Três décadas após a construção do primeiro parque eólico offshore (em alto mar) do mundo, a América Latina — que atualmente não possui tais instalações — está começando a se interessar por essa fonte de energia. Para especialistas, esse interesse vem em um momento ideal para avançar na transição energética da região.
A indústria eólica offshore amadureceu e cresceu rapidamente na última década, após um crescimento lento desde que as primeiras turbinas foram instaladas na Dinamarca, em 1991. Aproximadamente 56 gigawatts (GW) de capacidade eólica offshore foram instaladas em todo o mundo.
21 GW
Foi o volume de capacidade eólica offshore adicionada no mundo em 2021, um valor recorde que levou a capacidade instalada da fonte para 56 GW, segundo dados do Global Wind Energy Council
Os ventos offshore têm algumas vantagens em relação a outras tecnologias de energia renovável. Ingrid Pacheco Silveira, consultora brasileira em energia eólica offshore, explica que as turbinas em alto mar encontram menos barreiras e por isso giram mais rápido e geram mais energia, de forma mais consistente e uniforme do que a eólica onshore ou a solar fotovoltaica.
“Algo que foi demonstrado nos primeiros projetos é que as turbinas do ambiente marinho podem ser maiores do que aquelas em parques eólicos em terra — e com uma escalabilidade que pode trazer grandes benefícios para a América Latina”, acrescenta Silveira.
O Programa de Assistência à Gestão do Setor de Energia, iniciativa do Banco Mundial, observa que um quarto do potencial eólico offshore do mundo está nas águas de países de baixa e média renda. Acelerar sua adoção em mercados emergentes tornou-se, portanto, essencial para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e, segundo o programa, para também reduzir a pobreza.
Na última década, a indústria eólica offshore mostrou um crescimento acelerado, impulsionado principalmente pela China e pelos países da OCDE. No ano passado, a indústria eólica viu recordes de novas instalações de energia eólica offshore, com 21 GW de capacidade adicional em todo o mundo.
Esse avanço relativamente recente deve-se principalmente a uma redução nos custos e a um aumento substancial no tamanho da turbina e na escala do projeto, segundo Christian Appendini, oceanógrafo do Laboratório de Engenharia e Processos Costeiros da Universidade Nacional Autônoma do México.
“Como agora o setor é competitivo em termos de custos, alguns governos planejam torná-lo um componente-chave de seu portfólio de energia descarbonizada”, acrescenta.
Enorme potencial offshore
Os benefícios do aumento da capacidade eólica offshore são muitos, de acordo com informações concedidas por uma representante do Banco Mundial no México. Os países que utilizam essa energia podem gerar eletricidade de forma previsível, aumentar sua produção no outono e inverno — estações de menor radiação solar e maior consumo de energia — e também podem criar e manter milhares de empregos qualificados.
O papel dos governos é fundamental para chegar a um marco regulatório e fiscal que favoreça os investimentos
Os ventos offshore, acrescenta a representante, “podem ser complementares com outras tecnologias renováveis na América Latina, proporcionando segurança de abastecimento e agregando valor”.
Há um enorme potencial de recursos, embora inexplorado, na América Latina e no Caribe, segundo dados do Banco Mundial, de cerca de 8.000 GW de geração de energia nas águas da região. Alguns países têm excelentes condições naturais, o que significa que essa energia poderia ser técnica e economicamente viável.
A representante do Banco Mundial destacou que o Brasil e a Colômbia são atualmente os mais avançados em sua legislação eólica offshore: “Por exemplo, a indústria brasileira propôs mais de 130 GW de capacidade eólica offshore em 55 projetos”.
Brasil e Colômbia seguem em frente
Voltando à terra firme, o Brasil é atualmente o maior mercado para a eólica onshore na América Latina, seguido por México, Chile e Argentina. A indústria brasileira de petróleo e gás opera principalmente offshore e tem uma cadeia de fornecimento bem estabelecida, que poderia ser adaptada para atender às necessidades da eólica offshore, diz Pacheco Silveira. Ela também aponta uma série de desenvolvimentos regulatórios que ajudaram a estabelecer as bases do setor.
“Um primeiro esboço legislativo [permitindo a eólica offshore] foi publicado em 2017 na Câmara dos Deputados, mas foi em 2020 que houve a grande mudança, com o governo lançando um plano para desenvolver enormes parques eólicos offshore”, explica ela. “No início do ano passado, um novo projeto de lei foi publicado e finalmente, em 2022, houve um decreto para regulamentar o mercado, gerando grandes expectativas para seu financiamento”.
Mais ao norte da Colômbia, um novo capítulo está começando a ser escrito com a energia eólica offshore, pelo menos é o que o Ministério de Minas e Energia do país diz em seu recém-lançado plano para a indústria.
Diego Mesa Puyo, ministro de Energia da Colômbia, conversou com o Diálogo Chino dois dias após o anúncio de um programa para estimular o crescimento da energia eólica offshore, com potencial de bilhões de dólares de investimento.
“Com esse plano, avançaremos na incorporação de projetos que nos permitirão aproveitar o potencial de 50 GW que a Colômbia tem com essa fonte de energia, que é quase três vezes a capacidade instalada [17,7 GW, no total] de todo o país atualmente”, disse Mesa, dos Estados Unidos, depois de participar da Cúpula das Américas.
“Esse tipo de tecnologia é muito menos invasiva e não gera gases de efeito estufa, um avanço para a neutralidade de carbono. Em termos econômicos, esses projetos exigem investimentos muito significativos — por exemplo, projetos como os que já estão sendo construídos na Colômbia nos próximos três ou quatro anos exigirão cerca de US$ 1 bilhão”, disse o ministro da Energia. Ele acredita, ainda assim, que “essa indústria será muito atrativa para o desenvolvimento econômico de qualquer país”.
Complexidades da energia offshore
O principal desafio tecnológico da energia eólica offshore é sua dificuldade de instalação, já que a construção e manutenção exigem o uso de equipamentos especializados. Mesa Puyo concorda que o grande desafio está na logística e infraestrutura portuária, uma vez que “as turbinas eólicas podem ter mais de 200 metros de altura e demandar uma montagem complexa”.
Ingrid Pacheco, por sua vez, enfatiza que a regulamentação influenciará o avanço do setor: “Geralmente, para se instalar um parque eólico offshore, é preciso ter aprovações complexas, que vêm na sequência de anos de estudos e que incluem, entre outros, a compatibilidade da estrutura com a navegação, fauna marinha, rotas de migração, dinâmica de transporte e muito mais”.
A representante do Banco Mundial aponta outras preocupações: “Nem todos os elementos do projeto serão produzidos localmente, alguns terão que ser importados. A distância de países com fornecedores estabelecidos, como de naceles de turbinas eólicas [o cubo central que abriga o gerador, a caixa de câmbio e o trem de força] do norte da Europa, apresentará desafios logísticos e de transporte”.
“A grande necessidade de capital exigirá o envolvimento de financiadores locais e internacionais, portanto os riscos comerciais precisarão ser gerenciados ou mitigados para atrair investidores e reduzir seus custos”, disse ainda.
Uma brisa de ar fresco?
Os especialistas em eólicas offshore consultados concordam que os custos estão se tornando mais competitivos, enquanto a disponibilidade de locais onshore está diminuindo. O setor prosperará na América Latina, dizem, se for acompanhado de financiamentos atraentes e do desenvolvimento de políticas públicas.
“O papel dos governos é fundamental para chegar a um marco regulatório e fiscal que favoreça os investimentos”, explicou o ministro colombiano da Energia. “Na Colômbia, trabalhamos com a autoridade ambiental, com a diretoria marítima, que faz parte de nossa Marinha, e com os ministérios de Transportes, Meio Ambiente e Comércio”.
O crescimento de uma cadeia de fornecimento pode diversificar as indústrias existentes, especialmente as que já fornecem petróleo e gás offshore
Já a representante do Banco Mundial está interessada em apontar o valor agregado que a eólica offshore pode trazer às economias locais. “Muitos empregos locais podem ser criados, especialmente na fase de operação e manutenção, e o crescimento de uma cadeia de fornecimento pode diversificar as indústrias existentes, especialmente as que já fornecem petróleo e gás offshore,” ela concluiu.