A febre amarela já chegou na Bolívia, Peru e Colômbia. A confirmação é da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), que havia alertado sobre a possibilidade de a doença ultrapassar a fronteira brasileira para os países vizinhos, especialmente aqueles com ecossistemas similares. A razão é que os macacos são hospedeiros do vírus da febre amarela silvestre, que é transmitida para os humanos pelo mosquito Haemagogus, que vive na mata. Portanto, as fronteiras com o mesmo tipo de ecossistema possibilita a movimentação do mosquito.
O Brasil vive um surto de febre amarela bem superior aos que costumam acontecer em ciclos de sete anos. Já foram confirmados 295 casos da doença no país com 101 mortes confirmadas. Ao todo, foram notificados 1.345 casos suspeitos de febre amarela. O receio tanto do governo brasileiros quanto da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a febre amarela atinja as grandes cidades e passe a ser transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Os grandes centros continuam infestados por esse mosquito também responsável pela transmissão de doenças como dengue, zika e chicungunha.
Os vírus transmitidos por mosquitos recentemente ganharam a atenção mundial, que se voltou principalmente para o Brasil devido ao fato de o país ter sido sede de dois mega eventos esportivos: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Nos dois eventos, a dengue e o zika, respectivamente, foram considerados ameaças aos turistas. Agora que os vírus estão disseminando para países vizinhos, somos forçados não só a tentar conter sua propagação, mas também a questionar o porquê disso estar acontecendo.
Nas últimas décadas, especialistas em saúde de vários países observaram mudanças na distribuição dos vírus carregados por mosquitos, incluindo o chikungunya, o zika e a dengue. Na Austrália, por exemplo, vem acontecendo um aumento na frequência das epidemias de dengue na região tropical de Queensland desde o início dos anos 90. Os casos de encefalite japonesa nas Ilhas do Estreito de Torres, em 1995, também chamaram bastante a atenção local.
Toda vez que um vírus transmitido por mosquito aparece em um local novo, ou com maior frequência, especula-se sobre a possibilidade de ser causado pelas mudanças climáticas. Isso acontece porque o clima tem uma relação bem conhecida com a biologia e a ecologia do mosquito vetor. Além disso, sabemos que o clima também causa outros impactos que podem alterar os riscos de infecção humana.
O trabalho seminal desenvolvido pelo epidemiologista australiano Tony McMichael, além de muitos outros pesquisadores e profissionais, aumentou a conscientização global a respeito dos impactos das mudanças climáticas na saúde humana. Em 2015, o relatório sobre saúde e mudanças climáticas da Comissão Lancet chamou ainda mais atenção para a questão, argumentando que ela representava a “maior oportunidade em saúde global do século XXI”. As organizações médicas de todo o mundo, incluindo a Associação Médica Britânica e o Colégio Real Australiano de Médicos reconheceram a importância das mudanças climáticas, tanto como uma ameaça como uma oportunidade, para a melhoria e a proteção da saúde.
Isso nos leva a perguntar se as mudanças globais no clima são uma das causas, ou mesmo a principal causa, das dramáticas modificações que vêm sendo observadas na ecologia e na epidemiologia das doenças transmitidas por mosquitos nas últimas décadas – incluindo o recente surto de febre amarela no Brasil. Esta é uma pergunta extremamente difícil de responder e talvez não seja a pergunta mais importante.
Estudos de campo sobre uma variedade de vírus transmitidos por mosquitos já demonstraram, de forma repetida, que as alterações nos padrões de chuva, da temperatura e dos fatores biológicos têm relação com a distribuição de doenças em humanas. Sendo assim, é implausível que possam ocorrer mudanças no clima global sem que isso também altere a epidemiologia das doenças transmitidas por mosquitos.
No entanto, outros fatores, incluindo desmatamentos e a disponibilidade de vacinas (no caso da febre amarela), têm um impacto significativo que determina o risco de ocorrência de doenças. Para cada doença e em cada cenário epidemiológico, um conjunto diferente de fatores físicos e bióticos afeta a frequência de doenças. Estes fatores podem incluir, por exemplo, as viagens humanas, que foram um dos fatores determinantes da incidência da dengue, ou o número e a distribuição dos cangurus no caso do vírus australiano Ross River.
Estes fatores, juntamente com as dificuldades práticas que encontramos quando tentamos medir a incidência de uma doença e os parâmetros climáticos, tornam difícil determinar o nível de influência das mudanças climáticas na incidência de doenças transmitidas por vetores. As mudanças climáticas são, sem dúvida alguma, um dos fatores que modificam a epidemiologia de doenças, mas quantificar esse impacto não é tão simples e direto assim.
Outros fatores importantes incluem o desmatamento e a urbanização. Para questões relacionadas à saúde, assim como acontece na economia e na segurança, precisamos continuar agindo juntos, globalmente, para reduzir as emissões, limitar o aquecimento do planeta e reagir aos efeitos das mudanças climáticas na nossa sociedade.
O professor Tony McMichael, defensor da engenhosidade humana como forma de encarar os desafios das mudanças climáticas, escreveu em Climate Change and the Health of Nations (Mudanças Climáticas e a Saúde das Nações), seu último livro, publicado postumamente: “A nossa espécie jamais foi colocada à prova de forma coletiva e global como está sendo colocada agora. A engenhosidade e a imaginação humana podem florescer como jamais floresceram antes”. McMichael também apontou para o trabalho de Alfred Russell Wallace, naturalista que foi o contemporâneo mais jovem de Darwin, que escreveu sobre as suas experiências muitas vezes dolorosas na Amazônia e afirmou que é a luta pela existência que exercita as nossas faculdades morais e que libera as nossas faíscas latentes de gênio.
“Se conseguirmos aprender com o passado, entender o presente e imaginar um futuro melhor e mais sustentável, poderemos suscitar tais faíscas para impulsionar ações corretivas e iluminar o caminho para uma forma mais sustentável de viver em um planeta finito”, escreveu McMichael.