A perda da biodiversidade está alcançando níveis jamais vistos em toda a história da humanidade. Quase um milhão de espécies serão extintas se não mudarmos radicalmente a forma como nos relacionamos com o mundo natural, segundo a análise mais completa já realizada no mundo sobre ecossistemas globais, publicada esta semana.
1 milhão
o número de espécies ameaçadas de extinção
A Avaliação Global da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) apresentou evidências irrefutáveis de que a biodiversidade é essencial para a sobrevivência e o bem-estar humano. Mais de 500 especialistas em biodiversidade, de 50 países, participaram da avaliação, que foi aprovada por mais de 130 governos.
Os resultados desta avaliação devem influenciar os líderes globais que se encontrarão na China no ano que vem para esboçar um novo acordo global sobre a biodiversidade.
As previsões mais recentes mostram que o mundo não vai conseguir alcançar a maioria das metas globais (conhecidas como Metas de Aichi) que foram acordadas sob a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) das Nações Unidas.
A chinadialogue entrevistou os principais líderes e autores do relatório para saber por que os esforços globais para proteger a biodiversidade vêm falhando, e que abordagens novas e radicais poderiam fazer a diferença neste momento.
Wang Huo, vice-secretário da China Biodiversity Conservation e da Green Development Foundation
A nossa geração é a última que ainda pode salvar a biodiversidade do planeta e não é tarde demais para agir. No entanto, as ações precisam se concentrar na biodiversidade das áreas povoadas e na inovação das reservas naturais. Em vez de focar no tamanho – ter uma certa porcentagem do território coberto por unidades de conservação –, precisamos olhar mais para a qualidade – o que está sendo protegido e o quanto essa proteção está sendo eficaz. A conservação da biodiversidade não pode depender apenas da criação de reservas em áreas remotas e pouco povoadas, separando as pessoas e a natureza.
No momento, precisamos ser sistemáticos para assegurar o cumprimento das metas de biodiversidade dos próximos dez anos. O quadro pós-2020 da biodiversidade não é algo que interessa apenas à Convenção sobre a Diversidade Biológica. Ele requer a coordenação e a sinergia de vários organismos e tratados internacionais, incluindo a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
A nossa geração é a última que ainda pode salvar a biodiversidade do planeta e não é tarde demais para agir
Ana di Pangracio, vice-diretora executiva da Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN), na Argentina, e presidente do Comitê Sul-Americano da UICN
Depois que as Metas de Aichi foram definidas, houve avanços importantes, como o lançamento de um protocolo para acesso a recursos genéticos; a ampliação das áreas sob proteção, tanto terrestres como marinhas; uma maior conscientização da crise de biodiversidade; e a adoção mundial de estratégias nacionais de biodiversidade. No entanto, os avanços não foram suficientes para garantir o cumprimento de todas as metas e lidar com todas as ameaças.
Ainda falta vontade política, os financiamentos são insuficientes, e pouca atenção é dada às causas estruturais da perda de biodiversidade, como o poder corporativo, megaprojetos de infraestrutura, agricultura e pecuária industrial, e consumismo exacerbado, entre outros.
É essencial um comprometimento político maior por parte de todos os países, com ações eficazes e oportunas para abordar a situação urgente em que nos encontramos. Também é imprescindível mobilizar os recursos financeiros necessários para alcançar as metas que foram definidas, estabelecer processos participativos e bem fundamentados, e criar mecanismos de conformidade para os países.
Seria interessante para a China adotar salvaguardas socioambientais para os projetos e investimentos que realiza no exterior, uma vez que muitos países abrigam uma megadiversidade biológica. O país asiático deveria também respeitar os direitos humanos e comprometer-se com o financiamento das ações tomadas por países em desenvolvimento para proteger a biodiversidade.
Lu Zhi, professor de biologia da conservação na Universidade de Pequim, diretor executivo do Centro para a Natureza e a Sociedade da Universidade de Pequim
Ficamos todos um pouco decepcionados com a implementação da Convenção sobre a Diversidade Biológica. Por um lado, não foi possível quantificar várias metas da convenção, o que tornou a sua implementação mais difícil; por outro, a conservação da biodiversidade ainda não é um tema “popular”. Esperamos ver mais dados quantitativos na avaliação da IPBES, mesmo que eles ainda sejam imprecisos.
As mudanças climáticas impactam a humanidade por meio dos impactos na biodiversidade
O relatório destacou como as mudanças climáticas ameaçam a biodiversidade, mas, atualmente, existe uma conscientização maior a respeito das mudanças climáticas do que sobre as questões relacionadas à biodiversidade. Todavia, as mudanças climáticas impactam a humanidade por meio dos impactos na biodiversidade.
O relatório também chamou atenção para o fato de que a biodiversidade vem diminuindo de forma mais lenta nas áreas habitadas por povos indígenas [em comparação com outras áreas, a maioria das quais é formalmente protegida ou apresenta baixos níveis de atividade humana]. Isso é muito importante para compreendermos a importância do conhecimento e dos valores locais para a conservação. A “curva ambiental de Kuznets” indica que as pessoas passam a se preocupar mais com a conservação ambiental quando aumentam o padrão de vida. Contudo, em áreas onde predominam minorias étnicas, como no Tibete, as pessoas têm um alto grau de conscientização ambiental e participam dos esforços de conservação, mesmo quando seu padrão de vida é baixo. A cultura parece estar intrinsecamente ligada à conservação.
Kathy Willis, professora de biodiversidade global na Universidade de Oxford, e autora principal do Capítulo 5 do relatório da Avaliação Global do IPBES
Precisamos ampliar o foco e pensar além das áreas protegidas, que são excelentes na teoria, mas não conectam a natureza e os seres humanos, não fazem as ligações necessárias para trazer benefícios. O foco delas acaba sendo o de manter um estado padrão e estático.
Eu gostaria que fossem elaboradas metas realmente significativas que pudessem ser alcançadas. Por exemplo, conservar os parentes selvagens das espécies que cultivamos hoje, que é algo absolutamente essencial. Algumas dessas espécies sobreviveram múltiplas mudanças climáticas e têm genes resilientes.
Outra coisa é que muitas pessoas, principalmente os economistas, têm começado a falar que, se aniquilarmos a natureza, teremos que substituir os seus benefícios por soluções tecnológicas, que são muito mais caras e menos eficientes. As pessoas odeiam quando criamos um valor financeiro para a biodiversidade, mas precisamos fazer isso. Se não existirem árvores na rua, os casos de asma vão aumentar muito. Essa é uma realidade dura, com fortes evidências.
Alguns estudos muito bacanas foram feitos sobre as plantas que sequestram poluentes na China. O país também tem um conhecimento incrível sobre a medicina baseada nas plantas que deveria receber mais atenção.
As pessoas odeiam quando criamos um valor financeiro para a biodiversidade, mas precisamos fazer isso
Obdulio Menghi, chefe da Fundación Biodiversidad e ex-coordenador científico na Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES)
Essa crise é muito grave. As pessoas vêm tratando o seu único lar de uma forma ridícula e que cria perplexidade junto àqueles que lutam para melhorar as coisas. Alguns países da América Latina e do Caribe abrigam a maior “megadiversidade” do mundo. A perda e a degradação do nosso legado natural e cultural nos afetam profundamente. A falha no cumprimento dos compromissos (de proteger a biodiversidade) é inexplicável e traz consequências para todo o planeta.
Existem medidas que conseguiram prevenir a extinção de algumas espécies de aves e mamíferos até agora, mas algumas espécies ameaçadas serão de fato extintas em 2020.
O papel da China não é muito diferente do de outros países que fazem parte da CDB. Todos são responsáveis pela divulgação das metas de biodiversidade para a população geral, bem como do plano estratégico da CDB, do Acordo de Paris, políticas públicas e materiais desenvolvidos durante a Convenção.
Há muito pouco conhecimento sobre a CDB e o Acordo de Paris e seus conteúdos, e isso acaba prejudicando a eficiência deles e até a cobrança de conformidade. Por isso, é absolutamente necessário fortalecer a comunicação interna da CDB e divulgar mais o Acordo de Paris.
Xie Yan, pesquisador assistente do Instituto de Zoologia da Academia Chinesa de Ciências
A avaliação do IPBES revelou o caráter urgente da nossa crise ecológica global e o enorme impacto que a degradação da natureza causa no bem-estar humano. São necessárias mudanças revolucionárias para prevenir uma degradação ecológica ainda maior.
Acredito que a maioria dos países não reconhece a importância da biodiversidade para a sobrevivência de longo prazo das suas populações. A CDB sempre ressalta as obrigações internacionais das nações, mas, se quisermos criar vontade política, precisamos conscientizar os líderes nacionais a respeito da importância de conservar a biodiversidade e o papel dela para a segurança ecológica de cada ser humano.
A China faz avanços significativos nessa direção desde 2017, tanto no desenvolvimento de um sistema de reservas naturais, como na proteção de espécies ameaçadas. O país criou o Ministério de Recursos Naturais, reuniu diferentes tipos de reservas naturais sob um sistema único, delimitou linhas vermelhas de proteção ambiental, endureceu a fiscalização das reservas naturais e acumulou experiências muito positivas na conservação da biodiversidade.
Seria interessante para a China usar essas conquistas para impulsionar a vontade política em outros países, principalmente através da Parceria de Desenvolvimento Verde “Cinturão e Rota”, além de compartilhar os seus sucessos na conferência da CDB em 2020.