Clima

China faz nova promessa de neutralidade de carbono. O que acontece agora?

Especialistas reagem à declaração do presidente Xi de que a China aumentará sua ambição climática, e tentará atingir a neutralidade até 2060
<p>Xi Jinping discursa em uma reunião de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de setembro (Imagem: Multimídia da ONU)</p>

Xi Jinping discursa em uma reunião de alto nível da Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de setembro (Imagem: Multimídia da ONU)

Em um discurso virtual na 75ª Assembleia Geral da ONU em 22 de setembro, o Presidente chinês Xi Jinping disse que a China iria cumprir uma meta mais ambiciosa de redução de emissões, atingir um pico antes de 2030 e se esforçar para alcançar a neutralidade de carbono antes de 2060.

2060


o ano em que a China pretende alcançar a neutralidade de carbono

As promessas são um passo significativo para aumentar o que ambientalistas chamam de “ambição climática” do maior emissor de carbono do mundo, que é também a segunda maior economia global. O compromisso de Xi veio uma semana após a reunião dos líderes da União Europeia e da China, em que a UE pressionou a China a se comprometer a estabelecer uma meta de neutralidade climática. Em seu discurso sobre o Estado da União em 16 de setembro, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também propôs aumentar a meta climática da UE para 2030 até o final do ano.

Todos os governos são obrigados a cumprir metas climáticas mais rigorosas sob o Acordo de Paris antes das próximas negociações climáticas em Glasgow, no Reino Unido, conhecidas como COP26, que foram adiadas apara 2021 por causa da Covid-19. Com os compromissos da UE e da China, bem mais de um terço das emissões globais serão cobertas por novas metas mais duras.

Se a China atingir seu objetivo de atingir a neutralidade de carbono antes de 2060, ela reduzirá as projeções de aquecimento global a cerca de 0,2 ou 0,3 graus Celsius, de acordo com a análise do Climate Action Tracker, que mede e contrapõe os compromissos do governo sobre o clima com as metas do Acordo de Paris.

O China Dialogue perguntou a um grupo de especialistas em clima como as novas promessas da China contribuiriam para o objetivo do Acordo de Paris de manter o aquecimento global bem abaixo de 2ºC e o que significam para a transição da China para uma economia de baixo carbono.

Xie Zhenhua. Assessor Especial em Assuntos de Mudanças Climáticas da China, Ministério de Ecologia e Meio Ambiente; Presidente do Instituto de Mudanças Climáticsa e Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Tsinghua

O compromisso da China de atingir a neutralidade de carbono antes de 2060 vai além do cronograma global de neutralidade de carbono de 2065-2070 sob o cenário 2ºC do Acordo de Paris. Esta meta ousada pode fazer avançar a neutralidade global de carbono em 5-10 anos. Ela também desempenhará um papel fundamental na promoção de uma governança climática global mais forte.

A China está seguindo ativamente a tendência global de recuperação verde e de baixo carbono ao estabelecer um claro e forte pico de carbono e metas de neutralidade de carbono. Dada a atual dinâmica econômica e política internacional, a comunidade global deve se unir para promover a agenda climática global, incorporando metas concretas em um caminho de recuperação pós-pandêmica verde.

Zou Ji. Presidente da Fundação de Energia da China

A nova visão do Presidente Xi Jinping mostra que as metas climáticas da China estão altamente alinhadas aos seus objetivos de modernização. Em 2020, a China embarcará em uma nova jornada de modernização, à medida que novos planos e projetos se desdobrarem. É uma necessidade para o país aumentar os investimentos em segurança climática, bem como outras formas de “capital natural”, e criar um novo motor de crescimento econômico por meio da transição de baixo carbono em curso, já que o país se esforça para acelerar o desenvolvimento sustentável e beneficiar as pessoas da China e do mundo nesta jornada. Tal ação será também a notável contribuição da China aos objetivos do Acordo de Paris e à governança global como uma potência global responsável.

Mil milhas começam com um único passo. Para honrar as novas promessas climáticas do presidente Xi, o primeiro imperativo para a China é estabelecer metas climáticas mais ambiciosas no 14º Plano Quinquenal (2021-2025). Isto inclui um limite de carbono – exigindo que o carvão esteja abaixo de 50% no mix de energia primária até 2025 e a aceleração das mudanças estruturais na produção e consumo de energia. A China também deve formular planos de pico nacional, provinciais e locais o mais rápido possível, bem como roteiros de descarbonização de longo prazo que sejam econômica e tecnicamente viáveis.

Hu Min. Diretor Executivo do Programa de Desenvolvimento Verde Inovador (iGDP, na siglaem inglês)

As promessas enviam um sinal político forte e de longo prazo para a transição de baixo carbono na China. O anúncio foi feito uma semana após a reunião virtual dos líderes UE-China, refletindo a determinação de ambas as partes em cooperar na ação climática.

Podemos esperar que planos de implementação mais concretos sejam lançados em breve, e parece possível nutrir esperanças de que mais governos regionais e locais na China façam surgir seus planos para alcançar a neutralidade de carbono.

No entanto, alcançar a neutralidade de carbono até 2060 não é uma tarefa fácil, requer grandes avanços tecnológicos e investimentos em larga escala, que só podem ser assegurados por políticas e planos de implementação fortes.

Zhang Shuwei. Diretor do Centro de Pesquisa Ambiental Draworld

O compromisso da China de atingir a neutralidade de carbono até 2060 vem em um momento crítico em que o mundo precisa muito de metas climáticas mais ambiciosas. O compromisso é altamente consistente com o caminho de 2 graus de redução e reflete a responsabilidade da China como uma grande potência. Isto, sem dúvida, injetará um importante impulso à ação climática global.

Alcançar a neutralidade de carbono até 2060 significa que a China terá 30 anos para cortes contínuos e rápidos de emissões, após atingir o pico de emissões por volta de 2030. Isto representará um impacto significativo para a transição de muitos setores, incluindo energia, transportes, indústria, construção e agricultura. Esperamos que a introdução de ferramentas políticas específicas, como o preço do carbono, concretize os objetivos. O processo de transformação rápida deve ser justo e gerenciável.

Joanna Lewis. Professor Associado e Diretor, Ciência, Tecnologia e Assuntos Internacionais, Universidade de Georgetown

Quase todas as metas climáticas e energéticas da China nos últimos anos foram atingidas ou excedidas, portanto qualquer coisa que o presidente Xi Jinping anunciar em um fórum público deste tipo não é apenas simbólica. A meta de neutralidade de carbono é um grande negócio vindo da China – mesmo apenas a menção a ela, por causa do que ela implica. O momento do anúncio pode ser um sinal de que a China está antecipando um apelo para uma maior ação climática se o candidato democrata Joe Biden for eleito nas eleições de novembro nos EUA. É provável que a China esteja tentando sair na frente de qualquer pressão ou exigência dos EUA, ao mesmo tempo em que apazigua a União Europeia, que há algum tempo vem insistindo bilateralmente em prol de tal objetivo.

Jonna Nyman. Palestrante em Política Internacional, Universidade de Sheffield

O anúncio feito por Xi Jinping sobre o objetivo de alcançar neutralidade de carbono até 2060 é uma indicação bem-vinda do compromisso da China com a redução de carbono. É também um sinal positivo para a comunidade global que espera um parceiro construtivo no esforço global para lidar com as mudanças climáticas.

Dito isto, a declaração permanece difusa nos detalhes. Estou ansiosa para ver como a promessa de neutralidade de carbono será traduzida especificamente em políticas e metas como parte da recuperação da Covid-19 pela China e do 14º Plano Quinquenal, que estabelecerá metas-chave para 2021-2025. Para alcançar a neutralidade de carbono até 2060, a China precisa de políticas e metas claras que desviem o foco dos combustíveis fósseis – e particularmente do carvão – para a energia renovável. A recuperação do coronavírus pela China tem favorecido até agora os combustíveis fósseis em detrimento da energia limpa. Se levado a sério, este novo anúncio indicará uma mudança significativa no foco a curto prazo.

Barbara Finamore. Diretora Estratégica Sênior, Ásia, Conselho de Defesa de Recursos Naturais (NRDC, na sigla em inglês)

A promessa da China de ampliar seus compromissos do Acordo de Paris e de se tornar neutra em carbono até 2060 pressionam os Estados Unidos a restaurar sua própria liderança climática. Uma meta ambiciosa dos EUA para 2030 codificada em uma nova contribuição determinada nacionalmente (NDC), um compromisso inequívoco para atingir emissões líquidas zero de gases de efeito estufa até 2050, e uma estrutura política forte para atingir essas metas será essencial.

Além disso, em uma época de tensões crescentes entre os EUA e a China, pode parecer implausível ou até mesmo insensato pedir aos dois países que trabalhem juntos para enfrentar nossa emergência climática global. Mas é de vital interesse nacional dos Estados Unidos e da China alinhar seus esforços para estar à altura deste desafio sem precedentes.

Judith Shapiro. Co-autor com Yifei Li, China se torna verde: ambientalismo coercivo para um planeta conturbado (tradução livre de “China Goes Green: Coercive Environmentalism for a Troubled Planet”)

O novo compromisso da China com o clima é louvável. Num momento em que a comunidade internacional parece paralisada sobre o assunto, a liderança da China parece compreender os riscos tanto para a infraestrutura global quanto para o próprio bem-estar da China, pois eventos climáticos severos, o derretimento das geleiras e a elevação do nível do mar ameaçam a segurança interna e a legitimidade do governo. O compromisso com a redução do carbono deve ajudar a China a alcançar uma dupla vitória e ajudar a reduzir a poluição do ar ao nível do solo que assim ameaça a saúde pública.

Dito isto, os compromissos da China com a civilização ecológica e outras iniciativas “verdes” devem ser implementados de tal forma que não mascarem outros objetivos estatais, como a coleta de dados sobre indivíduos e o reordenamento administrativo e a realocação de populações de áreas de fronteira. O uso de campanhas de estabelecimento de alvos, repressão e modificação de comportamento podem impedir a obtenção de apoio público e condenar essas iniciativas ao fracasso a longo prazo.

Michal Meidan. Diretor do Programa de Energia da China no Instituto de Estudos Energéticos de Oxford (OIES, na sigla em inglês).

A promessa de neutralidade de carbono da China é nada menos que momentânea e, no contexto de uma expansão contínua da capacidade de geração de energia a carvão dentro da China, motiva um otimismo cauteloso. O diabo está, naturalmente, nos detalhes, mas atingir este objetivo exigiria uma mudança fundamental na forma como a China desenvolve sua economia e consome energia, o que, por sua vez, exige uma reorganização dos complexos industriais e grupos de poder político existentes.

Haverá, portanto, perdedores. A indústria de combustíveis fósseis, atualmente uma poderosa parte interessada na China, precisará se adaptar a uma realidade modificada e criar novas áreas de crescimento, pois sua participação no mix energético terá que encolher. Resta saber se o 14º Plano Quinquenal dará o pontapé inicial para esse processo.

Não há dúvida, entretanto, que o foco da China na inovação, como parte da “estratégia de dupla circulação” [uma estratégia de continuar a exportação, enquanto dá ênfase à produção para o mercado doméstico] para fomentar a autossuficiência econômica, estabelece as bases para a inovação acelerada em tecnologias-chave que sustentam a transição energética global.

Mas a estratégia de dupla circulação nasceu da necessidade de isolar a China em um mundo cada vez mais desglobalizado, e provavelmente será executada com uma grande dose de medidas administrativas. Empresas e governos de todo o mundo também terão que se certificar de que eles também possam desempenhar um papel na transformação da China.

Ranping Song. Gerente de Ação Climática dos Países em Desenvolvimento, Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês)

A China se tornará mais rica e mais saudável na busca de uma economia de carbono zero. Uma análise que está sendo preparada pelo WRI mostra que a concretização da neutralidade de carbono exigiria investimento de capital adicional em múltiplos setores, particularmente de energia, mas a economia de combustível, bem como os custos de operação e manutenção, rapidamente faria a diferença. Como resultado, tais políticas podem alcançar benefícios financeiros positivos já em 2023, mesmo antes de considerar os benefícios sociais, como os impactos na saúde.

A concretização da neutralidade de carbono pouparia até 1,8 milhões de pessoas da morte prematura somente no ano de 2050. Após incorporar os benefícios de saúde, a China criaria um benefício líquido de 11 trilhões de dólares antes de 2050, em comparação com as políticas atuais, com uma taxa de desconto de 8%. Da mesma forma, a Cambridge Econometrics revelou que a China pode aumentar seu PIB em até 5% no final desta década, implementando a nova promessa.

Thom Woodroofe. Conselheiro Sênior para Assuntos Multilaterais do Presidente do Instituto de Política e Sociedade da Ásia e um ex-diplomata do clima

Os anúncios do presidente Xi mudam o jogo. Pela primeira vez, há uma trajetória de longo prazo para a descarbonização na China e sua promessa de aumentar seu compromisso de 2030 sob o Acordo de Paris pressionará outros grandes emissores a fazerem o mesmo.

Dito isto, uma administração Biden provavelmente esperará que a China faça mais a curto prazo, dado que sua data de pico foi apenas parte de sua promessa em Paris, e que o país tomaria cada vez mais medidas para alcançar a neutralidade de carbono mais perto de 2050, como a ciência exige e o próprio Biden se comprometeu a fazer. Por exemplo, Biden destacou a necessidade de ação sobre o uso doméstico do carvão na China e o financiamento de projetos de carvão como parte da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI).

Embora estes anúncios tenham sido feitos de forma inteligente em relação às eleições americanas, eles são — mais importante ainda — um reconhecimento implícito de que a China compreende a importância geopolítica de sua liderança climática contínua. Eles também estabelecem uma base forte para um retorno esperançoso à cooperação climática EUA-China sob uma nova administração dos EUA, o que será do interesse da China, dada a força da própria plataforma de Biden.

Esta reportagem foi publicada originalmente pelo China Dialogue.