O crime ambiental é considerado a quarta atividade criminosa mais lucrativa do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas, da venda de produtos falsificados e do tráfico de pessoas. Dados de 2018 da Interpol mostram que sobretudo as formas ilegais de desmatamento, mineração, pesca e comércio de vida selvagem geram uma receita anual estimada entre US$ 110 bilhões e US$ 281 bilhões.
Países como a França e a Bélgica fizeram importantes avanços a partir da criação de marcos legais para coibir os crimes ambientais de baixo risco e alto lucro. No ano passado, também foi lançada a Nature Crime Alliance, que reúne órgãos internacionais, agências de fiscalização nacionais e organizações sociais para combater a exploração ilegal de recursos naturais e o tráfico de vida silvestre.
A América Latina é particularmente suscetível a crimes contra a natureza devido à sua rica biodiversidade e abundância de recursos minerais. Por isso, os governos da região agora começam a impulsionar medidas importantes para desarticular redes criminosas transnacionais, com propostas de mudanças legais para permitir sanções econômicas mais severas e responsabilização na esfera criminal.
Combate a crimes ambientais na região
Nos últimos anos, os países latino-americanos implementaram uma série de leis e políticas ambientais bastante rígidas. A Venezuela e o Brasil, por exemplo, têm aprovado diversas regulamentações específicas nas últimas duas décadas. Em 2010, a Bolívia reconheceu legalmente a natureza enquanto sujeito de direitos, seguindo o exemplo pioneiro do Equador, que deu esse passo em 2008 — depois, em 2020, o Equador incluiu os crimes ambientais em seu Código Penal. Cerca de metade dos países da região também criou unidades ambientais especializadas para melhorar a fiscalização.
Apesar disso, a América Latina ainda enfrenta muitas dificuldades para colocar em prática suas normativas ambientais. Um dos principais motivos para isso é o alto nível de corrupção na região, de acordo com um relatório do Instituto Christian Michelsen para Ciência e Liberdade Intelectual (CMI, na sigla em inglês). O documento explica que em países como Bolívia, México e Honduras, por exemplo, são comuns os subornos de madeireiros ilegais à polícia. O relatório alerta que essa forma de corrupção pode levar a uma aplicação “seletiva ou tendenciosa” das leis ambientais, como, por exemplo, a autuação de somente pequenas infrações. A interferência política e a limitação do trabalho da Justiça e da polícia são outros fatores de risco.
Para combater os crimes ambientais, os países latino-americanos tentam fortalecer a fiscalização e endurecer a legislação.
O Uruguai é um exemplo dessa mudança. Atualmente, os crimes ambientais não constam em seu Código Penal, razão pela qual as penalidades são limitadas a multas ou punições administrativas, como forçar o fechamento de empresas. Porém, após anos de discussão, em 2023 o Senado uruguaio finalmente aprovou um projeto de lei que incorpora esses crimes ao Código Penal uruguaio. Ainda pendente de aprovação pela Câmara, o projeto prevê a criminalização da poluição do ar, da água e do solo, da contaminação por resíduos tóxicos, bem como os crimes contra a biodiversidade e a gestão ambiental. As possíveis penas de prisão variam de três meses a 12 anos.
De acordo com Gerardo Amarilla, subsecretário do Ministério do Meio Ambiente do Uruguai, esse projeto de lei será um ponto de inflexão para a proteção ambiental: “Nos últimos tempos, as pessoas têm nos pedido para adotar formalmente o conceito de crime ambiental, porque ele deve ser uma medida dissuasiva ou mesmo punitiva, sobretudo em casos mais graves”.
O Chile é outro país que está avançando em seu marco regulatório diante do aumento da criminalidade ambiental. Em meados de 2023, o governo chileno aprovou uma reforma legal para tipificar os crimes ambientais no Código Penal. A mudança também permite que empresas respondam criminalmente por suas atividades ilícitas e, de certa forma, torne o ecocídio — qualquer atividade que cause, deliberadamente, grandes danos ambientais — um delito.
O Diálogo Chino conversou com Ezio Costa, diretor-executivo da organização chilena Fima, especializada em justiça ambiental. Costa diz que “há muita preocupação” entre as empresas em relação às multas severas impostas pela nova lei, mas acrescenta que tais medidas são necessárias para garantir seu cumprimento.
Embora celebre a reforma, Costa acredita que a condenação por crime ambiental “ainda é difícil”, por vários motivos: requer o treinamento de promotores especializados nesses crimes; a apresentação de provas “é sempre muito complexa em questões ambientais”; e o padrão das provas em julgamentos criminais é muito mais exigente, já que as multas previstas no Código Penal chileno tendem a ser mais severas do que as das sanções administrativas.
A Colômbia também busca alterar suas regulamentações ambientais a partir da nova Lei de Crimes Ambientais, aprovada em 2021. Além de criminalizar o desmatamento, a lei também cria cinco outros crimes ambientais — incluindo o tráfico de vida selvagem, a apropriação ilegal de terras devastadas e o financiamento de tais atividades — e aplica penas mais rigorosas.
Em 2008, o Peru modificou seu Código Penal para punir crimes contra o meio ambiente e os recursos naturais com até dez anos de prisão. Discussões semelhantes ocorrem no México, que atualmente está desenvolvendo seu primeiro protocolo sobre justiça ambiental.
No Brasil, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva busca reverter a crise ambiental da floresta amazônica por meio de políticas como o PPCDAm, plano de combate ao desmatamento com ações firmes de fiscalização. Enquanto isto, no Congresso Nacional passam projetos que reduzem a proteção ambiental e dos povos tradicionais que habitam as florestas, como o caso da legislação do marco temporal, cujo veto de Lula foi removido, e o projeto que flexibiliza a aprovação de pesticidas, apelidada de “lei do veneno”.
Em cúpulas internacionais, os governos da Amazônia — Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela — costumam destacar a necessidade de uma maior regulamentação dos crimes ambientais. A região amazônica é fortemente afetada pelas atividades ilegais de organizações criminosas transnacionais, incluindo tráfico de drogas, extração ilegal de madeira, mineração ilegal e a criação de gado em áreas desmatadas ilegalmente. Um relatório do ano passado constatou a presença de grupos criminosos em 70% dos municípios fronteiriços de Brasil, Peru, Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela.
Argentina: um caso à parte?
Uma das nações mais atrasadas da América Latina em termos de regulamentações ambientais é a Argentina. Atualmente, o país não possui legislação específica sobre delitos ambientais na esfera criminal, nem tribunais especializados para julgá-los. Isso é particularmente preocupante diante dos altos níveis de desmatamento no país. Em 2023, 126 mil hectares de terra foram desmatados no norte do país, de acordo com um relatório do Greenpeace.
O Código Penal da Argentina, sancionado em 1921, não faz referência direta ao meio ambiente. Ele apenas pune a degradação da natureza por meio do direito de propriedade. Por exemplo, se uma pessoa causa um incêndio florestal que danifique uma propriedade ou provoque mortes, ela pode pegar até dez anos de prisão. Mas não há nada na legislação argentina que trate de danos ao ecossistema.
Para Facundo Ríos, advogado e professor de direito de recursos naturais e proteção ambiental na Universidade de Buenos Aires, a Argentina é um país mais de retórica do que de ações concretas quando se trata de direito ambiental: “Há projetos de lei muito bons, vários em discussão no Congresso, mas há pouco consenso político para que eles avancem”.
Desafios para o futuro
Os crimes ambientais na América Latina, especialmente a extração ilegal de madeira, representam um problema que se agrava com o passar dos anos. Conforme um estudo do CMI, em 2017, estimava-se que de 50% a 90% da madeira exportada da América Latina tivesse origem ilegal. Além disso, um relatório de 2020 da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional estabeleceu vínculos entre a extração ilegal de madeira no México e grupos internacionais de tráfico de drogas.
Devido à rica biodiversidade da região, o crime contra a vida selvagem — a captura, o comércio, o contrabando, a caça ilegal ou a coleta de espécies ameaçadas de extinção — é outro grande problema. A Costa Rica, por exemplo, registrou ao menos 354 apreensões de animais nos primeiros seis meses de 2019. No mesmo ano, 20 países latino-americanos adotaram a Declaração de Lima sobre o Comércio Ilegal de Vida Selvagem e se comprometeram com medidas destinadas a reduzir o crime contra a vida selvagem.
O descarte e o transporte ilegais de resíduos perigosos também assolam a região: o relatório do CMI descreve a América Latina como um destino para resíduos tóxicos de países desenvolvidos. Enquanto isso, a Amazônia é considerada uma porta de acesso para a mineração ilegal: mais de 2,3 mil pontos em seis países amazônicos foram identificados em 2020. O relatório do CMI alerta para um “forte vínculo” entre a mineração ilegal e outros grupos do crime organizado na América Latina.
Embora as novas regulamentações ambientais representem um avanço, a escala dos problemas sugere que a região enfrentará muitos desafios na implementação desses marcos legais. A promulgação e implementação dessas leis exigirão financiamento adequado e estarão sujeitas a diversas pressões econômicas.
Ezio Costa, do Chile, diz que tem havido “um certo ressentimento” de certos setores à medida que a agenda ambiental avança no país — empresários temem que isso afete suas atividades. Reações semelhantes surgiram no Uruguai, diz Marcelo Cousillas, diretor jurídico do Ministério do Meio Ambiente.
Cousillas diz que melhorar as regulamentações ambientais é essencial para os países que querem fazer parte dos mercados globais: “Exportadores e investidores buscam lugares que também ofereçam garantias ambientais”.