No domingo passado, 4 de fevereiro, El Salvador elegeu um novo presidente, o ex-prefeito de San Salvador, Nayib Bukele, de 37 anos. Ele assumirá o cargo em junho de 2019.
A nação centro-americana, com aproximadamente 6,5 milhões de habitantes, é uma das menores da região e sua produção se concentra, basicamente, em café, açúcar e milho. O país, com aproximadamente 320 km de costa do Pacífico, possui uma indústria pesqueira ativa e ondas que atraem turistas de todo o mundo, mas luta contra altas taxas de homicídios, provocados pelas gangues que dominam bairros inteiros.
Bukele lançou-se como o candidato da mudança em El Salvador onde, nos últimos tempos, o sistema político foi abalado por escândalos de corrupção. “Existe dinheiro suficiente quando ninguém rouba”, dizia um de seus slogans de campanha.
Sua eleição aconteceu seis meses depois que o país rompeu relações diplomáticas com Taiwan para, em seguida, estabelecer relações com a República Popular da China, decisão que gerou dúvidas sobre o futuro das relações entre um dos menores estados da região e a poderosa China.
3,000
toneladas de arroz foram doadas à China pelo governo de El Salvador Sánchez Cerrén
Bukele, cujas principais credenciais políticas incluem cargos como prefeito de duas cidades importantes, inclusive a capital, carece de um nível de experiência significativo em política externa e de um planejamento claro para sua administração. Isso aumenta ainda mais a incerteza sobre o futuro da diplomacia entre os dois países, segundo Mauricio Aparício, professor de Relações Internacionais da Universidade Francisco Gavidia, em San Salvador.
Atualmente, dezessete países reconhecem Taiwan como país e sete deles se encontram na América Central e no Caribe. Porém, desde 2007, quando a Costa Rica rompeu relações com Taiwan, os países da região, um a um, abandonaram sua lealdade em um esforço para atrair investimentos em projetos de infraestrutura. El Salvador foi o último, em agosto de 2018.
Sem um plano claro
Bukele criticou a China por intervir na política interna de El Salvador, ameaçou romper os laços diplomáticos com Pequim e restabelecer décadas de relação com Taiwan, que contribuiu com projetos de desenvolvimento em El Salvador e apoiou estudantes salvadorenhos que foram estudar lá Só que esse rompimento teria um preço internacional muito alto.
“É um assunto delicado”, disse Aparício. “Uma vez que a decisão já foi tomada, restaurar as relações com Taiwan desfaria os elos entre diplomatas chineses e salvadorenhos que ajudaram a negociar o acordo. Não é que não seja possível, mas terá um preço. Esta é a razão pela qual qualquer decisão que envolva o estado, deve ser precedida de consulta”.
Restaurar as relações com Taiwan parece pouco provável, afirmou Aparício. Contudo Bukele, que anteriormente era de um partido de esquerda, a Frente de Libertação Nacional Farabundo Martí (FMLN), mas que se candidatou a presidente com o aval de um partido de centro-direita, é um enigma.
Dentro de seu plano de governo, nas 40 páginas da seção de política externa, não há qualquer menção a China ou a Taiwan. Sua falta de projetos concretos dificulta para os analistas a projeção do que realmente pretende fazer em sua administração. Em parte, a relação emergente dependerá de quem seja escolhido como ministro das Relações Exteriores.
Se as relações diplomáticas entre ambos os países continuarem sendo influenciadas por Bukele, o governo iniciante terá a tarefa de definir essas relações durante a gestão de cinco anos do novo presidente.
A China oferece o desenvolvimento em projetos sociais e de infraestrutura, uma oferta atrativa para muitos países pequenos da América Latina que buscam investimentos. Em novembro de 2018, a China prometeu 150 milhões de dólares a El Salvador, para atender a 13 projetos conjuntos, focando no apoio ao desenvolvimento de projetos sociais e tecnológicos.
Se a associação da China com os países sul-americanos se deve a suas commodities, como os grãos de soja, os metais e os azeites, o vínculo entre os países da América Central e Caribe com a China é um pouco mais difícil de definir, explica Matt Ferchen, um especialista no relacionamento China-América Latina e acadêmico não residente do Centro para a Política Global Carnegie-Tsinghua. Bukele terá que decidir o que vai beneficiar El Salvador nesse contexto, se um mercado para produtos chineses, um novo destino para os turistas chineses, produtos para exportar ou algo completamente diferente.
A resposta dos Estados Unidos
Na medida em que El Salvador continua navegando nessa conexão emergente com a China, também precisa equilibrar seu vínculo com outro de seus importantes sócios: os EEUU.
“Pela proximidade geográfica e pela relação histórica com Taiwan, a partir de uma perspectiva de Washington, estabelecer relações com a China poderia ser visto como uma ameaça”, declarou Aparício. “Os Estados Unidos não podem intervir nas decisões soberanas de El Salvador, mas isso poderia complicar a relação com Washington”.
Se eventualmente os Estados Unidos exercerem sua influência em uma América Latina mais frágil de maneira exploradora, o país também é um sócio importante nos projetos de desenvolvimento. Desde 2015, os Estados Unidos cederam mais de 2,6 bilhões de dólares ao Triângulo do Norte da América Central: El Salvador, Honduras e Guatemala.
Uma pressão forte dos eleitores poderia ajudar Bukele a prosseguir na relação diplomática e comercial com a China. Ele ganhou a presidência com 53% dos votos, superando os candidatos dos dois partidos dominantes do país e evitando um segundo turno das eleições.
“O fator crucial para determinar essas correlações bilaterais será o controle inicial de Bukele sobre o poder. Uma vitória arrasadora vai permitir uma considerável margem de manobra na maneira pela qual governa e permitirá a ele restabelecer as relações com Taiwan, se essa é a sua vontade ”, assegurou Ricardo Barrios, associado do programa no Diálogo Interamericano, especialista no compromisso da China com a região. “Qualquer coisa menos que isso o deixaria à mercê das figuras do establishment e limitaria suas opções tanto em nível nacional como internacional”.
O fato de El Salvador ser pequeno (sua superfície é somente 2% da superfície total da China) não significa que o relacionamento bilateral entre os dois países seja desequilibrado. Outros países da América Central, como Panamá e Costa Rica, puderam posicionar-se como sócios valiosos para a China, mediante a criação de um nicho para eles mesmos. El Salvador pode fazer o mesmo.
A chave para o futuro é pensar de maneira crítica sobre qualquer acordo apresentado pela China para determinar se é sustentável e benéfico para El Salvador, garantiu Ferchen.
“Analisar os detalhes é o que, a seguir, realmente importa”, concluiu Ferchen.