As Olimpíadas de Tóquio terão um participante muito especial, que vai estar presente até na chama olímpica: o hidrogênio. Além de estar em um dos principais símbolos da competição, o componente químico vai alimentar a vila olímpica a partir de uma usina solar na zona de exclusão criada, há uma década, após o acidente nuclear de Fukushima. Os carros Mirai, da Toyota, que funcionam com combustível de hidrogênio, vão garantir a maior parte do transporte oficial dos jogos.
“Os Jogos Olímpicos de Tóquio de 1964 deixaram como legado o trem de alta velocidade de Shinkansen. Já os jogos deste ano vão deixar o hidrogênio como tal”, declarou Yoichi Masuzoe, então governador de Tóquio, em 2016.
O Japão, outrora ferrenho defensor da energia nuclear, agora tem ambições em relação ao hidrogênio. O país tem a maior rede mundial de estações de abastecimento do gás e pretende usá-lo para substituir os combustíveis fósseis em indústrias pesadas, como a siderúrgica. Além disso, já investiu na distribuição do combustível. Em 2019, a Kawasaki Heavy Industries lançou a Fronteira Suiso, o primeiro navio projetado para transportar hidrogênio liquefeito. Seu objetivo é explorar a aguardada produção australiana.
A vizinha Coreia do Sul tem planos semelhantes. Em março deste ano, o fabricante de automóveis Hyundai, o Grupo SK e parceiros anunciaram um projeto de US$ 38 bilhões para desenvolver, até a próxima uma década, uma economia baseada em hidrogênio.
O amplo uso do hidrogênio, se realmente acontecer, já está atrasado. O primeiro motor movido a hidrogênio funcionava em 1807 e já se cogitava fabricá-lo por meio da eletrólise d’água, para substituir o carvão, ainda na década de 1860. Mas o carvão e o petróleo sempre foram mais baratos. E o desastre de Hindenburg, em que um dirigível de hidrogênio explodiu em 1937, deu ao combustível a reputação de inseguro.
Fala-se que uma “economia global de hidrogênio” pode ser a solução para salvar o clima das emissões de carbono. O hidrogênio é capaz de abastecer caminhões, navios e aviões e pode ser usado para produzir de tudo, desde cimento a aço e fertilizantes.
Saehoon Kim, diretor da divisão de células de combustíveis da Hyundai, pontuou em um webinar da associação comercial britânica em 2020: “No passado, nossa tecnologia e indústria se preocuparam em extrair, distribuir e usar o petróleo. E agora, no futuro, haverá a captação, distribuição e o uso do sol — e o que tornará isso possível é o hidrogênio”.
Mas há os que permanecem céticos. “Ele [o hidrogênio] será apenas uma fonte de energia de nicho”, disse Tom Baxter, engenheiro químico da Universidade de Aberdeen.
Com a tecnologia atual, o hidrogênio é vantajoso para alimentar processos industriais em que são necessárias temperaturas acima de 400°C, acrescentou Baxter. Mas, por outro lado, ele geralmente perde para a eletricidade. “O hidrogênio verde nunca vai ser mais barato do que a eletricidade verde”, disse.
Hidrogênio cinza, verde ou azul?
O hidrogênio raramente é queimado diretamente como uma fonte de combustível. Em vez disso, ele é usado como condutor de energia, produzido onde há energia barata disponível e distribuído ao redor do mundo onde ela é necessária. Normalmente, isso significa que ele estará em uma célula de combustível dentro de um motor do veículo, onde o gás é misturado com oxigênio, liberando sua energia e emitindo apenas vapor d’água.
Nos últimos dois anos, os carros elétricos ultrapassaram o hidrogênio, com a maioria dos grandes fabricantes de automóveis lançando modelos e algumas, como a General Motors, prometendo fabricar apenas veículos elétricos dentro de 15 anos. Elas também têm o apoio do governo, com gastos vultosos em redes de recarga. Mas para outros sistemas de transporte de combustível fóssil que não podem ser facilmente conectados à rede elétrica, como o transporte marítimo de longa distância e a aviação, o hidrogênio pode vir a ser a chave para a redução das emissões de carbono.
O hidrogênio raramente é queimado diretamente como uma fonte de combustível. Em vez disso, ele é usado como condutor de energia, produzido onde há energia barata disponível e distribuído ao redor do mundo onde ela é necessária. Normalmente, isso significa que ele estará em uma célula de combustível dentro de um motor do veículo, onde o gás é misturado com oxigênio, liberando sua energia e emitindo apenas vapor d’água.
Nos últimos dois anos, os carros elétricos ultrapassaram o hidrogênio, com a maioria dos grandes fabricantes de automóveis lançando modelos e algumas, como a General Motors, prometendo fabricar apenas veículos elétricos dentro de 15 anos. Elas também têm o apoio do governo, com gastos vultosos em redes de recarga. Mas para outros sistemas de transporte de combustível fóssil que não podem ser facilmente conectados à rede elétrica, como o transporte marítimo de longa distância e a aviação, o hidrogênio pode vir a ser a chave para a redução das emissões de carbono.
O hidrogênio contém mais energia para cada tonelada do que qualquer combustível fóssil e não requer baterias. Mas a sua fabricação requer muita eletricidade. Desse modo, só faz sentido ao meio ambiente dependendo do tipo de energia usada para produzi-lo.
É por essa razão que engenheiros costumam distinguir o hidrogênio entre cinza, azul e verde. O cinza é feito de gás natural ou carvão e tem grande pegada de carbono. O azul também é feito de combustíveis fósseis, mas as emissões de CO2 são capturadas ou reutilizadas. O verde é feito de eletricidade renovável e não precisa ter pegada de carbono.
A China produz cerca de um terço do hidrogênio do mundo, em grande parte a partir do carvão linhito. A Rússia tem planos de utilizar suas abundantes reservas de gás para produzir hidrogênio cinza e azul. Para ser uma alternativa viável aos combustíveis fósseis, os fabricantes teriam que capturar o CO2 da produção e enterrá-lo em local seguro. No entanto, a captura e o armazenamento de carbono (CCS, em inglês) ainda está longe de se tornar realidade.
Para Baxter, da Universidade de Aberdeen, as empresas de combustíveis fósseis estão por trás da promoção do hidrogênio como uma alternativa à eletricidade, com o desejo de que o gás seja utilizado desde como combustível para veículos até o aquecimento doméstico. A gigante petrolífera BP tem aventado erguer uma planta de hidrogênio azul em Teesside, na Inglaterra, que seria capaz de capturar e armazenar as emissões de CO2 do subsolo.
Olhando para o futuro, as principais empresas petrolíferas enxergam o hidrogênio como uma fonte de renda em potencial, uma vez que a demanda por gasolina e diesel tem diminuído. Mas o movimento em direção a combustíveis alternativos tem sido dolorosamente lento. A BP só deve decidir se irá investir em Teesside em três anos e não deve iniciar sua construção antes de 2027 — três anos antes do prazo para que todos os carros novos no Reino Unido sejam elétricos.
Se esses subsídios fossem interrompidos, combustíveis alternativos como o hidrogênio teriam mais chances de serem amplamente adotados
“No momento, os combustíveis fósseis são mais baratos e de mais fácil acesso do que os de hidrogênio. Isto se deve, em parte, aos altos subsídios governamentais em todo o mundo, que somam US$ 400 bilhões. Se esses subsídios fossem interrompidos, combustíveis alternativos como o hidrogênio teriam mais chances de serem amplamente adotados”, argumentou Seifi Ghasemi, diretor-executivo da empresa americana de gás industrial Air Products em uma conferência da BNEF em Nova York este ano.
A verdadeira vitória, se o mundo está levando a sério o desenvolvimento de uma economia de hidrogênio de baixo carbono, seria a produção em massa de hidrogênio verde. Alguns países já se veem como uma potencial “Arábia Saudita do hidrogênio”, produzindo o combustível em massa por meio de energia renovável barata. Entre eles estão o Canadá e a Islândia, que possuem hidroeletricidade em abundância. A Islândia tem ainda energia geotérmica, e o Marrocos está desenvolvendo rapidamente a energia solar no deserto do Saara, com projetos para a produção de hidrogênio.
A Arábia Saudita também tem seus planos. O país anunciou recentemente a construção, conjuntamente com a Air Products, de uma usina de hidrogênio verde de US$ 5 bilhões na costa do Mar Vermelho. Uma vasta propriedade de painéis solares e turbinas eólicas irá cobrir um pedaço de deserto numa área do tamanho da Bélgica, alimentando o que seria a maior fábrica de hidrogênio do mundo. A produção está prevista para começar em 2025.
O projeto fará parte da ecocidade de Neom, uma ideia do líder de fato do país, Mohammed bin Salman. Além de abastecer a ecocidade, o hidrogênio seria exportado, eventualmente substituindo o petróleo saudita por hidrogênio saudita nos mercados mundiais.
A vizinha Omã tem planos ainda mais ambiciosos. Uma planta de US$ 30 bilhões de hidrogênio nas margens do Mar Arábico exportaria tanto hidrogênio verde quanto amônia verde, substituindo fertilizantes químicos produzidos a partir de combustíveis fósseis.
A Austrália também está na disputa, com planos de construir cinco hubs de hidrogênio. No ano passado, o país anunciou que transformaria uma área de deserto duas vezes maior que Luxemburgo em uma instalação para a produção de hidrogênio verde, com dez milhões de painéis solares e 1.500 turbinas eólicas.
O ambicioso projeto está parado, pois foi rejeitado por autoridades em junho em razão de ameaças à biodiversidade, mas ainda pode sair do papel. Enquanto isso, há planos para outro centro de hidrogênio verde em Hunter Valley, uma região com reservas de carvão em Nova Gales do Sul, bem como outro de hidrogênio cinza, usando linhito no Latrobe Valley em Victoria. Todos têm como objetivo exportá-lo para o Japão e outros lugares da Ásia.
Quem irá criar a ‘Tesla dos Céus’?
A aviação pode ganhar os maiores avanços. A Airbus, segunda maior fabricante mundial de aviões, revelou no ano passado seus planos de lançar três modelos de aviões a hidrogênio, de emissão zero, que poderiam entrar em operação até 2035. Enquanto isso, a empresa californiana ZeroAvia tem uma pesquisa com um avião de seis lugares já operando com hidrogênio.
O avião decolou pela primeira vez do aeroporto de Cranfield, no Reino Unido, no ano passado. Chegou a cair em um campo em abril, mas ninguém ficou ferido. Apesar do incidente, a empresa ainda pode se tornar a “Tesla dos Céus”.
“Uma redução substancial nas emissões de CO2 é quase impossível sem hidrogênio”, diz Christian Bauer, do Instituto Paul Scherrer, um centro suíço de pesquisa em engenharia. “Eu diria que, dentro dos próximos dez anos, veremos avanços importantes no setor”.
Outros acordos entre potenciais fornecedores e mercados estão proliferando. A empresa dinamarquesa de energia eólica Orsted assinou um acordo com a Maersk, maior transportadora marítima do mundo, e a Scandinavian Airlines para utilizar o vento offshore gerado no Mar do Norte para produzir hidrogênio verde. O gás seria usado em ônibus e caminhões de Copenhague a partir de 2023, e na sequência em navios e aeronaves.
Mas será que tudo isso vai se tornar realidade? Para os mais céticos, criar cadeias de produção globais para fabricar e distribuir hidrogênio é pesado e ineficiente, especialmente quando a infraestrutura teria que ser construída do zero. Em alguns casos, cerca de dois terços da energia seriam perdidos ao longo do caminho.
“As perdas de eficiência acontecem tanto no lado da oferta, no processo de produção dos combustíveis à base de hidrogênio, quanto no lado da demanda — um motor de combustão desperdiça muito mais energia do que um motor elétrico”, disse Romain Sacchi, colega de Christian Bauer no Instituto Paul Scherrer.
Mesmo assim, o hidrogênio poderia funcionar para o transporte de cargas em longas distâncias, afirmou Bauer ao China Dialogue, acrescentando: “Um grande caminhão hoje precisaria ser equipado com uma bateria pesando algumas toneladas para percorrer mais de cem quilômetros”.
A disponibilidade do hidrogênio é “ incerta demais para substituir os combustíveis fósseis, por exemplo, em carros ou no aquecimento de casas”, pontua Falko Ueckerdt, do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático.
Em vez disso, o mundo deveria priorizar aplicações para as quais o hidrogênio é indispensável como fonte de energia com baixo teor de carbono, diz o pesquisador. O hidrogênio pode contribuir para remover cerca de 10% das emissões de carbono mais difíceis, já que o mundo tem como meta zerar as emissões.
“A produção primária de aço e amônia são boas portas de entrada para o hidrogênio verde”, diz Ueckerdt. Em ambos os casos, o hidrogênio pode substituir os combustíveis fósseis como uma parte essencial do processo, além de fornecer energia.
Mas ele adverte que a crescente demanda por hidrogênio em áreas como o aquecimento de edifícios poderia dar uma vantagem ao hidrogênio azul barato e gerar “risco às metas climáticas”.
Combustíveis baseados no hidrogênio como solução climática universal podem ser uma falsa promessa. “Embora eles sejam maravilhosamente versáteis, não se deve esperar que substituam amplamente os combustíveis fósseis”, argumentou Ueckerdt.
“A economia do hidrogênio só pode se estabelecer se fizer sentido do ponto de vista da geração de energia. Caso contrário, outras soluções melhores vão conquistar o mercado. Há infraestrutura para quase todos os hidrocarbonetos líquidos sintéticos, enquanto que o hidrogênio requer uma rede de distribuição totalmente nova”, escreveram Ulf Bossel, consultor de células de combustível, e Baldur Eliasson, pesquisador da ABB Suíça, em um documento oficial sobre a economia do hidrogênio.
Os combustíveis à base de hidrogênio provavelmente serão escassos e não serão competitivos por pelo menos mais uma década.