No mês passado, a população equatoriana votou pelo fim da exploração de petróleo no Bloco 43 do Parque Nacional Yasuní, um dos locais mais biodiversos do mundo.
O referendo histórico foi realizado em 20 de agosto, junto às as eleições gerais do país. Os dois candidatos presidenciais que avançaram ao segundo turno têm perspectivas diferentes sobre o Yasuní, embora ambos concordem em respeitar a decisão da consulta popular. Quem assumir o cargo terá a missão de traçar um novo futuro para o país: qual será a estratégia de desenvolvimento em uma economia pós-petróleo?
A resposta a essa pergunta também traz consequências para as relações entre Equador e China. O país asiático tem desempenhado um papel relevante na extração de petróleo no Bloco 43 do Parque Yasuní, por meio de contratos de operação das empresas chinesas Sinopec e Chuanqing Drilling Engineering Company — embora a Petroecuador seja a responsável pela concessão.
Não é só o Yasuní: pelos cálculos de especialistas, as reservas de petróleo do Equador devem durar só mais alguns anos.
Mas a parceria sino-equatoriana não precisa se resumir ao petróleo. E, como revelam exemplos práticos, essa relação pode render frutos em uma direção oposta: a conservação ambiental.
A Universidade Regional Amazônica Ikiam — instituição dedicada à pesquisa sobre conservação e sustentabilidade na Amazônia equatoriana — foi criada em 2013 com apoio da construtora China CAMC Engineering. A universidade é responsável pela gestão da reserva biológica Colonso-Chalupas, próxima ao seu campus em Tena, na província de Napo. O desenvolvimento de instituições como essa é um passo fundamental para promover uma economia regional mais sustentável.
A captação de recursos será um obstáculo para a expansão desses projetos, considerando o cenário atual de endividamento do Equador. Em 2022, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento classificou o Equador como um dos 54 países mais vulneráveis à dívida externa, equivalente a 62% de seu Produto Interno Bruto.
No início do ano, o projeto Alívio da Dívida para uma Recuperação Verde e Inclusiva — iniciativa da qual participa minha instituição, o Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston — pediu a criação de um “Novo Marco Comum” para facilitar o abatimento das dívidas de vários países, entre eles o Equador. Isso envolveria a reestruturação imediata da dívida e a troca dos títulos antigos por outros com termos de pagamento simplificados, como os títulos Brady. Os recursos gerados poderiam ser usados para apoiar os compromissos nacionais de desenvolvimento sustentável, como o Acordo de Escazú, ratificado pelo Equador.
Na década de 1990, os títulos Brady, batizados em homenagem a Nicholas Brady, ex-secretário do Tesouro dos EUA, permitiram que os credores privados convertessem dívidas em títulos com valores mais acessíveis. Isso facilitou o pagamento de empréstimos bancários e ajudou a aliviar a crise da dívida latino-americana gerada na década de 1980.
A China já participou de uma reestruturação significativa da dívida equatoriana: em 2022, assinou um acordo para adiar o pagamento de mais de US$ 1 bilhão até 2025. Mas, até lá, é preciso encontrar uma solução de longo prazo, considerando que o Equador não deve ter as mesmas receitas petrolíferas para arcar com a dívida externa.
Um dos caminhos possíveis é arquitetar um grande plano de swap de dívida por natureza: com esse arranjo, parte dos pagamentos obrigatórias da dívida equatoriana seria convertida em uma espécie de financiamento ambiental. Aliás, o candidato a vice-presidente Andrés Arauz, colega de chapa de Luisa González, foi coautor um estudo recente que analisou o potencial desse modelo de troca de dívida com a China. Conforme a pesquisa, o mecanismo poderia ajudar a expandir a reserva Colonso-Chalupas e a capacidade de gestão da Universidade Ikiam.
Esses acordos não são novidade no Equador. No início do ano, o país acertou o um swap de dívida por natureza recorde no mundo, convertendo dívidas de US$ 1,6 bilhão em obrigações de US$ 323 milhões para criar e gerir o Galápagos Life Fund, que ajudará na conservação do ecossistema em torno das Ilhas Galápagos. O Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos serviram como instituições garantidoras do acordo, permitindo que o Equador recomprasse a dívida em melhores condições.
Esse tipo de acordo pode liberar recursos para projetos de desenvolvimento sustentável, mas também traz riscos significativos se não for acompanhado de um abatimento mais amplo da dívida. As agências de classificação de risco, por exemplo, normalmente rebaixam o score dos países devedores nesses casos, já que o swap de dívida é visto como uma foram de inadimplência. Assim, as trocas de dívida por natureza podem dificultar a renegociação de outras dívidas ou a obtenção de novos créditos.
Para o Equador, é fundamental que outros credores — como a China — ajudem nesse processo, evitando que o país sul-americano fique em uma posição ainda pior. O adiamento do prazo de pagamento da dívida com a China até 2025 é um primeiro passo crucial. Daí em diante, a conversão dessas dívidas em compromissos de conservação ambiental poderiam repaginar a parceria Equador-China no longo prazo.
Na última década, a China foi o parceiro comercial mais importante do Equador na exploração petrolífera na Amazônia. Mas esse capítulo parece estar chegando ao fim. A partir de agora, os equatorianos precisarão de parceiros internacionais que apoiem uma visão de desenvolvimento sustentável para a Amazônia. Se a China quiser apostar nesse caminho, pode garantir um papel de destaque em um Equador pós-petróleo.