O governo do presidente da Argentina Alberto Fernández espera iniciar a construção de uma nova usina de energia nuclear em 2022. A usina, localizada na província de Buenos Aires, gerará 1.200 MW e custará US$ 8 bilhões. O Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) é o principal financiador do projeto, e a Corporação Nuclear Nacional da China fornecerá a tecnologia para o reator.
O projeto, apresentado originalmente em 2015, foi relançado após a visita do presidente Fernández a Beijing em fevereiro deste ano, quando ele confirmou a entrada da Argentina à Iniciativa Cinturão e Rota da China (BRI, na sigla em inglês). Embora os dois governos já tenham assinado o contrato para o projeto da usina, muitos detalhes ainda estão em aberto.
Enquanto o projeto avança, José Luis Antúnez, presidente da Nucleoeléctrica, empresa estatal que opera as instalações nucleares da Argentina, conversou com o Diálogo Chino sobre a construção da usina e o papel da energia nuclear na transição energética do país.
Diálogo Chino: Qual é o status do projeto de usina nuclear da Argentina e China e quais são os próximos passos?
José Luis Antúnez: O contrato foi assinado, e estamos trabalhando nos pontos necessários para que ele entre em vigor. Temos um prazo máximo de nove meses para concluir essa etapa, mas acreditamos que vamos finalizá-la antes. Temos que fechar o acordo financeiro — os detalhes de crédito e o cronograma de pagamentos. Esperamos obter da China as melhores condições possíveis, especialmente agora que a Argentina aderiu à BRI.
Outro ponto importante ainda a ser discutido é a transferência de tecnologia. A China fornecerá o urânio enriquecido para que possamos fabricar o combustível na Argentina, supervisionado por ela. Como o acordo foi realizado diretamente e sem licitação, é necessário demonstrar que o preço e o financiamento são razoáveis. Um estudo de impacto ambiental também deve ser realizado.
Como será e quanto tempo deve levar a construção da usina?
Assim que o contrato entrar em vigor, receberemos o primeiro pagamento da China e começaremos a trabalhar para colocar a usina em operação, o que levará oito anos. A usina consistirá em 19 edifícios no total, incluindo, entre outros, um para o reator, um para a turbina e outro para a sala de controle, em um terreno de 35 hectares.
Concederemos US$ 500 milhões em compras de fornecimento às indústrias argentinas e treinaremos os futuros operadores para a usina. Contrataremos cinco mil pessoas no pico da construção e mais de 600 uma vez em operação permanente. Com essa nova usina, Atucha [onde se encontram as usinas nucleares Atucha I e II] se tornará o polo nuclear argentino.
A usina nuclear terá um reator Hualong, desenvolvido e já utilizado em várias usinas na China. Quais são suas características e o que isso significa para a Argentina, que tem uma longa história de energia nuclear usando outras tecnologias?
O reator Hualong representa um novo horizonte para a Argentina, pois promoveria o desenvolvimento de nosso setor tecnológico e científico. Vamos adquirir uma nova tecnologia e tirar proveito do que já aprendemos em outros projetos. Em 2012, o governo argentino aprovou a tecnologia, mas houve críticas de que, naquela época, ela ainda não havia sido testada. Tínhamos certeza de que a China teria sucesso nisso e, felizmente, não nos arrependemos. A China já tem quatro reatores Hualong em funcionamento e seis em fase de construção.
O acordo original assinado com a China, em 2015, também contemplava o desenvolvimento de outra usina nuclear, mas com reatores Candu — uma tecnologia canadense com a qual a Argentina tem muito mais experiência. Há alguma intenção de reativá-la com financiamento chinês?
Primeiro vamos colocar o Hualong em funcionamento antes de falarmos sobre outro projeto com a China. Depois disso, a ideia é reativar o reator Candu. Por enquanto, a Nucleoeléctrica, com seus modestos recursos financeiros, está trabalhando na engenharia do projeto. As compras serão feitas na usina nuclear de Embalse [na província de Córdoba], que opera com um reator Candu. Isso não significa que o reator será instalado ali, mas que será projetado ali.
Além da nova usina com o reator Hualong, a Argentina coopera com a China em outros projetos de energia nuclear. O que esperar deles?
A China nos contratou recentemente para realizar a engenharia de extensão de vida útil da usina com o reator Candu, na cidade chinesa de Qinshan. É uma forma de ganhar confiança mútua. Há mais dois projetos com reatores Candu em andamento na China, então é possível que haja mais coisas interessantes nos próximos anos.
Que papel tem a energia nuclear na transição energética da Argentina?
Mais de 60% da energia produzida no mundo emite dióxido de carbono. O desafio é que, até 2050, a energia seja produzida com zero emissões. Essa é uma tarefa imensa. A energia nuclear é uma tecnologia limpa e que permite grandes centrais elétricas. Ela é parte da solução de descarbonização. Todas as nações estão se dando conta disso. A China foi a primeira, com um programa de construção de 150 reatores em 30 anos. A Argentina continuará a aumentar não apenas sua capacidade nuclear, mas também a hidrelétrica, solar e eólica.
Apesar disso, ainda há rejeição à energia nuclear na Argentina?
Do meu ponto de vista, a imagem tem melhorado, mas noto que ainda estamos atrasados em relação a outros países. Temos grupos ambientalistas que condenam o uso da energia nuclear e legislações em determinadas províncias que até mesmo proíbem seu uso. A energia nuclear tem suas falhas — é uma indústria que demanda muitos investimentos. Mas precisamos continuar trabalhando para melhorar a imagem da energia nuclear e demonstrar que, diante das mudanças climáticas, ela é parte da solução.