Quando a Vale anunciou, em maio, que construiria uma siderúrgica no Pará com a chinesa China Communications Construction Company, muitos apontaram o investimento como uma estratégia de reconstrução de imagem — necessária após o rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho matar 248 pessoas em janeiro.
A tragédia teria empurrado a empresa a investir em um projeto que geraria bons empregos e produtos com valor agregado mais alto — em vez de apenas explorar riquezas naturais. A siderúrgica seria “o pilar estratégico de criação de um novo pacto com a sociedade e foco na atuação como vetor de desenvolvimento econômico local,” segundo explicou uma nota produzida pela empresa.
Mas, por trás do anúncio, também há anos de projetos abandonados e promessas, além da esperança de que elas comecem a ser cumpridas.
“A produção será o primeiro passo para a nova agenda de agregação de valor ao minério de ferro no estado”, disse o governador Helder Barbalho ao jornal Valor Econômico, “em que poderemos estimular a ida de outros investidores”.
Em comum, além de serem dois dos mais importantes atores no mercado global de minério de ferro e produtos siderúrgicos, a Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, e China, maior consumidora da commodity, têm a constante cobrança para que invistam, no Brasil e na América Latina, em projetos que superem a exploração e a exportação de matérias-primas e apostem em produtos de maior valor agregado, a fim de contribuir para o desenvolvimento local e para uma relação de trocas comerciais mais equilibradas.
68%
é o quanto o Brasil usa da capacidade instalada de produção de aço
Mas com a economia brasileira em recessão, há questionamentos se este não seria apenas mais um projeto a não ir além do anúncio.
Segundo dados do Instituto Aço Brasil, o país produz hoje 68% do aço que é capaz de produzir. Enquanto isso, a produção de aço chinesa continua batendo recordes.
Presidente do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço, José Loureiro é pessimista.
“Não vejo sentido em produzir aqui um produto que os chineses já fazem, sendo o mais barato do mundo”, disse.
Projetos que ficam pelo caminho
A construção da usina de laminados de aço tem um investimento previsto de 1,5 bilhão de reais, e a expectativa, segundo o governo do estado, é de que as obras se iniciem em 2021 e a produção, de 300 mil toneladas por ano, comece em 2023.
Mas o anúncio não é o primeiro. Houve outros, frustrados. Uma proposta de siderúrgica já havia sido anunciada em 2016, quando a parceira da Vale no projeto seria a argelina Cevital Group, mas não foi adiante. Em 2009, a empresa também anunciou uma laminadora que nunca saiu do papel.
A China, por sua vez, também vem anunciando e sendo cobrada, há anos, para investir em setores como infraestrutura e indústria, e não apenas na importação de matérias primas. “Temos a intenção e a vontade de aumentar nossos investimentos em infraestrutura, tecnologias ‘verdes’, alta tecnologia e turismo”, disse o ministro de Comércio chinês em 2011.
Mas o governo chinês chegou a assumir repetidos compromissos oficiais para desenvolver a capacidade de produção no Brasil. Um acordo assinado em 2015 por um representante de ambos os países afirma que os dois países “promoveriam o investimento e a cooperação na capacidade de produção de empresas e instituições financeiras”, citando a fabricação de aço especificamente.
42,6
de dólares é o total de investimento chinês no Brasil de 2011 a 2018
De lá para cá, até o ano de 2018, segundo dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), foram investidos 42,6 bilhões de dólares no país, a maior parte em commodities e energia. Tulio Cariello, coordenador de Análise e Pesquisa do CEBC, argumenta que o investimento em indústria existe, mas ainda não faz frente a outros setores.
“O que existe é uma desproporção de valor. Um investimento em indústria não vai ter o mesmo volume de um investimento no setor energético”, compara.
Na siderurgia, a China já tinha feito, antes, com a Baosteel, duas tentativas de entrar no mercado brasileiro que não foram adiante por razões diferentes, lembra o professor do Ibemec e Conselheiro da Associação de Comércio Exterior do Brasil, Marcio Sette Fortes.
Em 2006, no Maranhão, o projeto esbarrou no processo de licenciamento, e em 2008, no Espírito Santo, foi prejudicado pela crise econômica.
O mercado brasileiro no entanto, mesmo desaquecido, permanece interessante para investidores chinese, avalia Fortes. “Para eles, pode ser uma boa chance de experimentar o mercado nacional. Acredito que, havendo resultados positivos, possa haver mais investimentos”, avalia.
Histórico de violações
O governo paraense tem pressa por notícias positivas da Vale para a população do estado. A empresa explora minério de ferro no Pará há mais de três décadas e mantém ali sua maior unidade de mineração, o S11D. Ao mesmo tempo, acumula denúncias de violações de direitos humanos e impactos ambientais adversos.
Para além das tragédias de Brumadinho e Mariana, a empresa é alvo de diversas polêmicas, inclusive na região da S11D, onde tem processado criminalmente ativistas críticos. Também há investigações sobre se a empresa teria espionado ativistas ilegalmente.
quero agilidade nas tratativas…não temos tempo a perder
Seu maior cliente é a China, que tem aumentado o consumo do minério de ferro produzido pela Vale no Pará. O aumento ocorreu principalmente depois de restrições internas à mineração para conter o nível de poluição na China, que obrigou as empresas chinesas a irem atrás de insumo de maior qualidade, como o produzido pela Vale no Pará.
Mesmo com pouco tempo de Brasil, a CCCC também já tem sua parcela de críticas pesadas. A empresa está envolvida na construção de um porto em São Luís, no Maranhão– cidade por onde a Vale exporta, por seu porto privado, sua produção destinada ao mercado internacional. O projeto é criticado por ter expulsado uma comunidade de seu território tradicional de forma autoritária.
Segundo a revista Exame, a CCCC estaria ainda avaliando um total de 26 projetos no Brasil, priorizando “portos, ferrovias, desenvolvimento urbano e indústria”.
Enquanto isso, o governo paraense fia-se na atração, a partir deste novo anúncio, de outros investimentos ligados à sonhada verticalização do aço no estado.
“O governo do Pará está determinado em apoiar sua viabilidade, quero agilidade nas tratativas”, disse o governador Barbalho, há duas semanas, em reunião com o presidente da CCCC.
“Não temos tempo a perder”.