Em 25 de junho, as eleições gerais da Guatemala surpreenderam analistas com a ascensão do deputado Bernardo Arévalo, candidato do movimento progressista Semilla, que ficou em segundo lugar na corrida presidencial. Na disputa final, em 20 de agosto, ele vai enfrentar a ex-primeira-dama Sandra Torres, líder do partido de direita Unidade Nacional de Esperança (UNE).
O desempenho inesperado de Arévalo, diplomata e acadêmico de carreira além de filho do ex-presidente Juan José Arévalo, representa uma expectativa de mudança entre muitos guatemaltecos. Seu partido levanta bandeiras que vão do combate à corrupção à inclusão de pautas ambientais. Conforme o candidato, o objetivo dele e da legenda é resgatar a confiança nas instituições do Estado, muitas delas acusadas de terem sido cooptadas pelo governo e por elites locais nos últimos anos.
A ida de Arévalo ao segundo turno foi vista como “uma surpresa”, diz Gabriela Carrera, professora de ciências políticas da Universidade Rafael Landívar, na Cidade da Guatemala. Carrera explica que o relativo sucesso do progressista deve-se a “um sentimento antivoto, uma rejeição ao que chamamos de ‘pacto de corrupção’”.
O temo “pacto de corruptos” ficou famoso na Guatemala para se referir a políticos, empresários poderosos, figuras do crime organizado e membros do sistema judiciário acusados de atos de corrupção — o esquema garantiria que esses personagens ficassem impunes diante de eventuais processos judiciais.
Recentemente, o movimento Semilla tem sido alvo de ações do Ministério Público e da direita guatemalteca para tirá-lo da jogada — algo que muitos já atribuem a esse suposto pacto. Diversos partidos derrotados apresentaram denúncias de suposta fraude eleitoral, depois rejeitadas pela justiça eleitoral. O MP, por sua vez, tentou suspender o Semilla sob acusação de que haveria falsificações e irregularidades em milhares de registros de membros da legenda. Poucas semanas após a votação, tanto o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) do país quanto o partido foram alvos de operações de busca e apreensão da polícia.
Apesar das investidas, o TSE confirmou a habilitação do Semilla para continuar na corrida eleitoral e homologou os resultados do primeiro turno das eleições.O período anterior ao primeiro turno também foi marcado por controvérsias: o próprio TSE e outros tribunais guatemaltecos excluíram diversos candidatos da disputa presidencial — entre eles, a líder indígena de esquerda Thelma Cabrera, o conservador Roberto Árzu e o empresário de centro-direita Carlos Pineda, levando muitos analistas a temer uma possível fraude eleitoral para favorecer nomes simpáticos ao establishment.
Nessa corrida conturbada, permeada por batalhas legais, a discussão sobre os planos de governo ganhou pouco espaço no noticiário. Com um eleitorado frustrado com a classe política, os nulos e brancos lideraram o primeiro turno com 17% dos votos válidos, à frente de Torres e Arévalo.
À medida que a eleição final se aproxima, a corrupção e a segurança pública devem atrair as atenções do debate eleitoral guatemalteco. Já as pautas ambientais, em um país que sofre com a poluição e a degradação de seus ecossistemas, têm recebido pouca atenção até agora — embora o Semilla tenha feito algumas promessas para lidar com esses problemas.
Desafios ambientais da Guatemala
Na campanha eleitoral, o meio ambiente e as mudanças climáticas foram negligenciadas nas propostas dos candidatos que lideravam as pesquisas. Mas o cenário é preocupante: entre 90 a 95% dos cursos d’água do país estão poluídos, e dois terços da população não têm água potável em casa. O sucesso inesperado do Semilla — que surgiu durante os protestos contra o governo em 2015 — abriu espaço para o debate ambiental.
“Há uma rápida degradação dos recursos naturais, e não há esforços para sua preservação ou conservação”, diz Karin Herrera, bióloga e candidata a vice-presidente pelo Semilla.
“É preciso vontade política, compromisso e diálogo para gerar essa conscientização sobre a importância [do meio ambiente]”, diz Herrera. “Nossos belos recursos naturais não podem continuar negligenciados pelo Estado. Precisamos chegar com força e compromisso para preservá-los”.
No início da década passada, a Guatemala foi classificada como um dos dez países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas e, desde então, tem sido cada vez mais afetada por furacões e longos períodos de seca. O país também enfrenta falhas no cumprimento da legislação ambiental e um cenário hostil para pequenos produtores.
A nação centro-americana abriga uma vasta biodiversidade, sendo o lar de quase 14 mil espécies de plantas e animais. No entanto, a economia da Guatemala depende em grande medida de exportações de commodities agrícolas — como bananas, café, óleo de palma, açúcar e especiarias, entre outros. Embora haja leis específicas para a gestão florestal, bem como de resíduos sólidos e recursos hídricos, muitas simplesmente não são cumpridas.
“O problema é que muitas dessas leis só existem no papel”, diz o engenheiro-agrônomo Raul Maas, diretor do Instituto de Pesquisa e sobre Meio Ambiente e Sociedade da Universidade Rafael Landivar. Como resultado, a Guatemala tem visto a aceleração do desmatamento, a poluição de seus cursos d’água e a degradação dos solos — com o agronegócio como um dos principais responsáveis.
A degradação ambiental e a desigualdade afetam duramente os guatemaltecos, que cada vez mais procuram formas de deixar o país, geralmente rumo aos Estados Unidos, em busca de uma vida melhor. A manutenção de práticas ambientais predatórias que destroem a natureza são também reflexo do ciclo de impunidade na Guatemala.
As mudanças climáticas dificultam ainda mais esses desafios ambientais. De acordo com um estudo recente publicado pela Nature, a perda de florestas na América Central associada à crise climática pode gerar prejuízos econômicos de até US$ 314 bilhões por ano até o fim do século.
“A situação já é bastante precária sem os efeitos das mudanças climáticas”, diz Maas. “Quando essa variável é acrescentada, a questão se torna muito mais crítica”.
Propostas de políticas ambientais
Para enfrentar as múltiplas crises ambientais na Guatemala, o Semilla propôs, em seu plano de governo, um conjunto de políticas voltadas ao tema. Isso inclui o investimento de quase US$ 900 milhões na conservação de florestas e áreas protegidas do país, visando proteger também os manguezais costeiros, que ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas — diminuindo, por exemplo, a intensidade dos furacões quando tocam terra firme.
No plano, o Semilla diz que também espera fortalecer as comunidades que dependem dos recursos naturais, por meio, por exemplo, do ecoturismo. Além disso, há promessas para ampliar as terras e florestas comunitárias dos povos indígenas.
Essas iniciativas representariam “um investimento massivo”, diz Patricia Orantes Thomas, especialista em meio ambiente e deputada eleita pelo Semilla nestas eleições. “Isso gera ganhos ambientais, na produção de água e na mitigação e proteção contra as mudanças climáticas, mas também gera ganhos econômicos, porque haverá pessoas envolvidas na restauração e gestão das florestas”.
O partido de Arévalo também promete lidar com a impunidade em relação aos crimes ambientais na Guatemala. Orantes diz que, se eleito, o governo do Semilla tentará modificar essa legislação, começando com uma nova abordagem contra a contaminação das águas e o desvio dos cursos de rios pela iniciativa privada, problema agravado na última década.
Do outro lado do ringue, Sandra Torres e a UNE não apresentaram propostas claras para o meio ambiente. A negligência sobre o tema tem sido a postura adotada nos últimos anos pelo partido — uma legenda originalmente social-democrata, mas atualmente com uma posição conservadora. O partido governou o país sob o comando de Álvaro Colom (2008-2012) e foi alvo de acusações de corrupção.
“Infelizmente, a Unidade Nacional de Esperança não aborda questões relacionadas ao meio ambiente em seu plano”, observa Elvis Caballeros, pesquisador de risco climático da Universidade Rafael Landívar. “Não há nenhuma proposta, eles não dão prioridade a isso”.
Se Arévalo e Semilla conquistarem a presidência em 20 de agosto, enfrentarão um Congresso dominado por partidos tradicionais, já que a legenda só conquistou 23 das 160 cadeiras no Legislativo.
Embora com um desempenho melhor do que nas eleições de 2019, o Semilla precisará construir muitas alianças se quiser governar — algo que, aparentemente, não deve ser um problema. “A maioria dos parlamentares eleitos não segue diretrizes político-ideológicas de seus partidos”, diz Orantes sobre seus futuros colegas. “Eles respondem a seus próprios interesses. Isso é muito triste para nosso sistema político”.
A deputada eleita, porém, explica qual será a postura de seu partido: “Queremos construir pontes com o maior número possível de [congressistas] dispostos a travar as batalhas que a população deseja”.
