No mês passado, o Congresso americano finalmente aprovou uma importante legislação climática: a Lei de Redução da Inflação. Quase US$ 370 bilhões serão destinados a energia limpa, eficiência energética, veículos elétricos (VEs), captura de carbono, justiça ambiental e proteção da natureza. Investimentos em saúde, reformas tributárias e a redução do déficit público também ganharam atenção no texto.
Esse é um marco para a agenda climática recente e, embora longe de ser perfeito, representa uma mudança histórica nos EUA. É também uma lição de comunicação: após fracassos contínuos no Congresso, a nova política de combate à inflação mostra que as mudanças climáticas não dizem respeito apenas ao meio ambiente, mas também à criação de empregos e à redução do preço da eletricidade.
Junto com outras metas socioeconômicas, a lei pretende reduzir em 40% as emissões de CO2 dos EUA até 2030, em comparação aos níveis de 2005. Seu sucesso dependerá de uma oferta segura dos minerais necessários para as tecnologias de energia limpa, como painéis solares, turbinas eólicas e VEs.
Mas a Lei de Redução da Inflação pode ficar aquém de seus objetivos, dada a atual situação dos negócios de minerais essenciais, como de cobre, ferro, lítio, alumínio e terras raras, sem contar a perspectiva de novos gargalos. O grande desafio de implementar suas políticas fica mais evidente se considerarmos as restrições geopolíticas da lei e o histórico da indústria minerária em questões de justiça socioambiental.
Esses pontos, entretanto, criam oportunidades para repensarmos como abordar o acesso a minerais estratégicos em nossa economia, redefinirmos como os administramos e discutirmos como o aumento da produção pode ser desnecessário.
Minerais: uma faca de dois gumes
A verdade inconveniente é que as tecnologias de baixo carbono demandam grande quantidade de minerais. Uma turbina eólica onshore, por exemplo, requer quatro vezes mais matéria-prima por megawatt do que uma usina a carvão.
O Banco Mundial prevê que, até 2050, a demanda por minerais estratégicos triplique no mundo. Apesar disso, a mineração é um negócio lento: novas minas nos EUA levam entre sete e dez anos para entrarem em operação. E até mesmo os representantes da indústria não garantem que poderão atender à crescente demanda. Portanto, contar com o aumento da produção de minerais pode não ser o melhor caminho.
A Lei de Redução da Inflação não só vai impulsionar a demanda americana por minerais, mas também é muito clara ao restringir que apenas certos países os forneçam, ilustrando mais uma vez como o clima e a geopolítica estão intimamente interligados. Por exemplo, o trecho da lei que oferece créditos fiscais aos VEs só é aplicável se uma porcentagem dos minerais das baterias for obtida ou processada nos EUA ou em um de seus parceiros de livre comércio, com limites que tendem a ficar mais rigorosos com o tempo.
Estamos colocando o destino de uma transição energética limpa e justa em uma indústria que não é nem limpa, e muito menos justa
Essa combinação de considerações comerciais e geopolíticas exclui importantes reservas minerais, como o níquel da Indonésia e o lítio da Argentina.
Aplicando as lições decorrentes da guerra na Ucrânia, a Lei de Redução da Inflação também excluiu do benefício fiscal qualquer veículo cujos minerais tenham sido adquiridos, processados ou reciclados em uma “entidade estrangeira preocupante”.
Recentemente, a China, por exemplo, cancelou suas negociações climáticas com os EUA, após a visita conturbada de Nancy Pelosi a Taiwan. Acontece que a China detém quase 60% da capacidade mundial de processamento de lítio.
Isso traz mais dificuldades à indústria de EVs, que já tem como grande desafio garantir o fornecimento de minerais.
Além disso, para que a nova lei de fato promova uma transição justa, a mineração terá que enfrentar duas de suas principais falhas: a poluição e os conflitos locais.
Por todos os EUA, grupos indígenas lutam para evitar serem sacrificados em nome da transição energética. Um dos locais de conflito é Chíchʼil Bił Dagoteel, ou Oak Flat, no estado do Arizona, onde povos nativos se opõem a uma mina de cobre, cuja demanda deve no mínimo triplicar até 2040, em relação a 2020.
Essa preocupação aparece no mundo todo, o que significa que os EUA não poderão simplesmente terceirizar as tensões ambientais a outros países.
O Chile, maior exportador mundial de cobre, anunciou recentemente o fechamento de uma estatal de fundição de cobre, e novos projetos enfrentam dura oposição, entre eles a mina de cobre e ferro de Dominga, que seria erguida em um hotspot de biodiversidade. Já no Peru, segundo no ranking, as operações da mina Las Bambas têm sido ameaçadas por anos de conflitos e protestos.
Indiscutivelmente, a mineração é um mal necessário, dada a urgência da crise climática. No entanto, promovê-la enquanto ainda é uma indústria poluente e repleta de conflitos significa colocar o destino de uma transição energética limpa e justa em uma indústria que não é nem limpa, e muito menos justa.
Além disso, mesmo que a troca dos combustíveis fósseis por tecnologias limpas signifique a redução nas emissões, combater as mudanças climáticas exige a neutralidade de carbono. A indústria da mineração resulta em 8% das emissões globais, e isso não pode ser negligenciado. Portanto, ela não apenas precisa se expandir como também descarbonizar suas operações.
Soluções: circularidade e eficiência
Reduzir a dependência de minerais e a necessidade de novas minas pode contribuir para amenizar as tensões descritas acima. Isso aliviaria a pressão das cadeias produtivas de minerais e diminuiria o peso dos conflitos socioambientais.
Mas e se a demanda por matéria-prima não fosse tão alta? Isso reduziria ainda mais o problema. A economia circular e a eficiência são dois paradigmas para se alcançar isso.
A primeira envolve uma mudança da abordagem linear para a circular, em que os minerais são reciclados e reutilizados. Isso implica em fortalecer a circularidade da vida útil e a capacidade de processamento, mas, principalmente, incorporar os princípios da economia circular ainda quando as tecnologias estiverem sendo criadas.
Mas se a demanda por minerais permanecer tão alta quanto projetada, nem mesmo taxas de reciclagem de 100% poderão cobri-la. Então, que tal reduzir a demanda?
Devemos começar nos perguntando se realmente precisamos dos minerais, antes de pensar de onde e como os estamos obtendo
A demanda mineral seria bem menor se mais atenção fosse dada aos serviços-alvo dessas políticas. Medidas de eficiência reduziriam a demanda de energia em edifícios, veículos e indústria. Isso cortaria drasticamente — ou mesmo eliminaria — a dependência dos EUA dos combustíveis fósseis, além de garantir as metas do Acordo de Paris e contribuir para diminuir as tensões da cadeia produtiva da mineração.
Isso requer um foco na formulação de políticas criativas que vão à raiz do problema. Por exemplo, a cidade de Cleveland escolheu priorizar o transporte público, as bicicletas e o deslocamento a pé, antes de impulsionar os VEs. Essa medida atende, ao mesmo tempo, a questões climáticas e de equidade. Mas, surpreendentemente, esse modelo de cidade não é mencionado pela nova lei.
Ou seja, espera-se que a nova política seja um dos muitos exemplos de legislação climática a serem aprovadas nos EUA nos próximos anos. Mas que os esforços futuros incorporem, antes de tudo, uma abordagem de economia circular, transição justa e eficiência. Assim, poderão garantir que as curas para a crise climática não tragam sua própria doença e que ninguém fique para trás.
E, finalmente, quando se trata de minerais, devemos começar nos perguntando se realmente precisamos deles, antes de pensar de onde e como os estamos obtendo.