Com dezenas de acordos firmados nos últimos anos, Argentina e China compartilham uma aliança estratégica e uma extensa relação comercial, com exportações e importações de ambos lados e grandes investimentos chineses em diversos setores da economia argentina.
No entanto, a balança comercial entre os dois países é estruturalmente deficitária. Os principais produtos de exportação da Argentina são commodities como grãos e carne, ao passo que os principais produtos importados são manufaturas chinesas de alto valor agregado. Além disso, as exportações argentinas não têm crescido no mesmo nível que as chinesas.
Para lidar com essa situação, a administração do presidente Mauricio Macri criou a Agência de Investimentos e Comércio Internacional da Argentina, uma entidade autárquica de governo formada com o objetivo de atrair investimentos estrangeiros e fomentar as exportações, que voltaram a crescer nos últimos três anos.
Um dos principais alvos da agência é a China, o segundo maior destino de exportações da Argentina. Em entrevista concedida a Diálogo Chino, Alejandro Wagner, diretor geral de comércio internacional, analisa a relação comercial entre Argentina e China, bem como o trabalho realizado desde a eleição de Macri.
Diálogo Chino [DC]: A China é uma oportunidade comercial para a Argentina?
Estamos longe da China em termos de geografia e cultura, porque falamos idiomas diferentes. Mas a China é uma grande oportunidade para a Argentina. Não nos empenhamos tanto na promoção do comércio com outros países como com a China. Oferecemos às empresas argentinas um pacote completo de assistência para que se comece a vender seus produtos na China.
Alejandro Wagner [AW]: É possível reverter o déficit na balança comercial entre os dois países?
Sim, eventualmente. Todos os anos, a China é o nosso segundo ou terceiro maior destino de exportação, mas 98% do que exportamos são commodities. Queremos continuar exportando cada vez mais commodities, mas o emprego na Argentina é gerado pelas pequenas e médias empresas, sobretudo as que vendem valor agregado. Por isso, queremos que essas empresas comecem a exportar para a China.
DC: Quais as áreas de mais sucesso comercial nos últimos anos?
AW: A carne bovina já é um sucesso: a China é nosso principal destino de exportação. Da mesma maneira, tudo vai muito bem com o camarão. Ainda precisamos investir no vinho, mas já há empresas que exportam para a China, assim como o frango. Queremos que os casos de sucesso sirvam para que outros empresários vejam a China como uma oportunidade.
DC: Quais as dificuldades que o empresário argentino encontra para exportar para a China?
AW: O maior desafio é convencer as empresas a exportar para a China. O empresário tem muitos medos. A desinformação cumpre um papel importante aí, porque a classe empresarial não conhece os canais de compra e venda, nem sabe como encontrar a contrapartida para a exportação. A isso se somam a parte logística e a necessidade de financiamento para exportação. A Argentina está atrasada nesse quesito. Queremos abrir os olhos dos empresários para que vejam a China como oportunidade e não como ameaça.
DC: Há oportunidades de mercado para exportar produtos sustentáveis como carne bovina com graus mais baixos de emissão de carbono, ou soja não transgênica?
AW: Temos a obrigação de prover esses produtos. Em alguns casos, a Argentina está preparada; em outros, nem tanto. É parte da nossa agenda exportar produtos com uma pegada de carbono menor e que não afetem o meio ambiente. Comercializar alimentos significa vendê-los de maneira sustentável e responsável. A discussão é a velocidade com que podemos conseguir isso.
DC: A importância da China para a Argentina mudou nos últimos anos, com o estabelecimento de uma relação mais fluida do pais com os Estados Unidos e Europa?
AW: A Argentina precisa ter boas relações com todos, e é isso que está acontecendo. No G20, isso ficou claro. Já assinamos muitos acordos com a China e começamos a exportar novos produtos, como o mirtilo. Não faríamos todos esses esforços comerciais sem apoio do lado político. A prioridade não mudou, a China continua sendo importante.
DC: Qual o interesse dos investidores chineses na Argentina?
AW: A Argentina tem oportunidades de investimento em todos os setores, com diferentes necessidades. Em infraestrutura, a China está muito presente e cumpre um papel importante. O mesmo acontece com energia, como é o caso do depósito de petróleo de Vaca Muerta, ou com energias renováveis. Fizemos várias viagens e recebemos delegações chinesas; o interesse só cresce.
DC: É possível firmar um acordo de livre comércio entre Argentina e China?
AW: Isso não é uma prioridade para nós hoje. O mais importante é começar a exportar novos produtos. Atualmente, a Argentina está negociando um tratado de livre comércio com a Europa, e isso requer muitos esforços. Vamos trabalhar nesse acordo primeiro, enquanto cumprimos a agenda com a China em termos sanitários.
DC: A Argentina é um dos países da América Latina que ainda não firmou a iniciativa do Cinturão e Rota. Isso deve acontecer em um prazo curto?
AW: Deveríamos participar dessa iniciativa em algum momento; é o que a China espera que façamos. É um plano de longo prazo da China em suas relações com outros países, e se a Argentina se somar a esse plano, transmite uma mensagem positiva. Fazer parte dessa iniciativa formalizaria a relação comercial entres os dois países, que é cada vez mais fluida.