Na Semana das Matérias-Primas da Comissão Europeia, realizada entre 17 e 21 de novembro em Bruxelas, na Bélgica, os minerais críticos foram o grande destaque: o fórum europeu discutiu a formulação de políticas específicas para esses minérios, que sustentam, em grande medida, a transição energética do Norte Global. Representantes de governos, empresas, universidades e organizações internacionais discutiram como garantir o suprimento de lítio, cobre, níquel e outros minerais cruciais para a transição.
Por trás dos debates sobre novas frentes da mineração, há um grande problema: os custos socioambientais dessa atividade recaem sobre o Sul Global, principalmente a América Latina, região que abriga algumas das maiores reservas minerais.
A mineração já invade ecossistemas extremamente frágeis, como as áreas úmidas andinas e paisagens formadas por lagos, lagoas, prados e salinas altiplânicas de Argentina, Bolívia e Chile. Esses territórios são fundamentais para a regulação da água e do clima, essenciais tanto para a adaptação aos impactos das mudanças climáticas quanto para a mitigação dos gases de efeito estufa e a conservação da biodiversidade.
Em muitos casos, são ainda lares ancestrais de grupos indígenas que dependem diretamente deles para sua subsistência e para a preservação de sua identidade cultural.
A crescente extração de lítio — cujas reservas conhecidas se concentram no Triângulo do Lítio, entre Argentina, Bolívia e Chile — afeta frontalmente esses ecossistemas. A atividade já provoca a perda de biodiversidade, degradação ambiental e pressão sobre a já limitada disponibilidade de água.
Ao mesmo tempo, acumulam-se evidências de violações aos direitos de comunidades indígenas, cujos modos de vida — e os das gerações futuras — são ameaçados pela expansão desses projetos. Povos indígenas denunciam ataques à autodeterminação e ao direito à consulta livre, prévia e informada, enquanto seguem conservando seus ecossistemas há gerações.
A falta de instrumentos de gestão ambiental para as áreas úmidas andinas, de estudos aprofundados sobre os impactos de longo prazo da mineração de lítio e de análises socioambientais robustas agrava os conflitos e aprofunda as desigualdades na região.
A crescente corrida global por minerais críticos ocorre em um contexto de crise climática e ecológica, assim como de fragilização dos sistemas democráticos e retrocessos na defesa dos direitos humanos. Somado a isso, avança uma tendência mundial de flexibilização dos sistemas de licenciamento e fiscalização ambiental, favorecendo a mineração.
A edição mais recente da Semana das Matérias-Primas foi a que menos avançou na incorporação de direitos humanos às políticas minerais europeias. A participação foi restrita, com pouco espaço para que comunidades e organizações do Sul Global apresentassem suas perspectivas sobre os impactos da mineração de lítio, que as afetam diretamente. Em vez disso, a agenda priorizou oportunidades de investimento para empresas e governos.
É fundamental que os debates sobre minerais adotem uma perspectiva intercultural, centrada nos direitos humanos e nos limites planetários. Isso envolve reduzir a demanda por minerais no Norte Global, assegurar a participação efetiva da sociedade civil e respeitar plenamente o direito das comunidades indígenas à consulta livre, prévia e informada, inclusive o direito de dizer “não” a atividades que ameacem seus territórios.
A União Europeia deve garantir a máxima transparência e cumprir suas obrigações internacionais de respeito aos direitos humanos. Também precisa resistir a tentativas de enfraquecer normas essenciais, como a Diretriz de Due Diligence para a Sustentabilidade Empresarial, de 2024, exigindo que empresas sigam as melhores práticas para prevenir impactos sobre os direitos humanos e o meio ambiente em suas cadeias de valor.
Uma transição energética verdadeiramente justa não pode ser construída com base na violação aos direitos humanos ou na destruição de ecossistemas. As áreas úmidas andinas, os povos que as habitam e os territórios do Sul Global devem ser ouvidos e respeitados. Não pode haver uma transição justa sem justiça socioambiental.
