O colapso dos preços globais do petróleo tem sido um duro golpe para o Brasil. Agora em recessão, a maior economia da América do Sul tem visto suas receitas de exportação despencarem mediante a queda dos preços das commodities, hoje comercializadas pela metade do valor de um ano atrás. Além disso, a demanda por commodities vem desacelerando na China, o maior parceiro comercial do Brasil. O país asiático também sofreu um baque nos últimos dias, quando o índice Shanghai Composite Index da bolsa de valores local perdeu um terço de seu valor em um período de apenas três semanas. A despeito de suas atribulações econômicas, a China, o Brasil e os outros membros dos BRICS se recusam a jogar a toalha. Esta semana foi marcada pela inauguração formal do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD, também conhecido como “Banco dos BRICS”), em Xangai. A instituição foi criada na VI reunião de cúpula do grupo, realizada em Fortaleza (CE), no ano passado. O banco, que receberá uma injeção inicial de capital de US$ 50 bilhões, poderá começar a investir em projetos já a partir de abril de 2016, disseram os líderes, que também manifestaram a vontade de investir em tecnologias de energia renovável. O Brasil pretende contribuir com US$ 18 bilhões e a China se comprometeu a aportar US$ 41 bilhões, dando ao NBD a maior fatia dos votos para as decisões de alocação de recursos. No entanto, as metas de sustentabilidade do NBD dependerão da capacidade dos países membros de dedicarem recursos ao novo acordo de cooperação e transferência de conhecimentos, assinado pelos Ministros de Ciência e Tecnologia dos BRICS, em março deste ano, em Brasília. Além disso, as plataformas bilaterais existentes, como as que já são compartilhadas por China e Brasil, podem fornecer algumas lições úteis – e alguns alertas – sobre compromisso e equidade. Cooperação bilateral Após a reunião de ciência e tecnologia dos BRICS em Brasília, em março, e a recente visita do premiê chinês Li Keqiang ao Brasil, o Ministro da Ciência e Tecnologia chinês, Wan Gang, encabeçou uma delegação enviada à capital brasileira para um segundo encontro de alto escalão. O Ministro da Ciência e Tecnologia brasileiro, Aldo Rebelo, anfitrião do evento, anunciou um estreitamento da cooperação científica bilateral nas áreas de ciências agrícolas, biotecnologia, nanotecnologia e novas energias. Na ocasião, especialistas apresentaram alguns avanços interessantes. Um bom exemplo é a cooperação entre a Empresa Brasileira de Pesquisas Agrícolas (EMBRAPA) e a Academia Chinesa de Ciências Agrícolas (CAAS, na sigla em inglês) para compartilhamento de germo plasmas, que são as sementes contendo o material genético de diversas variedades de espécies como milho, soja e arroz, armazenadas em “bancos genéticos”. O armazenamento das sementes tem como objetivo a realização de experimentos e a identificação das variedades mais eficientes – em termos de produtividade e consumo de água – e as mais resilientes frente às mudanças climáticas e pragas. A parceria EMBRAPA-CAAS já conta com um laboratório virtual e um representante permanente da EMBRAPA em Pequim. Na área da nanotecnologia, o diretor brasileiro do Centro Brasil-China de Pesquisa e Inovação em Nanotecnologia, Fernando Galembeck, apontou o imenso potencial do Brasil no que se refere à biomassa. De acordo com ele, a conversão de matéria vegetal em combustíveis por meio do uso de nano-partículas – catalisadores eficientes, pois sua grande área superficial em relação ao volume permite que elas reajam mais rapidamente – pode levar a uma maior eficiência bioenergética. Dehua Liu e Luiz Pinguelli Rosa, diretores do Centro China-Brasil de Mudança Climática e Tecnologias Inovadoras para Energia, também apresentaram seus trabalhos, inclusive sobre a produção de biodiesel a partir de óleo de cozinha usado, com enzimas naturais. E Li Xuguang, vice presidente da Tsinghua Solar – empresa criada e controlada pela Universidade Tsinghua e que já instalou vários painéis termosolares – manifestou o interesse da empresa em fornecer tanto energia termosolar quanto fotovoltaica ao Brasil. Desafios no curto prazo Apesar dos resultados promissores obtidos em laboratório, a ausência de empresas brasileiras na reunião disse muito sobre a falta de coordenação entre os esquemas de financiamento dos setores público e privado, no âmbito das estruturas nacionais que regem a tecnologia e inovação. O mais provável é que os investimentos continuem a vir de fora, já que a recessão no Brasil levanta dúvidas sobre o futuro dos projetos bilaterais. Algumas das maiores empresas da China, tais como BYD (fabricante de equipamentos para os setores de TI, automóveis e energias renováveis), ZTE e Huawei (ambas fabricantes de equipamentos para telecomunicações), já declararam a intenção de injetar recursos em pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Ainda que a carência de investimentos do Brasil possa representar uma oportunidade para a China, ambos os países precisam se beneficiar sem comprometer a sua paridade de função na parceria. As empresas de energia solar chinesas adorariam expandir suas operações no Brasil, tendo em vista seu enorme mercado potencial. Na reunião, Markus Vlasitis, diretor executivo da Yingli Brasil, que tem 20 MW de capacidade instalada no país, pediu melhoras na regulação, nos esquemas de financiamento e nos programas de capacitação. Mas a falta de mão-de-obra qualificada no Brasil para desenvolver, instalar e garantir a manutenção dos projetos solares também foi identificada por Vlasitis como um obstáculo para o aumento dos investimentos. A desaceleração do setor industrial brasileiro e consequente redução dos investimentos em tecnologia e inovação ameaçam deixar o país em uma posição ainda mais dependente das commodities, como principal fonte de exportações e de energia. Com isso, o Brasil corre o risco de se tornar excessivamente dependente das exportações de matérias-primas para a China e importação de bens manufaturados chineses. Há uma discrepância entre a ausência de empresas brasileiras no encontro, em contraste com os ambiciosos planos apresentados pelas empresas chinesas para o mercado brasileiro – e isso gera preocupações, por se parecer muito com um conjunto de imposições a serem aceitas nesta fase mais recente das relações bilaterais. Com o enfraquecimento da influência da presidente Dilma Rousseff sobre o Congresso Nacional brasileiro, ficou difícil convencer o Legislativo a se comprometer com projetos de energia renovável encabeçados pelo governo. Aliás, o Congresso aprovou recentemente uma lei permitindo que a combalida Petrobras receba assistência externa para extração das imensas reservas do pré-sal na costa sudeste do país. À parte das dúvidas legítimas sobre a capacidade financeira e técnica da estatal para a extração de petróleo em tais profundidades, isso demonstra um enfraquecimento do compromisso com o desenvolvimento de fontes de energia renovável, frente às dificuldades econômicas.renov