Energia

Argentina projeta enorme expansão de energia renovável até 2030

Novo plano do governo requer US$ 86 bilhões para impulsionar transição energética — e também o gás natural
<p>Barragem Agua del Toro em Mendoza, na Argentina. Novo plano de transição energética do país estima US$ 7,4 bilhões em investimentos para geração hidrelétrica até 2030 (Imagem: Fernando Quevedo / Alamy)</p>

Barragem Agua del Toro em Mendoza, na Argentina. Novo plano de transição energética do país estima US$ 7,4 bilhões em investimentos para geração hidrelétrica até 2030 (Imagem: Fernando Quevedo / Alamy)

A Argentina planeja gerar 57% de sua energia a partir de fontes renováveis até o final da década, de acordo com o novo plano de transição energética, lançado no fim de junho. O país também terá como meta construir cinco mil quilômetros de linhas de transmissão, reduzir a demanda energética em 8% e atingir um gigawatt (GW) de geração distribuída (fontes individuais ou de pequena escala). No total, o governo estima que o plano custe US$ 86,6 bilhões em investimentos.

Atingir essas metas representaria uma mudança significativa na matriz energética da Argentina. Atualmente, os combustíveis fósseis são responsáveis por cerca de 60% da geração de eletricidade no país, fatia que seria reduzida a 35% até 2030 por meio da expansão das energias renováveis, incluindo a hidrelétrica e, sobretudo, a eólica e a solar. Dos 14 GW adicionais previstos no plano, quase 10 GW seriam de fontes limpas. Já o restante seria composto por gás natural, energia nuclear e hidrogênio.

“Esta é a primeira vez que a Argentina coloca em números a transformação necessária do setor energético para cumprir as metas climáticas do país”, diz Juan Carlos Villalonga, consultor de energia renovável e ex-deputado argentino, em entrevista ao Diálogo Chino

Villalonga acredita que o plano deveria ser discutido no alto escalão do governo, “mas a atenção está voltada para a campanha eleitoral”, cujas primárias serão em agosto e o primeiro turno das eleições presidenciais, em 22 de outubro.

Em seu compromisso no Acordo de Paris, conhecido como contribuição nacionalmente determinada (NDC), a Argentina prometeu limitar suas emissões líquidas a 349 milhões de toneladas de CO₂ equivalente até 2030. A gestão do setor de energia representará um grande desafio para atingir essa meta, já que ele é responsável por 53% das emissões de gases de efeito estufa do país, conforme os dados mais recentes, publicados em 2019.

A transição da Argentina para longe dos combustíveis fósseis, no entanto, parece estar num horizonte bem distante. O governo segue impulsionando a exploração dos campos de Vaca Muerta, formação geológica que abriga um dos maiores depósitos de petróleo e gás de xisto do mundo, enquanto a expansão das energias renováveis estagnou consideravelmente desde a crise econômica de 2018-19.

O novo plano espera solucionar essas falhas priorizando a energia renovável, embora os combustíveis fósseis ainda devam desempenhar um papel revelante nos próximos anos. Até 2030, a produção argentina de gás pode subir de 133 milhões para 174 milhões de metros cúbicos diários — aumento de 30%, o que transformaria a Argentina em uma nação autossuficiente em gás e permitiria elevar as exportações por meio de projetos de infraestrutura, incluindo usinas de gás natural liquefeito e gasodutos.

“É um plano realista, que leva em conta as dificuldades socioeconômicas da Argentina”, avalia Ignacio Sabatella, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas. “Ele foi lançado no fim do atual mandato, porque levou tempo até se conseguir alinhar as diferentes áreas do governo, como os ministérios de Meio Ambiente e Energia”, explica.

Problemas no caminho

O novo plano reconhece que a Argentina enfrentará dificuldades para atingir suas metas. A transição energética, diz o documento, “não deve ser isolada da realidade macroeconômica e do complexo cenário da dívida externa”, destacando a necessidade de acesso a crédito com taxas baixas e a melhoria econômica.

Para Juan Ignacio Arroyo, economista e consultor independente de energia, uma coisa é o plano ser ambicioso, mas outra bem diferente é ele conseguir concretizar essa ambição. “Em certos casos, pode haver tensões entre a velocidade e a sustentabilidade de uma transição energética”, diz Arroyo. “Quanto mais ambicioso for o plano, mais investimentos serão necessários na rede de transmissão e mais equipamentos importados para instalar os parques solares e eólicos”.

Há anos a Argentina já tem acesso restrito ou zerado a financiamento estrangeiro, situação que deve perdurar, dado seu alto nível de endividamento externo. Por isso, o país renegocia seus acordos com o Fundo Monetário Internacional e, recentemente, assinou um termo com a China para renovar seu swap cambial, o que lhe permitirá acessar o equivalente a quase US$ 10 bilhões.

O aumento das exportações de gás geraria mais recursos para projetos de energia renovável, diz o plano. Porém, ele não propõe a criação de um mecanismo para canalizar essas divisas em energias renováveis. Propostas semelhantes foram apresentadas no ano passado enquanto se discutia a exploração de petróleo em alto-mar na Argentina, mas os planos de reinvestir parte dos lucros em energias renováveis foram escanteados.

“Como podemos garantir que a transição energética não aprofunde as dificuldades econômicas do país?”, questiona Arroyo. O plano enfatiza a importância de a transição servir como um catalisador para o avanço tecnológico, industrial e científico da Argentina. Mas isso parece contradizer a última licitação argentina para projetos de energia renovável, que não exigiu nem incentivou a inclusão de fornecedores locais.

A instalação dos cinco mil quilômetros de linhas de transmissão também será uma tarefa complicada. A Argentina não fez grandes investimentos em sua rede de transmissão nos últimos 25 anos, e isso agora afeta sua capacidade de construir e conectar novos parques solares e eólicos. Empresas também alertam que a infraestrutura existente enfrenta problemas devido à falta de manutenção.

Em outubro passado, o governo relançou um plano para investir US$ 1,4 bilhão em seis linhas de transmissão de energia — projeto que tinha sido anunciado há seis anos, mas nunca foi implementado. A China Electric Power Equipment and Technology também anunciou, no ano passado, investimentos de US$ 1,1 bilhão na rede de energia da região metropolitana de Buenos Aires.

Renováveis em pequena escala

Embora o plano argentino destaque a construção de novos parques eólicos e solares, o documento também ressalta o potencial da geração distribuída — sistemas que geram eletricidade perto de seu local de uso, como painéis solares instalados em escolas ou prédios. Isso permite que alguns consumidores de luz também se tornem produtores.

O último relatório sobre a geração distribuída na Argentina, publicado em maio, mostrou que há 23,2 megawatts de capacidade instalada no país. O plano estabelece uma meta de 1 GW para essa geração distribuída por fontes renováveis — cerca de 40 vezes mais do que a capacidade atual. Sabatella acredita que é possível chegar a esse número, já que os projetos de pequena escala não dependem tanto da importação de equipamentos quanto os parques solares e eólicos. “Isso é especialmente relevante para aqueles que não têm acesso à rede de gás”, acrescenta.

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Sistemas de geração distribuída em pequena escala integram plano da Argentina para impulsionar energia renovável. O governo projeta investimentos de US$ 2,7 bilhões em energia solar até 2030 para atingir 3,1 GW de capacidade adicional (Imagem: Alamy)

O plano também destaca um papel para o hidrogênio verde, apelidado de “combustível do futuro”, por ser produzido a partir de fontes renováveis. O objetivo é gerar 20 mil toneladas do combustível por ano até 2030, uma meta modesta, de acordo com Villalonga.

“Atualmente, a demanda local por hidrogênio, principalmente ‘cinza’ [produzido com combustíveis fósseis], é de 400 mil toneladas anuais”, escreveu Villalonga em um artigo onde analisa o plano. “Pode-se estimar que até 2030 essa demanda cresça para 500 mil toneladas ao ano. Ou seja, o hidrogênio verde representaria apenas 4% da demanda”. 

Em maio, o governo argentino apresentou um projeto de lei no Congresso para regulamentar e impulsionar o setor de hidrogênio verde. A tramitação, porém, deve demorar em razão das atenções voltadas ao período eleitoral.

O plano de transição energética também estabelece que os veículos elétricos representem ao menos 2% da frota de automóveis até o fim da década.

A “transição justa” — conceito que sugere uma transição para uma economia neutra em carbono de maneira justa e inclusiva — é um objetivo fundamental do plano. Para o governo, isso significa abordar as desigualdades preexistentes no setor de energia, criar empregos decentes, garantir que a população tenha energia a um preço acessível, ter custos competitivos e garantir que os grupos vulneráveis sejam incluídos. 

Para Arroyo, a menção a esses conceitos já é um avanço: “Embora não seja a definição mais moderna de transição justa, pois não fala muito sobre governança ou democratização do setor energético, ela incorpora outros elementos importantes, como a redução da pobreza energética, a criação de empregos verdes em todo o país e a descentralização das cadeias de valor”.

Além de apresentar o novo plano para 2030, o governo publicou um documento com diretrizes para o setor de energia até 2050. As projeções são colocadas em três cenários, do menos ao mais ambicioso. Na versão mais modesta, as energias renováveis, incluindo a hidrelétrica, poderiam responder por pelo menos 80% da geração de eletricidade, enquanto os veículos elétricos representariam 29% da frota de carros até 2050. Porém, mesmo esse cenário menos ambicioso exigiria um investimento de no mínimo US$ 264 bilhões, conforme as estimativas do governo.

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