Energia

No Uruguai, transporte elétrico será próxima etapa de transição energética

Governo de Lacalle Pou pressiona por expansão de indústria automobilística sustentável e por desenvolvimento de hidrogênio verde
<p>Omar Paganini, ministro da Indústria, Energia e Minas, posa para a foto ao lado de um carro elétrico. O Uruguai tem tido grandes sucessos com a energia renovável, mas o governo está olhando para os veículos elétricos como a chave para alcançar suas metas de transição energética e de neutralidade de carbono (Imagem: UTE)</p>

Omar Paganini, ministro da Indústria, Energia e Minas, posa para a foto ao lado de um carro elétrico. O Uruguai tem tido grandes sucessos com a energia renovável, mas o governo está olhando para os veículos elétricos como a chave para alcançar suas metas de transição energética e de neutralidade de carbono (Imagem: UTE)

Há quase cinco anos, Santiago Guelfi é representante da fabricante de veículos chinesa BYD no Uruguai. No início, a empresa focava na frota a combustão, que se tornava cada vez mais popular por conta de seu preço competitivo. Em 2019, a fábrica começou a produzir veículos elétricos (VEs) e, este ano, cortou totalmente os veículos a combustão.

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Em 2021, o mercado de eletricidade representou 1,2% das vendas da frota automóvel, face aos 0,5% registados em 2020

“Isso nos obrigou a mudar a estratégia no Uruguai”, lembra Guelfi, diretor da BYD Uruguai.

Ao final de 2021, a BYD dominava 60% do mercado de VEs do Uruguai, de acordo com números oficiais, oferecendo modelos que iam de picapes a veículos de carga e luxo.

Em 2021, o mercado de eletricidade representou 1,2% das vendas da frota automóvel, face aos 0,5% registados em 2020. “Esse número poderia dobrar a cada ano”, disse Guelfi, acrescentando que a BYD já compete com várias marcas europeias no Uruguai. “Se as políticas e incentivos forem mantidos, a oferta continuar crescendo, e uma rede de pontos de recarga rápida for instalada, o mercado de VEs pode chegar a 3% em breve”.

Com seu compromisso de se tornar neutro em carbono até 2050, o Uruguai quer limitar as emissões dos transportes e da indústria — o governo descreve como sua “segunda transformação energética”. O país deu grandes passos no que o governo chamou de “primeira etapa” de sua transição energética: 97% da eletricidade gerada entre 2017 e 2020 veio de fontes renováveis. A energia eólica ajudou o Uruguai a atingir esses números.

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Mobilidade elétrica no Uruguai: custos e incentivos

O setor de transportes é responsável por dois terços do petróleo consumido no Uruguai. Para a “segunda transformação energética”, o governo mira no hidrogênio verde como o combustível para o transporte pesado de longa distância ou para a exportação, assim como na promoção da eletromobilidade.

Omar Paganini, ministro da Indústria, Energia e Minas do Uruguai (Miem) disse ao Diálogo Chino que seria um progresso ter um projeto-piloto de hidrogênio verde no país até 2025 — ano em que termina seu mandato. Ele também acredita que, nesse mesmo prazo, haverá ampla disponibilidade de fabricantes de frotas elétricas e a custos razoáveis.

A frota de veículos elétricos do Uruguai consiste, atualmente, de 35 ônibus públicos em Montevidéu e Canelones e um ônibus particular; 80 táxis e outros veículos de transporte; 297 minivans, 41 caminhões e 500 SUVs e picapes particulares, de acordo com dados de fevereiro disponibilizados pelo Miem. Motos elétricas, triciclos e bicicletas elétricas também fazem parte da frota, com sua participação aumentando a cada ano.

A demanda de energia associada ao transporte elétrico dobrou de 2018 a 2019 e novamente de 2019 a 2020, segundo a UTE, empresa nacional de geração, transmissão e distribuição de eletricidade do Uruguai. Na eletromobilidade, o transporte público foi o que mais consumiu energia em 2020, com 87%, seguido pelo privado (10%) e frotas estaduais (3%).

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Fitzgerald Cantero, diretor de Energia do Miem, disse que embora os números de VEs pareçam baixos, o Uruguai é um país de 3,5 milhões de habitantes e, quando comparados proporcionalmente aos países líderes em eletromobilidade na América do Sul, como Chile e Colômbia, eles são, na verdade, muito promissores.

No dia 8 de março, o presidente uruguaio Luis Lacalle Pou e vários ministros, incluindo Paganini, participaram de um evento organizado pela Cutcsa, maior empresa de transporte público do país. Na ocasião, ela anunciou o objetivo de operar uma frota de ônibus inteiramente elétrica até 2040.

O governo uruguaio “estará comprometido” com um transporte público mais sustentável, uma área que já tem recebido subsídios, segundo Paganini. Nesse primeiro semestre de 2022, o Uruguai deve criar um mecanismo para redirecionar ou complementar o apoio à mobilidade elétrica. Quanto ao transporte privado, ele disse: “podemos avançar eliminando a carga tributária, mas não muito mais”.

A UTE também quer ampliar a rede de recarga para veículos públicos e privados, instalando um ponto a cada 50 quilômetros até o final de 2022. Até março, havia 136 pontos de recarga no país, distribuídos por 19 departamentos administrativos. A maioria se concentra no Sul do país, no entorno da capital, Montevidéu.

A UTE desempenhou um papel fundamental na transição energética do Uruguai ao assinar compromissos de compra de energia com parques eólicos instalados com investimento privado. Agora, a mobilidade elétrica e o hidrogênio fazem parte de sua agenda.

“Nosso grande desafio é facilitar a segunda transformação energética por meio da descarbonização do transporte, com o uso de veículos elétricos e a incorporação do hidrogênio verde para substituir o petróleo e seus derivados”, disse Silvia Emaldi, presidente da UTE, ao Diálogo Chino.

Pessoas físicas ou jurídicas também poderão instalar carregadores e cobrar pela recarga, ou até mesmo oferecer o benefício ao cliente. Por exemplo, um restaurante pode colocar um ponto de recarga em seu estacionamento e oferecer recarga gratuita aos consumidores.

“Nós estabelecemos regras claras e demos liberdade para o setor privado se desenvolver, e isso é muito importante”, disse Cantero, do Miem.

Os planos do governo incluem melhorias nos aplicativos voltados para usuários de VEs. Para Cantero, isso pode incluir tanto a localização das estações de recarga mais próximas — algo já oferecido pelo aplicativo da UTE — quanto a disponibilidade da estação e opções de reserva para recarga. O serviço atenderia uruguaios e turistas.

Motos elétricas

Motocicletas são um importante meio de transporte no interior do Uruguai. O plano “Subite”, anunciado em dezembro de 2021 pela Diretoria Nacional de Energia, deve comprar mil motos e cem triciclos, todos elétricos, em cinco departamentos do norte do país.

Cantero disse que vários governos regionais, até então fora do plano, pediram para serem incluídos. No entanto, há obstáculos consideráveis, como o número de mecânicos para consertar esse tipo de veículo. Cantero enfatizou que a necessidade de aperfeiçoamento de mecânicos é cada vez maior e deve começar em breve.

O treinamento em mecânica de veículos elétricos é uma necessidade surgindo no ecossistema da mobilidade elétrica

Entre 2020 e 2021, o Centro de Treinamento em Operação e Manutenção de Energia Renovável do país (Cefomer) realizou quatro edições de seu curso de serviços para a mobilidade elétrica, e as matrículas ultrapassaram as vagas disponíveis.

“Nós ensinamos tudo o que é preciso se levar em conta, uma vez que existem diferentes procedimentos, considerações de segurança e outros componentes de um veículo elétrico”, disse Nicolás Castromán, coordenador do Cefomer. “O treinamento em mecânica de veículos elétricos é uma necessidade surgindo no ecossistema da mobilidade elétrica”.

Hidrogênio verde no Uruguai

O gás hidrogênio pode ser produzido a partir da água, separando suas moléculas de hidrogênio e oxigênio através da eletrólise. Para ser qualificada como “verde”, a eletricidade gerada deve vir exclusivamente de fontes renováveis. Esse é outro eixo da “segunda etapa” da transição energética do Uruguai, que prevê projetos de produção de hidrogênio tanto para o uso doméstico, inclusive no transporte, quanto para a exportação.

Quatro ministérios — da Indústria, Economia, Meio Ambiente e Transportes — junto com a UTE, a empresa pública de combustíveis ANCAP e a Administração Nacional de Portos compõem o “grupo de trabalho do hidrogênio” do Uruguai. O hidrogênio é “o combustível do futuro” e “uma boa oportunidade para a América Latina”, disse Emaldi, da UTE.

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O governo anterior, liderado pela coalizão de esquerda Frente Amplio, chegou a explorar o uso de hidrogênio em sistemas de energia. Mas a atual administração do Partido Nacional, de direita, decidiu “dar uma editada” no plano, disse Paganini.

Uma das alterações foi envolver mais o capital privado em um desenvolvimento de “tão alto risco”. Mas ainda há vários pontos de interrogação sobre o desenvolvimento do setor, acrescentou Paganini.

“Projetos de centenas de gigawatts são grandes demais para o Uruguai, do ponto de vista da demanda local. Portanto, começamos imediatamente a olhar para um possível caminho de exportação ou integração [ao mercado] global”, disse ainda.

O Uruguai atende à sua demanda energética com a geração doméstica e consegue até exportar o excedente. Em 2021, o país exportou 2.200 megawatt-hora (MWh) para o Brasil e 627 MWh para a Argentina, de acordo com dados do Miem. Em 2020, 20,2% da energia gerada foi exportada.

“Para uma transformação real, o Uruguai precisa de um projeto maior e que seja um exportador”, disse Paganini.

Ele espera identificar o primeiro projeto-piloto de hidrogênio para exportação até 2025. Haverá também um segundo projeto voltado para a demanda local, capaz de servir a uma frota de caminhões movidos a hidrogênio. Ele quer que, com investimentos, o Uruguai faça parte do mercado global de hidrogênio verde.

No Uruguai, investidores também podem obter uma certificação de que seu hidrogênio foi produzido com fontes renováveis. Em janeiro, a UTE apresentou um sistema de certificação baseado na tecnologia blockchain, que garante a origem da energia gerada.

Emaldi entende que o sistema representa um “valioso recurso” para atrair novos investimentos, somando-se aos que o Uruguai já possui, “como marco legal, políticas públicas e estabilidade financeira”.