Natureza

Esforços para restaurar o solo criam raízes na América Latina

Em uma das regiões com maior degradação de terra, iniciativas de governos e organizações ambientais buscam controlar e reverter os danos
<p>Agricultora trabalha em terras da Ejido Verde, uma empresa sustentável de resina de pinheiro, em Michoacán, México. A empresa faz parte da Iniciativa 20&#215;20, um projeto presente na maioria dos países da América Latina que busca recuperar 50 milhões de hectares até 2030 (Imagem: Ejido Verde)</p>

Agricultora trabalha em terras da Ejido Verde, uma empresa sustentável de resina de pinheiro, em Michoacán, México. A empresa faz parte da Iniciativa 20×20, um projeto presente na maioria dos países da América Latina que busca recuperar 50 milhões de hectares até 2030 (Imagem: Ejido Verde)

As mudanças no uso da terra em campos, florestas e áreas úmidas devido à expansão agrícola com uma má gestão levou à degradação de grande parte das terras produtivas do mundo, o que afeta sua capacidade de produzir alimentos e oferecer demais serviços.

De acordo com a ONU, as atuais abordagens de gestão de uso da terras ameaçam metade da produção econômica mundial estimada em US$ 44 trilhões.

A América Latina é uma das áreas mais afetadas. A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) observa que a região está presa em um “círculo vicioso de superexploração e degradação da terra, aumento da demanda produtiva, maior pobreza, insegurança alimentar e migração”.

Apesar disso, existem tecnologias e estratégias de restauração para evitar a erosão de áreas ainda produtivas — e até mesmo recuperar o que foi perdido. Diversos governos e organizações da América Latina já estão testando e buscando tais iniciativas. Elas incluem planos de governança para a restauração de milhões de hectares de terra, campanhas para uma agricultura menos dependente de insumos químicos e a promoção de práticas regenerativas da terra.

Degradação da terra na América Latina

A degradação da terra é uma mudança na saúde do solo que resulta em uma diminuição de sua capacidade produtiva, comumente causada por más práticas. Segundo a UNCCD, existem mais de dois bilhões de hectares de terras degradadas no mundo, dos quais 14% estão na América Latina.

A maior parte das terras degradadas na região é resultado do desmatamento e da superexploração do solo. As terras agrícolas sob maior pressão estão no Nordeste brasileiro, no Gran Chaco — bioma que abrange o norte da Argentina, Paraguai, Bolívia e Brasil — e na região central do Chile, entre outros, de acordo com a UNCCD.

Temos um problema muito sério, com milhões de hectares degradados, uma imensa perda de capital natural

Walter Vergara lidera a Iniciativa 20×20, projeto regional que visa restaurar 50 milhões de hectares até 2030, abrangendo a maioria dos países da América Latina e reunindo governos, investidores privados e organizações técnicas. Foi lançada em 2014 e já opera em mais de cem projetos que compreendem 23 milhões de hectares da região, tanto na restauração quanto na conservação do solo.

“A nível regional, temos um problema muito sério, com milhões de hectares degradados, uma imensa perda de capital natural”, disse Vergara, explicando que isto se deve a más práticas agrícolas e de exploração florestal, garimpo e infraestrutura mal planejada.

Para resolver isso, a iniciativa busca seis estratégias: reflorestamento natural ou assistido, introdução de agroflorestas, restauração de pastagens pelo manejo sustentável da pecuária, silvopastagem — a criação de animais em áreas com cobertura vegetal —, agricultura de baixo carbono e conservação do que ainda não foi degradado.

Restauração no Chile

Em 2015, a UNCCD concordou em combater a desertificação e restaurar a terra com metas nacionais baseadas no nível de erosão em cada país, visando alcançar a neutralidade da degradação da terra até 2030.

chile drought
Saiba mais: Chile busca garantir direito à água em meio a grave seca

O Chile, país que foi atingido pela seca por mais de uma década, está avançando com uma estratégia nacional para a restauração de terras degradadas. Isto foi criado por um processo participativo, como explicou Emilia Undurraga, agrônoma e ministra da Agricultura do país até março, ao Diálogo Chino.

“O problema da erosão no Chile é profundo: cerca de 80% do país têm algum grau de risco de degradação, e cerca de 20% têm alto ou muito alto risco de desertificação”, explicou Undurraga, acrescentando que a zona central do país é a mais afetada por seca e incêndios, tendo visto mudanças significativas no uso da terra pelas atividades humanas.

Neste contexto, o Chile desenvolveu seu plano nacional de restauração da paisagem nos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, publicado no final de 2021. O plano, disse Undurraga, “tem metas muito concretas”, como a restauração de um milhão de hectares até 2030.

“Não se trata apenas de restaurar o que foi perdido, mas de encontrar uma forma de proteger a terra com melhor governança, maior atuação governamental, financiamento e estratégias específicas de prevenção e redução da degradação, com a participação de atores públicos, privados, da sociedade civil e academia”, disse Undurraga.

Agroecologia na Argentina

Após décadas de agricultura intensiva, pecuária e mudanças no uso da terra, a degradação é muito evidente na Argentina. De acordo com o relatório do Ministério do Meio Ambiente de 2020, da área total de 270 milhões de hectares de terra na Argentina, cem milhões de hectares são afetados pela erosão, com uma taxa de aumento de cerca de 2 milhões de hectares por ano. O plantio de uma ou duas culturas — notadamente a soja — sem rotação, o uso agrícola intensivo e o avanço da fronteira agrícola estão entre os fatores que têm contribuído para isso.

Beatriz Bonel, agrônoma especializada em ciências do solo da Universidade Nacional de Rosário, explicou que os três aspectos básicos do solo — sua condição física, química e biológica — foram impactados na Argentina, com a terra sofrendo com a escassez de nutrientes, compactação e perda de matéria orgânica.

O que é agroecologia?

É uma abordagem que aplica princípios ecológicos à produção agrícola, com o objetivo de reduzir seus impactos ambientais. As práticas incluem diversificação de culturas, uso de insumos biológicos e lavoura de menor impacto, entre outras

“Existem tecnologias para retardar alguns processos e reverter outros, e há também uma mudança geracional com novos atores. Os jovens estão entrando com uma mentalidade diferente que incorpora as variáveis ambientais”, explicou Bonel.

Um desses novos atores a que Bonel se refere é a Rede de Municípios para a Agroecologia, criada em 2016 e que agora reúne 40 localidades argentinas e 200 produtores que trabalham em mais de cem mil hectares, todos com uma abordagem agroecológica. O agrônomo Eduardo Cerdá, um de seus fundadores, destacou a importância de promover um modelo de produção “emancipatório”, que desvincule os produtores dos custos dolarizados dos agroquímicos e das sementes.

“A agroecologia é um paradigma onde o equilíbrio e a saúde prevalecem”, afirmou Cerdá. “Não devemos esquecer que nos últimos 20 anos, cem mil pequenos e médios produtores deixaram de trabalhar na Argentina”, explicou ele, indicando que muitos não conseguiram competir com o agronegócio, e alguns viram suas terras se tornarem improdutivas.

Agricultura regenerativa no Brasil

A iniciativa Adapta Sertão é uma coalizão de organizações que promovem estratégias de regeneração ambiental para pequenos agricultores no semiárido nordestino.

vacas em um prado verde
Saiba mais: O que é agricultura regenerativa?

Daniele Cesano, diretora do grupo Adapta, explicou que a erosão do solo é um problema sério em várias áreas do Brasil e é causada principalmente pelo modelo agrícola extensivo: “Estamos enfrentando um processo muito acelerado de erosão e desertificação. Nossa resposta é a agricultura regenerativa, que evita a monocultura e busca a diversificação”.

O leque de estratégias usadas com os pequenos produtores inclui sistemas agroflorestais e melhorias na fertilidade do solo através de culturas de cobertura (plantas que protegem o solo) e fertilizantes biológicos. A isto se somam gestão, conhecimento e financiamento.

“Queremos profissionalizar o trabalho, queremos que os produtores sejam informados e treinados. Queremos passar da agricultura de insumos para a gestão e a agricultura de processo. Essa é a melhor maneira de cuidar do solo”, disse Cesano.

Projetos no Gran Chaco

O Gran Chaco é uma das mais ameaçadas regiões florestais da América Latina. Um projeto gerenciado pela Fundação ProYungas, da Argentina, em parceria com a Associação Argentina de Produtores de Semeadura Direta (Aapresid) e a Fundação Bertoni, do Paraguai, busca promover uma cadeia de fornecimento de soja sustentável e livre de desmatamento. Ele é baseado em dois eixos: boas práticas agrícolas e a conservação e restauração da vegetação nativa.

Vista aérea de uma escavadeira desmatando no Gran Chaco, em Chaco, Argentina.
Saiba mais: Gran Chaco: bioma pode fornecer alimentos e conter desmatamento?

Alejandro Brown, presidente da ProYungas, disse que é necessário estabelecer um “planejamento da terra mais eficiente” para melhorar as práticas pecuárias e expandir o sistema silvipastoril.

“Partimos do conceito de uma paisagem produtiva protegida, um modelo de manejo da terra em escala, que integra a produção com a conservação e os serviços ecossistêmicos, em um contexto de sustentabilidade ambiental e social”, explicou Brown.

Dada sua experiência em campo, a Aapresid está contribuindo com a metodologia do projeto, ajudando produtores a colaborar com os cientistas em modelos de produção sustentável. As ações serão aplicadas em cinco sítios-piloto no Gran Chaco, cobrindo uma área de cerca de 50 mil hectares.