Natureza

Surfistas lideram onda de conservação costeira na América Latina

Atletas, cientistas e comunidades pesqueiras buscam proteção legal para áreas de surfe em países como Peru, Chile e Equador
<p>Surfistas em Punta de Lobos, região central do Chile. O local foi transformado em uma Reserva Mundial de Surfe após uma iniciativa comunitária (Imagem: Matias Basualdo / ZUMA Press Wire / Alamy)</p>

Surfistas em Punta de Lobos, região central do Chile. O local foi transformado em uma Reserva Mundial de Surfe após uma iniciativa comunitária (Imagem: Matias Basualdo / ZUMA Press Wire / Alamy)

Do mar quente da zona tropical às águas frias do sul, surfistas e cientistas sul-americanos reivindicam mudanças legais para proteger as ondas na costa do Pacífico.

Em outubro, o Chile aprovou uma lei que protege as zonas de rebentação — também conhecidas como zonas de surfe. O Equador caminha na mesma direção: um projeto de lei para proteger as ondas tramita no Congresso. Ambos os países tentam seguir o exemplo do Peru, que criou o precedente regional há 25 anos.

O que começou como uma reivindicação de surfistas para preservar as áreas de prática do esporte agora toma a forma de um movimento regional para reconhecer o valor ecológico, cultural e econômico das zonas de rebentação.

Por que proteger as ondas?

Para a bióloga marinha e surfista equatoriana Karla Jaramillo, proteger as ondas é essencial para conservar os ecossistemas costeiros. Esses ambientes são tão frágeis que mesmo intervenções mínimas, como a construção de um píer ou quebra-mar, podem alterar as ondas aproveitadas por surfistas e o habitat natural de espécies marinhas.

“Os surfistas somos os primeiros a perceber essas mudanças porque frequentamos esses espaços”, disse Jaramillo ao Dialogue Earth.

O papel das ondas no ambiente costeiro é comparável ao das plantas em zonas úmidas ou florestas tropicais. Elas moldam a paisagem e regulam o ecossistema.

Como a ação humana pode alterar uma onda

As ondas são um componente essencial da movimentação da água ao longo da costa e, portanto, um fator importante na formação do leito marinho, da linha costeira e da vida que ali existe.

A formação de ondas ideais para a prática do surfe depende das características do leito marinho, como recifes e bancos de areia, e da forma como a água interage com o vento, a maré e as correntes locais.

Elas podem ser drasticamente alteradas por construções — como quebra-mares, instalações portuárias e aterros — que mudam a forma do leito marinho, da costa ou do movimento da água. Se a altura, a duração ou a forma das ondas forem alteradas, isso muda as condições para os surfistas.

Jesse Reiblich, professor do Departamento de Assuntos Marinhos na Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, explicou que as ondas têm sido historicamente ignoradas nas políticas de proteção ambiental, mas nos últimos anos surfistas têm liderado um movimento crescente para defendê-las.

Em 2010, a Política Costeira da Nova Zelândia estabeleceu a proteção das zonas de surfe. Já o estado americano da Califórnia está debatendo a criação de reservas estaduais de surfe, complementando uma lei de 1976 que garante o acesso público à costa.

Na América Latina, o Peru foi o primeiro a dar esse passo no ano 2000. Desde então, outros países criaram seus próprios sistemas. “É interessante ter um marco legal para a proteção exclusiva das ondas de surfe e ver como cada país adapta isso”, disse Reiblich.

Na onda do Peru

No fim da década de 1990, um grupo de surfistas peruanos se organizou para reivindicar mais proteção às áreas de prática do esporte. Em 1983, a construção de uma estrada afetou a praia de La Herradura; e, no fim daquela década, um píer em Cabo Blanco foi construído justamente na zona de rebentação.

Com sua Lei de Preservação das Zonas de Rebentação para a Prática Esportiva, o Peru foi pioneiro regional na proteção das áreas de surfe. A lei estabeleceu que as ondas podem ser protegidas de atividades que danifiquem as zonas de rebentação, alterem o leito marinho ou mudem as correntes.

Embora a lei tenha sido aprovada em 2000, a regulamentação para colocá-la em prática só foi criada em 2013 — um ano antes de o país sediar os Jogos Mundiais de Surfe.

Desde então, a campanha Hazla por tu Ola (“Faça pela sua onda”, em português) tem usado a legislação peruana para proteger mais de 30 zonas de rebentação.

A campanha reúne financiamento de empresas, atletas e cidadãos para realizar os estudos usados no registro de um “pico” de surfe como área protegida pela lei peruana. Para isso, é necessário registrar e enviar detalhes sobre as ondas, a topografia subaquática, as características do litoral e a biodiversidade.

A iniciativa foi crucial para aumentar a conscientização sobre a importância de cuidar das ondas e fortalecer a legislação, disse a coordenadora da campanha, Carolina Butrich, ex-campeã nacional de windsurfe.

Carolina Butrich, ex-campeã peruana de windsurf
Carolina Butrich, ex-campeã peruana de windsurf, afirmou que a campanha Hazla por tu Ola foi fundamental para fortalecer a legislação peruana dedicada à conservação das ondas (Imagem: Walter H. Wust)

A implementação da lei não foi fácil, observou Butrich, em parte porque o conceito de proteção das ondas era algo difícil de explicar. Quando foi aprovada em 2000, a lei não tinha um órgão diretamente responsável por sua implementação.

Isso levou anos para ser definido. Por fim, a Marinha peruana ficou encarregada de avaliar as informações para a inclusão de novas ondas no registro e fiscalizar o cumprimento da lei.

Chile entra na onda

O exemplo do Peru também inspirou mudanças legais em comunidades de surfistas de outros países.

“Após ver o que aconteceu no Peru – e perceber que era possível proteger legalmente uma onda –, começamos a pensar em como proteger as ondas aqui”, disse Ramón Navarro, surfista de ondas gigantes e uma das figuras mais destacadas na defesa das ondas no Chile.

Navarro cita sua cidade natal de Punta de Lobos, na região central do Chile, como um exemplo de conservação costeira comunitária. Para proteger suas ondas, ativistas compraram um grande terreno à beira-mar, e Punta de Lobos se tornou uma Reserva Mundial de Surfe em 2017.

A criação dessas reservas é uma iniciativa do projeto Save The Waves (“Salve as Ondas”, em português), coalizão de organizações que visa proteger os ecossistemas de surfe em todo o mundo. No caso de Punta de Lobos, a cidade virou um modelo de como o ativismo local e as organizações internacionais podem unir esforços para proteger os ecossistemas costeiros.

Esse sucesso foi promovido localmente, e não por leis nacionais. “Não existe uma maneira única de proteger uma onda”, concluiu Navarro.

Porém, a comunidade surfista do Chile queria avançar ainda mais na proteção desses espaços. Graças à pressão de atletas, ativistas e cientistas, o país aprovou uma lei com proteções semelhantes à do Peru e atribuiu à Marinha chilena a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento da lei.

Conforme a nova lei chilena, qualquer construção que comprometa uma onda protegida deve passar por estudos prévios. Na maioria dos casos, essas obras devem ser proibidas para evitar danos. O texto legal obriga o Ministério do Esporte do Chile e os governos regionais a identificar e conservar os locais de surfe, além de exigir relatórios técnicos sobre a topografia e o impacto de qualquer intervenção na biodiversidade local.

“Esta é uma ótima notícia. Mas o trabalho mais difícil ainda está por vir: a implementação da lei”, alertou Navarro.

Equador entra na lista

A defesa das ondas no Equador começou em 2019, quando um projeto para construir um quebra-mar na província de Santa Elena, no sudoeste do país, chamou a atenção de surfistas locais. Eles temiam que a obra alterasse a dinâmica das ondas que davam vida à sua praia.

A partir daí nasceu um coletivo internacional formado principalmente por surfistas, inspirado no modelo peruano: o Mareas Vivas (“Marés Vivas”, em português). O grupo buscou assessoria jurídica e uniu esforços com a Federação Equatoriana de Surfe para formular propostas legais que estão sendo discutidas no Congresso do país. A esperança é oferecer uma proteção semelhante às leis do Peru e do Chile.

Carolina Butrich apresentou o caso peruano à Assembleia Nacional do Equador.

Cecilia Torres, uma das coordenadoras do Mareas Vivas, disse que percebeu uma mudança na opinião pública após o primeiro debate legislativo, em agosto de 2025. “Mais pessoas começaram a entender a importância das ondas, não apenas do ponto de vista ambiental ou cultural, mas também como parte essencial do ecossistema costeiro”, explicou. “Há tantos aspectos a serem considerados… desde a formação do litoral e a dinâmica ecológica até o impacto econômico”.

O projeto de lei deveria ter passado por uma nova discussão na Assembleia Nacional em novembro, mas o novo debate foi adiado devido à instabilidade política no Equador.

Enquanto isso, a organização Mareas Vivas pressiona o Legislativo para que o segundo debate seja remarcado logo. “Uma lei é inútil se não a aplicarmos”, disse Torres.

Hora de surfar

Beatriz Aguirre, integrante da fundação Corriente a Favor (“A Favor da Corrente”, em português) e da Mareas Vivas, explicou que uma única onda pode transformar a economia de uma comunidade.

Aguirre cita o caso de Lobitos, no noroeste do Peru, onde o surfe gera US$ 3,6 milhões anualmente para a economia local, de acordo com a Save The Waves. Para ela, proteger as ondas impulsiona o turismo, mas também se torna uma ferramenta para a conservação marinha, combinando o valor ecológico e financeiro das ondas.

Surfista entra no mar em Lobitos, Peru
Surfista entra no mar em Lobitos, Peru, onde o esporte gera cerca de US$ 4 milhões anuais, segundo a Save The Waves (Imagem: Javier Larrea)

Essas iniciativas estão redefinindo a relação dos países com o mar, transformando a energia e o movimento do oceano em um bem comum para a proteção legal. Os casos de Peru, Chile e Equador estão sendo observados de perto por outros países, como o México, onde ativistas buscam replicar o modelo.

À medida que o desenvolvimento costeiro aumenta, também aumentam os riscos de interferência nos sistemas oceânicos, alertou o oceanógrafo Willington Rentería, da Universidade do Sul da Califórnia. De acordo com ele, empreendimentos como o de La Herradura, que inspirou a mobilização para a proteção das áreas de surfe no Peru, estão se repetindo em praias de toda a América Latina.

“O mar não pode ser controlado”, disse Rentería. “Proteger as ondas também significa proteger as comunidades”.

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