Após dois anos de adiamentos, reuniões virtuais e mudança de sede da China para o Canadá, o encontro da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB) finalmente deve ocorrer dentro de duas semanas.
A reunião da COP15, marcada para os dias 7 a 19 de dezembro em Montreal, deve resultar em um acordo sobre o Marco Global de Biodiversidade Pós-2020, que tem sido adiado há quase três anos. No entanto, muitos países diferem em questões-chave, especialmente em relação ao financiamento para a proteção da biodiversidade.
A conferência será realizada praticamente ao mesmo tempo com as recentes negociações da COP27, no Egito, evento que teve a presença da secretária-executiva da CDB, Elizabeth Mrema. Ela aproveitou a visita para destacar a necessidade de vincular a ação climática à proteção da biodiversidade. Mrema também buscou avançar nas negociações sobre a biodiversidade antes da COP15 nos corredores da conferência no Egito, onde se encontrou com vários ministros e delegados da cúpula. O objetivo dessas reuniões paralelas foi eliminar diversos pontos de divergência no documento preliminar da CDB.
Em entrevista ao Diálogo Chino na COP27, Mrema diz que o rascunho atual parece promissor, mas se mostra preocupada com a possível versão final. A diretora da CDB também enfatizou a necessidade de assegurar financiamento para a biodiversidade dos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que destacou que esta é a “última chance” de enfrentar os ataques à biodiversidade.
Diálogo Chino: Muitos dos que estarão em Montreal também estiveram na COP27, desde ministros até membros de organizações da sociedade civil. Com base nas conversas que teve no Egito, você está esperançosa em relação ao acordo?
Elizabeth Mrema: Esta tem sido uma excelente oportunidade para continuar a preparação dos delegados de olho nas negociações finais em Montreal e do acordo global para a biodiversidade pós-2020. Ministros do Meio Ambiente se reuniram no Egito em meio às discussões sobre o clima e discutiram algumas das questões que precisam ser resolvidas no acordo. Fui à COP27 com um dos responsáveis pelo desenvolvimento do documento, e também nos reunimos com os ministros para entender em quais áreas eles consideram que há mais trabalho por fazer, para superar as diferenças. Mas o diabo mora nos detalhes, e os detalhes estarão em Montreal.
Como você descreveria o status das negociações sobre a biodiversidade?
Pessoalmente, tenho sentimentos conflitantes. De um lado, o texto é bom como está. Mas, por outro lado, há muito trabalho a ser feito. O texto é bom porque inclui toda a ambição que se esperaria no acordo pós-2020. Ele mostra um avanço a partir das lições das Metas de Aichi [a versão anterior do Marco Global para a Biodiversidade]. Por outro lado, o texto ainda está cheio de itens pendentes. Quando esses trechos forem resolvidos, não sei se o objetivo será perdido ou fortalecido.
Antes da COP15, os presidentes das delegações organizaram um grupo informal para revisar o documento cheio de pendências e dar-lhe algum sentido. Eles conseguiram reduzir esses pontos divergentes em 40%. Mas era um grupo informal, ainda precisamos que as partes concordem e se apropriem deste documento como uma base para as negociações em Montreal. Caso contrário, teremos um texto com lacunas em mais de 800 trechos. Será mais trabalho com pouco tempo de sono.
Quais são as questões mais polêmicas entre os países?
Uma questão chave é o meio de implementação do acordo quando ele for adotado. Isto inclui a mobilização de recursos, o financiamento para implementação, o monitoramento e a responsabilidade. O financiamento é uma questão-chave, como no caso do clima. Os países em desenvolvimento querem a garantia de que haverá recursos adequados para a implementação. Nos últimos meses, têm surgido anúncios e promessas de financiamento, e isso é uma boa notícia. Com as Metas de Aichi, foram necessários quatro anos até que os países começassem a implementação. Temos que evitar isso aqui.
Os países em desenvolvimento querem a garantia de que haverá recursos adequados para a implementação
Cientistas estão nos alertando que esta é a última chance. Não podemos voltar aos negócios de sempre, e é para isso que o acordo será destinado. Trata-se de abrir caminho para permitir que o mundo atinja a visão de 2050 de viver em harmonia com a natureza e tenha metas e objetivos definidos até 2030.
Como você descreveria um acordo ideal para a biodiversidade?
Já temos um rascunho bem ambicioso. Se as negociações conseguirem remover os “poréns” e manter a ambição pretendida, então será um sucesso. Precisamos que as negociações cheguem a um consenso em todo o documento, em todas as metas. Não é uma questão de escolher umas ou outras. Todas as metas são integradas. Então, quando elas forem adotadas, devemos agir rápido, com toda a sociedade participando do plano.
A necessidade de áreas marinhas protegidas está entre as metas mais mencionadas – por exemplo, há uma campanha para se ter 30% do oceano protegido até 2030. Que avanço houve até agora nesse ponto?
Sabemos que houve muita campanha para a coalizão “30×30“, o que é bom. Mas nem todos os negociadores concordaram com isso. Por dois aspectos: há [a questão de atingir] a escala de 30% até 30, mas ainda mais importante é a gestão eficaz dessas áreas. Muitos países estão preocupados se terão os recursos necessários para isso. Além disso, 30×30 é uma meta, mas temos o pacote completo [do acordo pós-2020]. Não devemos nos concentrar em um elemento isoladamente dos outros, ou não resolveremos o desafio da biodiversidade.
Em termos de logística, como a conferência está se desenhando? Os chefes de Estado viajarão a Montreal?
A logística está se moldando muito bem. Eu sei que têm havido cobranças para que chefes de Estado [participem do evento], mas isso não deve acontecer. Sob a presidência da China, tivemos uma cúpula durante a primeira parte da COP, em outubro do ano passado, onde foram feitas promessas de chefes de Estado. Tivemos a Declaração de Kunming e o Fundo de Kunming para a proteção da biodiversidade. Agora também vimos os pronunciamentos na COP do clima. Conseguimos o que era necessário dos chefes de Estado. O importante agora é que os negociadores traduzam essas promessas para o documento e estejam prontos para formar o consenso necessário. Mais de cem ministros estarão em Montreal, ao lado de dez mil participantes inscritos.
Como foi tomada a decisão de não ter a presença de chefes de Estado, considerando que a China é presidente da conferência?
Foi uma consulta entre a presidência e o conselho da COP. O conselho é representado [por todos os grupos regionais da ONU].
A necessidade de atualizar ou mudar as instituições da ONU tem sido repetidamente mencionada. Algumas pessoas têm sugerido até mesmo ter uma única ‘COP ambiental’ em vez de uma para o clima e outra para a biodiversidade. Isso é viável?
É algo que pode ser feito, mas eu não o chamaria de “COP”. Todas as convenções do Rio [sobre mudanças climáticas, biodiversidade e desertificação, estabelecidas em 1992] têm seus próprios instrumentos juridicamente vinculativos, portanto, falar de uma COP significa alterar as três convenções. Nós não queremos chegar a isso. O que os governos podem considerar é convocar uma conferência que examine todas as crises em conjunto – uma conferência separada para discutir as questões comuns que permeiam a degradação da terra, a perda da biodiversidade e as mudanças climáticas.
O relatório Living Planet da WWF alertou recentemente sobre o grave estado da crise para a biodiversidade global. O que temos feito de errado nos últimos anos?
As negociações e a implementação das metas anteriores de biodiversidade não envolveram todas as partes interessadas. A biodiversidade é uma questão transversal que não pode ser tratada apenas pelos governos, sem líderes indígenas e o setor privado. Essa é uma grande lição aprendida. Agora todas as partes interessadas podem se ver contempladas no esboço do acordo.
A cúpula da Convenção sobre a Diversidade Biológica, a COP15, será realizada em Montreal, no Canadá, de 7 a 19 de dezembro.