acreditam que o principal mérito do encontro foi ter promovido pautas que serão retomadas na COP28, em Dubai, no fim do ano.

Para a América Latina e o Caribe, a cúpula francesa pode ter aberto novos caminhos para enfrentar as crises econômicas e o endividamento público, além de mecanismos para combater as mudanças climáticas, a pobreza e a desigualdade.

Cadê o financiamento prometido?

Delegados e observadores do Sul Global foram a Paris com um objetivo definido: ver algum progresso — por menor que seja — na promessa dos países desenvolvidos de mobilizar US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para os países em desenvolvimento até 2025. Esse compromisso existe desde 2009 e foi relembrado pelo Acordo de Paris em 2015, mas ainda não foi cumprido.

Nas recentes negociações em Bonn, na Alemanha, o financiamento climático marcou a divisão entre dois polos em disputa: de um lado, as nações desenvolvidas que querem colaborar com os esforços de mitigação de danos e reduções de emissões; do outro, um mundo em desenvolvimento defensor dessas mesmas ações, mas que ressalta a necessidade de apoio financeiro para executá-las.

“Delegados, estamos dispostos a falar sobre os US$ 100 bilhões? Estamos dispostos a falar sobre isso?”, exaltou Pedro Luis Pedroso Cuesta, chefe da delegação cubana, na plenária das negociações sobre mudanças climáticas em Bonn. “Fica evidente que não há intenção de conversar sobre financiamento”, acrescentou.  

A recente cúpula de Paris até falou dos US$ 100 bilhões, mas não exatamente daqueles reivindicados pelo Sul Global: em 2021, os países ricos firmaram o compromisso de redirecionar às nações pobres parte de seus direitos especiais de saque junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

O que são direitos especiais de saque?

Os direitos especiais de saque (DES) são ativos de reserva internacional criados pelo FMI, com valor lastreado em cinco moedas: dólar americano, euro, renminbi chinês, iene japonês e libra esterlina. O FMI aloca os DES entre seus membros e geralmente são usados quando esses países precisam de liquidez.

A diretora do FMI, Kristalina Georgieva, disse que US$ 60 bilhões já foram disponibilizados aos países em desenvolvimento e ainda faltam outros US$ 40 bilhões prometidos pelos países mais ricos.

Em busca de financiamento climático

Na cúpula em Paris, representantes da América Latina e do Caribe discutiram possíveis mecanismos de financiamento climático para a região. Estes são algumas deles:

Swaps de dívidas. Considerando que nenhum país deveria escolher entre combater a pobreza e enfrentar as mudanças climáticas por uma questão orçamentária, a cúpula em Paris discutiu maneiras de começar a aliviar as dívidas dos países em desenvolvimento — e assim facilitar a implementação de políticas climáticas conjuntas.

O presidente colombiano Gustavo Petro foi um dos que levantou a bandeira dos swaps de dívidas por ações climáticas. “As trocas de dívidas liberariam verbas para que sejam dedicadas exclusivamente à mitigação ou adaptação à crise climática”, explicou Petro em entrevista ao Diálogo Chino. “Em escala global, geraria um aumento de liquidez direcionado para aquilo que mais importa atualmente: as soluções para a crise climática”, concluiu o mandatário colombiano, que ainda defendeu a criação de um grupo de especialistas para estudar os mecanismos dos swaps de dívidas e levar uma proposta consolidada à COP28.

Apoio do Banco Mundial. Na cúpula francesa, o novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, anunciou novas medidas para suspender ou adiar prazos de pagamentos de dívidas em caso de desastres naturais. Conforme a entidade, a iniciativa será implementada inicialmente com os “clientes mais vulneráveis” e depois será expandida para os demais. O anúncio não especifica quais países da América Latina e do Caribe serão contemplados nessa primeira leva.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva criticou o papel do Banco Mundial e do FMI em seu discurso na França: “Algumas instituições criadas após a Segunda Guerra Mundial não funcionam mais. O Banco Mundial e o FMI deixam muito a desejar naquilo que o mundo espera deles”.

Lula da Silva, Brazil’s president, speaking at a session during the New Global Financing Pact summit
Discurso de Lula na cúpula do Novo Pacto Financeiro Global. O presidente brasileiro cobrou mais ações climáticas do Banco Mundial e do FMI (Imagem: Ricardo Stuckert / Presidência da República, CC BY 2.0)

Cobranças para o setor privado. Em suas apresentações na cúpula, o presidente francês destacou a necessidade de mobilizar e aumentar o financiamento privado para as mudanças climáticas — tido por muitos como o principal ponto nos quais os países desenvolvidos podem focar durante as próximas negociações sobre financiamento climático. Macron disse ainda que “para cada dólar de dinheiro público destinado à ação climática, também deveria haver um dólar da iniciativa privada”.

A ata final do evento em Paris menciona que, de 2016 a 2019, a filantropia privada comprometeu-se com US$ 42 bilhões para o desenvolvimento. Mottley, porém, explicou que tão importante quanto o dinheiro em si é o lugar onde ele é aplicado e para quem é destinado: “Agradecemos à filantropia pelo que faz. Mas não dá para colocar o dinheiro só no que os filantropos querem, e sim no que o mundo precisa”.

Prévias da COP28

O financiamento climático foi o ponto central de uma cúpula organizada pela França e por Barbados — embora tenha ficado, em grande medida, sob a liderança do país europeu. O tema também foi alvo de fortes disputas em Bonn por quase duas semanas. Agora, será a vez da cúpula COP28 enfrentar o assunto.

Se não agirmos agora em larga escala, não chegaremos a tempo de salvar mais pessoas. Mais do que fazer a coisa certa, devemos fazê-la no momento certo e pelo motivo certo.
Mia Mottley, premiê de Barbados

Os principais pontos das recentes negociações em Paris foram resumidas em um documento de 10 páginas. Esses resultados, no entanto, não são juridicamente vinculantes. Relatórios semestrais devem revisar o andamento das metas e, em dois anos, haverá uma segunda edição da cúpula, para fazer um balanço desses compromissos — com observadores atentos para os desdobramentos relevantes para a América Latina. 

Enquanto isso, a região caribenha já sente os efeitos de uma nova tempestade tropical e prevê temporadas de furacões cada vez mais intensas. “Se não agirmos agora em larga escala, não chegaremos a tempo de salvar mais pessoas. Mais do que fazer a coisa certa, devemos fazê-la no momento certo e pelo motivo certo”, diz a premiê de Barbados.