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Será que a China está fazendo menos empréstimos à América Latina?

Novos dados mostram que empréstimos chineses sofreram maior queda em uma década e sugerem maior aversão a riscos
<p>Empréstimos chineses para a América Latina diminuíram nos últimos dois anos em comparação com altas recentes (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/44534236@N00/7553666024/">Fuangg’s photos</a>)</p>

Empréstimos chineses para a América Latina diminuíram nos últimos dois anos em comparação com altas recentes (imagem: Fuangg’s photos)

Os maiores financiadores chineses de projetos de desenvolvimento no mundo fizeram o menor número de empréstimos à América Latina em uma década, sinalizando uma postura mais cautelosa do país na região, segundo uma nova pesquisa realizada pelo Diálogo Interamericano e pela Universidade de Boston.

Os cinco empréstimos feitos no ano passado – que, juntos, somaram 7,7 bilhões de dólares –totalizaram mais do que os 6,2 bilhões de dólares concedidos em 2017. Ainda assim, representam um dos valores mais baixos em empréstimos concedidos pelo Banco de Desenvolvimento da China (CDM) e pelo Banco de Exportação e Importação da China (Exim) à América Latina desde 2005, quando as instituições começaram a emprestar para a região. Desde 2008, quando foi realizado um empréstimo único, jamais foram concedidos menos de cinco empréstimos em um ano.

Recipiente de 5 bilhões de dólares, a Venezuela foi o destino de quase dois terços de todos os empréstimos feitos pelos bancos de fomento da China à América Latina em 2018. Por mais de uma década, o país, assolado por crises, já recebeu 67 bilhões de dólares, quase metade de todos os empréstimos do CDM e do Exim concedidos à região.

Além dos mutuários habituais – Venezuela, Brasil, Argentina e Equador –, a República Dominicana também recebeu um grande investimento chinês em 2018, seu primeiro: um pacote de 600 milhões de dólares para financiar projetos de transmissão elétrica. O acordo, que incluiu uma taxa de juros menor do que a habitual, foi assinado depois que os dois países estabeleceram relações diplomáticas em novembro.

Apesar da redução no número de empréstimos concedidos pelos dois bancos, que foram incumbidos de apoiar as metas de desenvolvimento da China em outros países, ainda assim o valor desse apoio financeiro foi maior do que o recebido do Banco Mundial e do Banco de Desenvolvimento Interamericano, conforme os dados revelaram.

Suspeitos usuais

Afundada em uma grave crise, a Venezuela faz parte de um grupo de países latino-americanos que depende do financiamento chinês para enfrentar as crises econômicas que têm abalado as suas economias nos últimos anos. Também fazem parte do grupo a Argentina, o Equador e o Brasil.

Esses países são destinatários de mais de 90% de todos os empréstimos. Porém, é possível que não possam mais contar com o apoio incessante da China.

“Não está claro até que ponto o CDM e o Exim atuam como um salva-vidas para as economias mais fracas da região”, disse o relatório.

No ano passado, o período de graça que o CDM tinha proporcionado à Venezuela chegou ao fim, o que na prática significa que o país deve começar a pagar a dívida pendente, não apenas os juros. Grande parte da dívida é garantida pela venda de petróleo, que o país tem enfrentado dificuldades para bombear depois que a crise afetou a entrega de maquinário e levou os funcionários do setor de petróleo a deixarem o país.

Foi observada também uma certa reticência por parte da China em reconhecer de forma pública que ajudou a apoiar a Venezuela, uma economia que é extremamente dependente dos preços internacionais do petróleo.

Além do risco soberano de países como a Venezuela, que não é considerado bom, muitos projetos que têm apoio chinês na América Latina também envolvem grandes riscos ambientais. No passado, investidores chineses se mostraram menos avessos aos riscos do que as instituições financeiras ocidentais. Os grandes projetos de energia e infraestrutura ainda atraem muito financiamento por parte dos bancos chineses de fomento na América Latina.

De acordo com o relatório, dois projetos hidrelétricos com apoio da China – Coca Codo Sinclair, no Equador, e Rositas, na Bolívia – foram propostos há muitos anos, mas os bancos multilaterais de desenvolvimento rejeitaram a oportunidade de investimento devido aos riscos ambientais e sociais.

As comunidades que seriam afetadas pelo projeto Rositas afirmam que não foram consultados sobre os possíveis impactos, que incluem inundação dos campos de pasto dos animais e obstrução do acesso aos mercados. O presidente Evo Morales chegou a sugerir que fosse realizado um referendo nacional sobre o projeto, mas a iniciativa parecia uma tentativa de calar as vozes da oposição.

Gastando demais?

Apesar de as empresas chinesas terem se mostrado receptivas ao clamor das comunidades afetadas em alguns dos projetos latino-americanos, a verdade é que há muita inquietação na China sobre os gastos internacionais do país.

Alguns empreendimentos estrangeiros foram duramente criticados como “projetos de fachada”, que só registram prejuízos e faltam com a devida diligência, com objetivo de melhorar a reputação de Pequim no mundo.

É possível que todas essas entidades passem a exercitar um pouco mais de cautela neste momento, pois estão lidando com acordos de empréstimo problemáticos na região

Em 2018, um artigo publicado pela China Brief sugeriu que a China estava fazendo as pazes com o fato de que dezenas de bilhões de dólares do seu dinheiro estava investido em projetos problemáticos em outros países. Desde 2015, os empréstimos internacionais concedidos por grandes bancos como parte da iniciativa Cinturão e Rota vêm diminuindo, em meio a pedidos, às vezes censurados, para que sejam mesmo reduzidos.

O volume menor de empréstimos à América Latina nos últimos dois anos pode ou não refletir novos receios, só o tempo dirá.

“É possível que todas essas entidades passem a exercitar um pouco mais de cautela neste momento, pois estão lidando com acordos de empréstimo problemáticos na região, querem minimizar os riscos à sua reputação, e o ambiente regulatório chinês vem passando por muitas mudanças”, divulgou o relatório do Diálogo Interamericano e da Universidade de Boston.