Os efeitos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos em todo o mundo. Com o crescente aumento da temperatura, a América Latina está entre as regiões que serão mais severamente impactadas. Muitas discussões no cenário internacional têm se concentrado na adaptação aos efeitos de um clima em mudança. Mas em alguns casos os ecossistemas já estão danificados de forma irreversível, perturbando permanentemente a vida das comunidades que os sustentam. Na diplomacia das mudanças climáticas, essas consequências irreparáveis são conhecidas como “perdas e danos”.
- O que são perdas e danos das mudanças climáticas?
- As perdas e danos estão na agenda da COP27?
- Houve promessas de perdas e danos na COP27?
- Como as perdas e danos afetam a América Latina?
- Quantas perdas e danos a América Latina sofrerá com a mudança climática?
- Por que as perdas e danos são um tema de disputa?
- O que diz o Acordo de Paris sobre perdas e danos?
- O que a COP26 concordou sobre perdas e danos?
O que são perdas e danos das mudanças climáticas?
Os impactos das mudanças climáticas incluem inundações mais frequentes e intensas, ondas de calor, tempestades e elevação do nível do mar. Embora as pessoas possam se adaptar a algumas dessas mudanças em seu ambiente, em muitos casos a adequação é impossível: vidas são perdidas, aterros quebrados, terras tornadas estéreis, habitat alterado permanentemente e gado morto. Os impactos sociais e financeiros das mudanças climáticas que não podem ser evitados são chamados de “perdas e danos”.
As perdas e os danos causados pelas mudanças climáticas podem ser econômicas ou não. Perdas econômicas incluem prejuízos financeiros sofridos pelas empresas, como a prolongada onda de calor e a seca na América do Sul que reduz o rendimento das principais culturas, afetando a subsistência de muitos agricultores. Podem também significar perda de propriedade e infra-estrutura, como casas inundadas e destruídas em eventos climáticos extremos na América Central, que estão se tornando mais frequentes e severos, agravados por furacões.
Perdas e danos não econômicos podem incluir tradições culturais, como conhecimento indígena, biodiversidade e serviços ecossistêmicos que se perdem devido aos impactos das mudanças climáticas.
As perdas e danos estão na agenda da COP27?
Até a noite anterior à abertura da COP27, não estava claro se haveria acordo sobre como – e se – as perdas e danos seriam apresentadas formalmente na cúpula. Mas a questão foi, no último momento, finalmente colocada na agenda, e vista como uma vitória antecipada para os países em desenvolvimento e pequenos estados insulares.
Guterres acrescentou ainda que “obter resultados concretos sobre perdas e danos é um teste decisivo do compromisso dos governos com o sucesso da COP27”.
Mia Mottley, a primeira-ministra de Barbados que tem sido uma voz importante na Cúpula até agora, descreveu a inclusão de perdas e danos como “uma conquista significativa pela qual temos lutado por muitos anos”, mas apontou outros desafios a serem enfrentados.
“Não vamos chegar à conclusão [aqui no Egito]”, acrescentou Mottley. “Mas o fato de termos colocado isso na agenda é um reconhecimento de que países como o nosso, que não contribuíram muito para a emissão de gases de efeito estufa, não deveriam estar lotando nosso espaço fiscal para poder financiar a reconstrução após um evento climático traumático.
“Acredito que temos uma causa moral e justa”, concluiu ela.
Houve promessas de perdas e danos na COP27?
Promessas de financiamento para perdas e danos foram anunciadas por um punhado de nações na cúpula da COP27.
O chanceler alemão Olaf Scholz anunciou 170 milhões de euros (US$ 172 milhões) de financiamento para um novo “Global Shield”, um fundo para perdas e danos que será lançado formalmente em 14 de novembro. O taoiseach (chanceler) da Irlanda, Michéal Martin, também disse que seu país se comprometerá com 10 milhões de euros para o fundo.
A Áustria contribuirá com 50 milhões de euros para enfrentar perdas e danos durante os próximos quatro anos, disse seu ministério do Clima à Reuters durante a conferência. Enquanto isso, o Ministério do Desenvolvimento da Bélgica anunciou 2,5 milhões de euros de financiamento de perdas e danos para Moçambique.
A primeira-ministra escocesa Nicola Sturgeon usou sua visita ao Egito para prometer mais £5 milhões (US$5,8 milhões) em fundos de perdas e danos, levando seu compromisso total para £7 milhões, após contribuições feitas na COP26 em Glasgow, no ano passado.
Estas nações compõem as poucas que até agora assumiram compromissos de financiamento por perdas e danos, juntando-se à Dinamarca, que havia prometido US$13 milhões para os países em desenvolvimento em setembro.
Estes números ainda estão pálidos em comparação aos custos estimados: até 2030, perdas e danos causados pelas mudanças climáticas nos países em desenvolvimento deverão custar um total entre US$290 e US$580 bilhões.
Mais promessas ainda podem chegar quando a COP27 entrar em negociações na segunda semana da cúpula.
Como as perdas e danos afetam a América Latina?
A América Latina e o Caribe já experimentam alguns dos efeitos mais prejudiciais dos eventos climáticos extremos e das mudanças climáticas, em uma região onde os impactos de tais eventos são exacerbados por altos níveis de desigualdade e dificuldades econômicas mais amplas.
O recente relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) sobre o Estado do Clima na América Latina e no Caribe detalha a gama de ameaças climáticas às quais a região é cada vez mais vulnerável, assim como seus custos. A seca é destacada como um desafio chave: a mega seca em curso no Chile entrando em seu 13º ano coloca o país “na vanguarda da crise da água na região”.
Com muitas das economias da região dependentes da agricultura, os impactos econômicos da seca podem ser notáveis, e provavelmente serão exacerbados em um mundo em aquecimento. Em conjunto com as ondas de calor, a falta de chuvas tem se mostrado problemática para os produtores sul-americanos nos últimos verões; a WMO informa que, na América do Sul em geral, as condições de seca causaram uma queda de 2,6% na safra de cereais de 2020-2021 em relação à estação anterior.
Em outros momentos, e em outras partes da região, níveis mais altos e padrões de precipitação menos previsíveis trazem seus próprios desafios. Em 2021, chuvas extremas levaram a perdas de vidas, casas e meios de subsistência e deslocaram um grande número de pessoas; nos estados brasileiros da Bahia e Minas Gerais, as enchentes e deslizamentos de terra que se seguiram levaram a uma perda estimada de US$ 3,1 bilhões, relata a OMM.
A organização também destacou a sempre crescente ameaça de furacões: a temporada de furacões do Atlântico 2021 foi a terceira temporada mais ativa registrada, com sete furacões e 21 tempestades nomeadas causando danos em toda a América Central e no Caribe. Foi também a sexta temporada consecutiva de furacões acima da média. A crescente frequência e força das tempestades reduz a capacidade de recuperação e reconstrução dos países, ressaltando a necessidade de apoio em caso de perdas e danos.
Mais de um quarto da população da região vive em áreas costeiras. Em seu próprio relatório sobre perdas e danos na América Latina, a ONG La Ruta del Clima aponta os riscos e as pressões existentes em toda a região devido à elevação do nível do mar e à erosão costeira, bem como os impactos da acidificação marinha e do branqueamento de corais sobre as comunidades e economias.
Quantas perdas e danos a América Latina sofrerá com a mudança climática?
De acordo com um estudo de 2019, as perdas e danos causados pelas mudanças climáticas deverão custar à América Latina e ao Caribe US$462 bilhões até 2050. Até 2070, este número poderá saltar para US$ 891 bilhões.
Outro estudo de 2018 estimou que, caso o mundo seguisse um caminho “business as usual” rumo ao 3C do aquecimento global até 2100, o PIB do Brasil e da Colômbia – duas das maiores economias da região – cairia 0,6% e 0,9% ao ano respectivamente até 2037, e 1,8% e 2,4% ao ano até 2067.
Entre as pessoas que deverão sofrer os piores resultados em termos de PIB, estão Paraguai, a -1,3% ao ano até 2037 e -3,5% ao ano até 2067; Honduras, a -2,2% ao ano até 2037 e -5,8% ao ano até 2067; e Nicarágua, a -2,5% ao ano até 2037, -6,4% ao ano até 2067.
Por que as perdas e danos são um tema de disputa?
As perdas e danos tornaram-se uma questão litigiosa nas negociações climáticas internacionais devido à questão da responsabilidade e compensação. Os países desenvolvidos – os historicamente responsáveis pela maioria dos gases de efeito estufa emitidos desde a revolução industrial – têm estado desconfiados de qualquer acordo internacional que possa deixar a porta aberta para eles pagarem pelas perdas e danos que suas emissões causaram, e estão causando.
O que diz o Acordo de Paris sobre perdas e danos?
O artigo 8 do Acordo de Paris, assinado em 2015, enfoca as perdas e danos. Nele os países signatários reconhecem “a importância de evitar, minimizar e enfrentar as perdas e os danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas”, e que eles devem reforçar a cooperação na implementação de soluções.
Embora a inclusão de linguagem dedicada a perdas e danos no Acordo de Paris lhe tenha dado uma plataforma formal, algo que os países em desenvolvimento haviam impulsionado, a forma como foi enquadrado está alinhada com as preferências dos países desenvolvidos. O parágrafo 52 da Decisão adotada junto com o Acordo de Paris afirma: “O artigo 8 do Acordo não envolve ou fornece uma base para qualquer responsabilidade ou compensação”.
Isto significa que o Acordo de Paris não impõe nenhuma obrigação legal aos países para enfrentar perdas e danos associados à mudança climática, e não faz nenhuma menção a compromissos financeiros para apoiar os países que enfrentam perdas e danos significativos.
O que a COP26 concordou sobre perdas e danos?
Na COP26, realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021, uma rede de países conhecida como G77 e China solicitou a criação de uma “instalação” formal para fornecer apoio financeiro às nações vulneráveis.
Entretanto, devido à oposição da UE, dos EUA e de outras nações ricas, os líderes não conseguiram estabelecer um fundo de auxílio para ajudar os países em desenvolvimento a lidar com as perdas e danos relacionados à mudança climática.
Por fim, o acordo assinado em Glasgow, conhecido como Pacto Climático de Glasgow, reconheceu a necessidade de assistência dos países desenvolvidos para enfrentar perdas e danos, mas terminou sem medidas concretas para fornecer apoio financeiro.