Não aguenta mais a fumaça sufocante de Pequim? Quer escapar? Então uma boa pedida pode ser o litoral imaculado da Ilha de Guiana, a maior dentre as paradisíacas ilhotas a nordeste da costa de Antígua – a ilha caribenha, principal localidade de uma nova e reluzente Zona Econômica Especial e um complexo turístico de cerca de 6,5 quilômetros quadrados, controlados pelo grupo chinês Yida International Investment Group. O grupo Yida tem promovido o projeto de construção, que poderá ser o maior já feito no Caribe, como local ideal para desfrutar as belezas naturais intocadas, com todo luxo e conforto. A ironia disto é que, para criar tal paraíso, ele destruirá o meio ambiente local e infringirá as leis elaboradas para sua proteção, dizem os conservacionistas locais. O grupo chinês e o governo de Antígua e Barbuda vêm tentando atrair investidores, empresas e turistas para a nova Zona Econômica Especial, que incluirá um complexo hoteleiro da rede Hard Rock Hotel e Casino, com 300 quartos, além de diversos outros empreendimentos comerciais. De acordo com as informações disponíveis, o grupo está investindo cerca de 2 bilhões de dólares do Caribe Oriental (US$ 750 milhões) no empreendimento, que deverá ser concluído até o final de 2017. No entanto, a Zona Econômica Especial – cuja cerimônia de início de obras foi realizada no dia 30 de abril, mesmo sem a apresentação da devida avaliação de impactos ambientais – tem gerado revolta entre os ambientalistas. Eles apontam que o governo de Antígua e Barbuda vem descumprindo suas próprias leis que proíbem os empreendimentos imobiliários na Área Nordeste de Manejo Marinho (NEMMA), uma reserva ambiental litorânea que abriga frágeis ecossistemas de manguezal. O atual governo do país, comandado pelo Partido Trabalhista de Antígua e Barbuda, anunciou os planos de desenvolvimento da Ilha de Guiana em parceria com o Grupo Yida poucas horas depois de derrotar o então partido governante, o Partido Progressista Unido, nas eleições nacionais de junho de 2014. O governo afirma que o projeto criará “milhares” de empregos, mas ainda não precisou um número exato, nem disse quantos empregos irão para trabalhadores locais. Nos últimos anos, o Caribe tem recebido vários grandes empreendimentos turísticos financiados por empresas chinesas, mas as disputas entre investidores e empreiteiras têm levado à paralisação das obras de empreendimentos como o gigantesco resort Baha Mar, de US$ 3,5 bilhões, nas Bahamas. Marrecos e tartarugas Os manguezais da Ilha de Guiana são praticamente o último ecossistema ainda intacto deste tipo em Antígua, de acordo com Fiona Wilmot, especialista em Caribe, do grupo conservacionista Mangrove Action Project. Wilmot teme que, se a área receber os empreendimentos imobiliários propostos pelo grupo Yida, espécies ameaçadas de extinção, como os marrecos e as tartarugas marinhas que fazem seus ninhos na região, “desaparecerão de seu último porto seguro”. O governo de Antígua rejeita as acusações de que a Zona Econômica Especial trará danos irreparáveis aos ecossistemas de manguezal. O Ministro do Turismo do país, Asot Michael, acusa os opositores do projeto de “fazer intriga” e “agir de má fé”, afirmando que menos de 25 árvores de mangue seriam derrubadas para dar lugar a uma ponte flutuante, necessária para ligar as ilhas de Guiana e Antígua. O principal problema, no entanto, é o descaso com o status de área protegida da reserva NEMMA, de acordo com Wilmot. “Este mesmo número [de árvores de mangue] pode desaparecer depois de uma tempestade razoavelmente grande”, explica Wilmot, apontando, ao invés disso, para os impactos sobre a ecologia da ilha, que serão “vastos”, diz ela. De acordo com Eli Fuller, operador local de turismo e presidente da Sociedade de Conservação de Antígua, a ilha é um importante berçário para peixes como a caranha – espécie abundante nas águas do Caribe, mas que depende das raízes de mangue para proteger suas crias dos predadores. Nos termos da Lei de Pesca de 2006, até mesmo uma simples “poda” de uma árvore de mangue só pode ser autorizada pela Divisão de Pesca se for benéfica ao meio ambiente. No entanto, de acordo com relatos vindos de Antígua, as incorporadoras do projeto já começaram a derrubar os manguezais, sem as devidas licenças da Divisão de Pesca e da Autoridade de Controle do Desenvolvimento de Antígua (DCA). O esgotamento dos estoques de peixes não seria o único desastre causado pela criação da Zona Econômica Especial, de acordo com Fuller. Isto causaria o desaparecimento dos turistas que viajam à Ilha de Guiana para explorar seus habitats naturais, diz ele. Fuller afirma que os ministros e outros políticos não se importam com as ilhas costeiras de Antígua e seus ambientes litorâneos porque nunca interagem com eles. “A interação deles é saírem de seus carros e entrarem na água até a altura do peito”, diz Fuller, que levou o Primeiro Ministro Gaston Browne para um tour na Ilha de Guiana no ano passado. A redação do Diálogo Chino tentou entrar em contato com o governo de Antígua e Barbuda para uma entrevista, mas não obteve resposta. Ambiente político Fundado em 2011, o grupo Yida, sediado em Pequim, tem como enfoque principal os segmentos de investimentos imobiliários comerciais, mineração e metais, energia renovável e a indústria de equinos. Seus investimentos em outros países começaram apenas recentemente. O presidente do conselho da empresa, Zhang Yida, é irmão mais novo de Zhang Hongwei, um influente bilionário da construção civil e investidor fortemente vinculado ao alto escalão do Partido Comunista chinês. Zhang Hongwei venceu lucrativos contratos para a construção de prédios governamentais na China, além de ter organizado e participado de um festival de cavalos presenciado pelo presidente chinês Xi Jinping, no ano passado. “Na China, fazer negócios é diferente de fazer negócios em outros países; você aplica apenas 30% dos seus esforços nos negócios, os outros 70% são gastos lidando com todo tipo de relacionamento interpessoal.” A frase, de Zhang Hongwei, foi citada em um artigo publicado em 2013 no jornal britânico The Telegraph. De acordo com R. Evan Ellis, especialista em relações China-América Latina e Caribe, a facilidade de acesso aos governos “personalistas” e “maleáveis” do Caribe se ajusta bem às preferências dos empresários chineses, que gostam de tratar com a elite. Ter contatos no governo pode eliminar os obstáculos legais aos empreendimentos, tais como a legislação que define e protege a reserva NEMMA. Em abril, Asot Michael declarou que seria aprovada uma Lei Econômica Especial para “simplificar drasticamente os procedimentos, as aprovações, as licenças e a documentação de questões relacionadas a investimentos”. O bilionário chinês Xiao Jianhua, recentemente nomeado Embaixador Itinerante pelo Primeiro Ministro Browne, buscará investimentos adicionais para o projeto. A atmosfera em torno da Zona Econômica Especial é politizada e antagônica. De acordo com Ellis, os partidos de oposição do Caribe às vezes trocam informações com os grupos ambientais para tentar gerar indignação contra os investidores chineses, com base em argumentos ambientais. Em paralelo a isso, foi postado online um vídeo em que Kenneth Kwok, vice-presidente do grupo Yida, afirmou — durante um evento patrocinado pelo grupo de investimentos – que os opositores à Zona Econômica Especial “ficarão para trás nas cinzas do antigo governo, enquanto nós, como país, voaremos como uma fênix em direção à verdadeira prosperidade econômica”. Kwok foi despedido pouco depois.