No tumultuoso cenário dos bancos multilaterais de desenvolvimento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) se destaca por ter uma das reputações mais fortes entre os mutuários e comunidades locais. Neste verão, porém, a reputação do banco foi seriamente abalada devido ao rompimento da barragem de Ituango, localizada na província de Antioquia, norte da Colômbia. O acidente levou 25 mil pessoas a evacuarem a região e colocou em risco pelo menos uma dúzia de comunidades que vivem a jusante da barragem.
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túnel de Hidroituango pic.twitter.com/9W2Qp1Vkgv— Noticias Caracol (@NCAntioquia) 16 May 2018
A tragédia serviu para mostrar o quanto é importante estender os mecanismos de proteção do BID para todos os financiamentos ligados ao banco, uma vez que eles têm como objetivo proteger as comunidades dos impactos dos projetos e são, de forma geral, considerados robustos. Além disso, os parceiros financeiros e os países mutuários devem se responsabilizar pelo próprio processo de devida diligência caso a outra parte não o faça.
O BID é uma instituição tradicional de concessão de empréstimos para governos estrangeiros. O BID Invest, por outro lado, é resultado de uma aposta no setor privado da América Latina. Ao inaugurar um novo escritório, Luis Alberto Moreno, presidente do BID, declarou: “Se você tem uma ideia ousada, venha conversar conosco. Se quiser entrar em mercados precariamente atendidos, ligue para nós. E se você é o tipo de empresa que assume grandes riscos em setores como o de energia, transportes ou agronegócios, então somos o parceiro que você quer do seu lado”.
Quando ficar pronto, o Hidroituango terá uma capacidade instalada de 2.400 MW e será a primeira megabarragem da Colômbia.
Infelizmente, não ficou claro se o BID Invest adotou os mecanismos de proteção da sua instituição mãe, uma vez que não alterou seu plano de mitigação de riscos para os projetos de maior risco.
Megabarragem na vitrine
A barragem de Ituango, popularmente conhecida como Hidroituango, era para funcionar como uma espécie de vitrine para as novas parcerias. Ela foi o resultado de uma colaboração entre o Grupo BID, o Fundo Chinês de Co-financiamento para a América Latina e o Caribe (administrado pelo BID Invest), bancos comerciais internacionais e investidores institucionais. Ao “misturar” diferentes tipos de investidor, o BID Invest conseguiu atrair um total de US$1 bilhão em financiamentos. O projeto é ambicioso. Quando ficar pronto, o Hidroituango terá uma capacidade instalada de 2.400 MW e será a primeira megabarragem da Colômbia.
O empreendimento também tem uma importância simbólica, pois representa um passo adiante na fase pós-acordo de paz na Colômbia. A cidade de Ituango serviu como um campo de batalha importante na guerra civil da nação, que durou cerca de 60 anos, e foi atacada e depois tomada pelas FARC. Em 2016, Ituango foi um dos 20 locais onde os guerrilheiros das FARC se reuniram para se desarmarem, depois de décadas de um conflito interno que destruiu grande parte da infraestrutura do país. Agora, a cidade passará a abrigar a maior barragem hidrelétrica da Colômbia, gerando eletricidade para uma nação que se esforça para alcançar a paz.
No entanto, a barragem não foi aceita por todos. Em 2013, as FARC e o Exército de Libertação Nacional (ELN), outro grupo guerrilheiro de esquerda, assinaram um acordo mútuo comprometendo-se a fazerem oposição ao projeto. Seus planos incluem uma exigência para a “restituição de padrão de vida” de 474 famílias que foram deslocadas, através do pagamento de uma indenização. A empreiteira Empresas Públicas de Medellín (EPM) cumpriu as exigências dos mecanismos de proteção da Corporação Interamericana de Investimento (CII, que foi a primeira iteração da BID Invest) e realizou consultas públicas junto às comunidades afetadas, embora apenas um grupo pequeno de pessoas tenha participado.
Queixas
Desde o colapso da barragem, as comunidades de oito das 12 cidades afetadas se reuniram para apresentarem uma queixa formal através do Mecanismo Independente de Consulta e Investigação (MICI), que atende tanto o BID como o BID Invest, alegando duas deficiências graves nos planos da barragem.
Primeiro, as comunidades afirmaram que a avaliação de impacto ambiental (AIA) do projeto não foi submetida a um número suficiente de consultas públicas e, segundo, destacaram o fato de que não foi utilizada uma abordagem para avaliar os impactos cumulativos do projeto, o que levaria em conta os efeitos incrementais das ações passadas, presentes e futuras. Isso poderia ter previsto os efeitos em cascata que decorreriam dos riscos naturais e das atividades humanas na estabilidade da barragem e alertar sobre os perigos para o meio ambiente e para as comunidades que vivem a jusante.
O desastre revelou detalhes importantes sobre os mecanismos de proteção utilizados pelo BID Invest no projeto e quem os fiscaliza. O BID Invest afirma que adota os mecanismos de proteção do BID, mas que se baseia nos próprios critérios e conta com a própria equipe. A questão é saber se a equipe responsável aplicou os mecanismos de proteção de modo adequado.
É crucial que a investigação do MICI determine se a equipe do BID Invest aderiu de forma satisfatória à gestão de riscos de desastres e se o BID Invest proporcionou supervisão e apoio técnico durante todo o projeto. Se este fosse um projeto de inteira responsabilidade do BID, a unidade responsável pelos mecanismos de proteção precisaria ter um plano detalhado para classificação e gestão dos riscos de desastres, com supervisão e apoio ao longo do processo.
Neste caso, o desastre foi evitado porque alguns mecanismos de proteção do CII/BID Invest foram observados: o BID Invest aplicou, de fato, um plano de contingência que especificava quais sistemas de alerta de desastre e de evacuação seriam rapidamente acionados. O governo colombiano também desempenhou um papel importante e poupou vidas através da execução do seu plano de contingência.
Lições aprendidas
O caso de Hidroituango destaca duas lições importantes: primeiro, se o BID deseja proteger a reputação e os mutuários, deve exigir que as entidades com as quais mantêm ligações – como o BID Invest e o fundo comum com a China – apliquem os mesmos padrões que ela. Os bancos de desenvolvimento podem ir além das atividades de financiamento para garantir a qualidade dos projeto, agindo com a devida diligência e fornecendo a supervisão técnica necessária durante todo o processo.
Em segundo lugar, sabendo que acidentes podem acontecer em megabarragens mesmo que elas estejam em conformidade com os padrões mais altos, cada ator em um projeto com financiamento conjunto precisa se responsabilizar pelo próprio processo de devida diligência. Os investidores de Ituango aprenderam que tentar jogar essa responsabilidade para outros pode, no fim, mostrar-se uma decisão onerosa e prejudicar a subsistência local, a entrega pontual dos projetos, o meio ambiente e a reputação do BID e das suas filiais.
Um estudo recente do Global Development Policy Center da Universidade de Boston sobre os bancos de desenvolvimento na região da Amazônia andina recomendou a incorporação de sistemas ‘mutuamente reforçantes’ na gestão de riscos ambientais e sociais. O objetivo é fornecer informações mais completas a respeito dos riscos e das recompensas de cada projeto para os parceiros envolvidos. Essas informações não são sempre claras e aqueles que participam desses projetos co-financiados muitas vezes têm motivações diferentes, então cada um pode ter um perfil de risco distinto.
Os bancos de desenvolvimento estão certos em encorajarem os chineses e o setor privado a suprirem as necessidades gigantescas de energia e as lacunas de infraestrutura em todo o mundo, uma vez que isso traz diversos benefícios. Mas também traz novos riscos. Se os riscos não forem devidamente antecipados e mitigados, pode ser que superem os benefícios.