Em agosto de 2018, El Salvador acompanhou a República Dominicana e o Panamá em trocar suas alianças diplomáticas com Taiwan pelas com a China. Contudo, em março de 2019, o então presidente eleito Nayib Bukele lançou dúvidas sobre a possibilidade de seu governo manter essa situação. “A China não segue as regras do jogo; eles não respeitam as regras”, disse.
A embaixada chinesa em El Salvador respondeu com uma declaração afirmando que a cooperação entre a China e El Salvador não seria uma “armadilha de endividamento, mas um ótimo negócio para ambas as nações”.
Desde então, a relação entre os países parece ter melhorado. Após tomar posse em junho, Bukele admitiu reconhecer a posição da China na geopolítica global, consolidando uma importante relação de importação e exportação. El Salvador enviou 83,2 milhões de dólares em produtos para a China ano passado, 82% mais que no ano anterior, tornando a China o sexto maior destino para exportações salvadorenhas.
O açúcar compõe 94,6% das exportações salvadorenhas para a China, segundo o Banco Central de Reserva (BCR). A conquista é motivo de otimismo para alguns, mas suscita oposição de pequenos fazendeiros que operam num mercado incerto. Preocupações sobre as consequências ambientais do agronegócio também estão crescendo no segundo país mais desmatado da América Latina.
O caso do sindicato do açúcar
A Associação do Açúcar (AAES), sindicato responsável por organizar a produção de açúcar em El Salvador, expressou preocupações com o cancelamento do tratado de livre comércio com Taiwan, cujo período de vigência deveria ter começado em 15 de março deste ano. Em fevereiro, o sindicato processou o Ministério de Relações Exteriores de El Salvador.
“Como setor produtivo nos sentimos muito afetados por essa situação, porque vamos sofrer perdas econômicas significativas”, disse Mario Salaverría, presidente do sindicato. “Nem nós, nem Taiwan fomos consultados nesse processo.” A AAES já havia assinado acordos para vender 80 mil toneladas de açúcar a Taiwan.
O sindicato também está preocupado com as altas tarifas que a China impôs sobre o açúcar. O país receve 1,94 milhões de toneladas de açúcar por ano, sendo um dos maiores importadores do mundo. Mas a seca de 2016 afetou a produção doméstica, e pequenos produtores (principalmente da província de Yunnan) sofreram. Num esforço para ajudar os fazendeiros chineses, ano passado o governo começou a restringir importações, aplicando tarifas altas nos maiores importadores.
Temendo o impacto das tarifas em sua economia, o Brasil levou suas preocupações à Organização Mundial do Comércio.
Numa tentativa de acalmar os produtores salvadorenhos, a China declarou em março deste ano que “as empresas chinesas são motivadas a comprar açúcar e outros produtos de El Salvador… as tarifas serão pagas pelos importadores de açúcar, não sobre os exportadores. Os produtores de El Salvador podem ficar tranquilos em relação a isso”.
“A China mencionou que compraria nosso açúcar, mas para nós o tratado de livre comércio com Taiwan não é negociável”, explica Salaverría. “Claro, já estamos vendendo para a China, mas a preços com ‘taxas de mercado global’, com tarifas de 85%. Com Taiwan, pagamos zero tarifas”, afirma.
Salvaderría explica que a luta da AAES não é afetar a relação com a China, mas manter uma relação comercial com Taiwan e uma diplomática com a China.
Segundo Salvaderría, o sindicato já se reuniu com representantes do governo, que a portas fechadas concordaram em manter o Tratado de Livre Comércio com Taiwan. A Suprema Corte salvadorenha ordenou a suspensão ou o cancelamento do tratado, mas até agora não houve uma declaração oficial pedindo sua continuação.
O custo ambiental da produção de açúcar
A alta demanda e as necessidades econômicas em El Salvador levaram a uma expansão da agricultura industrial — sobretudo de açúcar e café —, acelerando a degradação do solo e o desmatamento. Plantações de cana-de-açúcar requerem vários pesticidas, que prejudicam o solo e as nascentes de rios.
“Problemas ambientais não costumam ser assunto em El Salvador”, afirma Gabriel Labrador, pesquisador do jornal El Faro. “E como não há regulação do agronegócio, as empresas abusam dos recursos naturais.”
El Salvador tem a segunda maior superfície de plantações de cana-de-açúcar da América Central, e na América Latina está atrás apenas do Haiti em termos de desmatamento. Mais da metade das terras salvadorenhas não são adequadas para cultivo, e a erosão acelera. Nesse cenário, as pessoas são mais vulneráveis a desastres naturais e a secas. Fontes de água também são alvo de poluição intensa.
“Os que detêm a tecnologia para explorar fontes hídrica o fazem sem qualquer consequência em El Salvador”, acrescenta Labrador. “A indústria da cana-de-açúcar é a que consome mais água. Há graves impactos ambientais devido à quantidade de água usada, e não há políticas públicas.”
Em 2016, a falta de regulação permitiu que mais de 250 mil galões de melado de uma fábrica de açúcar fossem derramados no rio Magdalena, afetando 400 famílias e matando milhares de peixes, crustáceos, moluscos e anfíbios.
“Como não há políticas públicas nem regulamentações nesse setor, controlar o impacto ambiental depende da boa vontade das empresas”, acrescenta Labrador. “E à medida que a demanda cresce isso se torna mais perigoso”.