Negócios

Promessas chinesas não cumpridas

Maioria de projetos de infraestrutura não saiu do papel

O rápido crescimento da China, nos últimos 30 anos, criou um pujante mercado doméstico de empresas com expertise em infraestrutura. Entretanto, a estratégia de crescimento baseada no investimento neste setor dá sinais claros de esgotamento e a transição para um modelo com base no consumo interno está em curso no país asiático. Por isso, companhias vêm buscando encontrar oportunidades em outros continentes, principalmente em países emergentes.

“Isso faz parte do ‘sonho chinês’, do presidente Xi Jinping, e a realização disso significa que o país irá criar e compartilhar mais oportunidades de desenvolvimento com outros países”, avalia Antonio Hsiang, diretor do centro de estudos de economia e comércio na América Latina do Instituto de Tecnologia Chihlee, de Taiwan.

Com enormes gargalos em infraestrutura, a América Latina figura no topo da lista de desejos de empresas estatais e privadas chinesas. Grandiosos empreendimentos de infraestrutura, como o Canal da Nicarágua, uma ferrovia transcontinental ligando o oceano Atlântico ao Pacífico, trens de alta velocidade, usinas de geração de energia, dentre outros empreendimentos, foram anunciados nos últimos anos, mas pouco – ou quase nada – efetivamente virou realidade.

A influência econômica da China sobre a América Latina cresceu fortemente na última década baseada principalmente na importação de commodities e exportação de bens manufaturados. O investimento em infraestrutura ficou sempre à margem. Até 2010, no total, não mais que US$ 6 bilhões foram investidos pela China em países latino-americanos. Desde então, todo ano, segundo estimativas da Comissão Econômica para América Latina (Cepal), cerca de US$ 10 bilhões em média estão sendo despejados na forma de investimentos diretos na região. Contudo, cerca de 90% desse investimento está relacionado a projetos de exploração de recursos minerais, notadamente nos setores de óleo e gás e mineração, em países como Brasil, Venezuela, Peru e Chile. Uma parcela ainda pouco significativa é direcionada a projetos de infraestrutura, devido à complexidade de sua implementação.

Para a sócia-diretora da boutique Vallya Investimentos, Larissa Wachholz, que morou seis anos na China, a culpa desses projetos não saírem do papel não é dos chineses. “Os insucessos me parecem que são mais questões nossas relacionadas a burocracia e entraves ambientais”, opina. “Quando os chineses vêm aqui e dizem que vão fazer, não quer dizer que estão prontos para bancarem a construção. Normalmente, são ideias que poderiam fazer sentido”, afirma a consultora. Para ela, muitos projetos são precocemente anunciados e geram grande repercussão na mídia, mas carecem de estudos aprofundados de viabilidade.

No final do ano passado, o empresário chinês Wang Jing subiu no tablado ao lado do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, para anunciar oficialmente o início da construção do canal, ao custo de US$ 50 bilhões, ele afirmou que sua empresa poderia executar a complexa a obra em cinco anos. Porém, até o momento, apesar de a pedra fundamental ter sido lançada, nenhum centímetro cúbico de terra foi escavado na Nicarágua. Para efeito de comparação, o Canal do Panamá, que é cerca de um terço menor que o proposto na Nicarágua, levou uma década para ser finalizado.

Ferrovia transcontinental

O governo do gigante asiático está empenhado em replicar o modelo de desenvolvimento baseado no investimento em infraestrutura, que funcionou até pouco tempo, nos países que mantém fortes laços comerciais e que cuja dependência por matérias-primas cresce a cada dia. Mais infraestrutura no subcontinente americano significa menos custos de transporte para o escoamento dos produtos primários para China.

Em maio deste ano, o premiê chinês, Li Keqiang, ao lado da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, anunciou oficialmente um pacto para construir uma ferrovia de US$ 10 bilhões que ligará o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, ao Porto de Ilo, na costa do Peru, um projeto de uns 5.300 quilômetros. O estudo de viabilidade técnica da grandiosa obra está em estágio bastante inicial. A Survival, uma organização de defesa dos povos indígenas e tribais, informou sobre o perigo que representa para a Amazônia o projeto que pretende unir os dois países sul americano.

A China, o maior beneficiado do projeto, entraria com o financiamento, capacitação da mão-de-obra e a construção em si da linha férrea que, em tese, proporcionaria uma economia de milhares de quilômetros e dólares às embarcações das exportadoras de commodities, principalmente com destino aos mercados asiáticos, e que, atualmente, precisam dar a volta pela Patagônia, no sul da Argentina. Um dos produtos que seriam mais beneficiados pelo empreendimento seria a soja, que é cultivada em larga escala principalmente no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Matt Ferchen, professor associado do departamento de relações internacionais da Universidade de Tsinghua, em Pequim, acredita que a ferrovia transcontinental é um assunto de alta complexidade, pois envolve comunidades locais, políticos locais e toda sorte de licenças ambientais e burocracia. “Parece haver um potencial real para o descasamento de promessas e da realidade. A resposta definitiva para a questão de o que a China deveria fazer para conseguir realizar seus investimentos é melhor entender o ambiente local no qual os negócios estão envolvidos. Isso tem melhorado, mas ainda há muito a ser feito. É muito otimista pensar que a China pode simplesmente chegar com planos, dinheiro e de repente criar um milagre de desenvolvimento em infraestrutura”, opina Ferchen.

O doutor em geografia e especialista em China da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Elias Marco Kahlil Jabbour, afirma que a necessidade da nação da Ásia investir fora de suas fronteiras decorre de uma ociosidade na capacidade produtiva. “Eles estão interessadíssimos nessa modalidade de investimento. A grande questão são as condições institucionais que os países latino-americanos colocam para que essas obras ocorram”, complementa Jabbour.

Trens de alta velocidade

Na última década, a China ganhou bastante expertise na construção de trens de alta velocidade. Porém, Ferchen relembra o projeto de construção de um trem desse tipo no México como outra promessa chinesa fracassada na América Latina. Cancelado pelo governo mexicano, depois que oposicionistas apontaram a falta de licitação para a obra, o caso virou emblema de como a política local pode influenciar nestes projetos. “Este negócio é bom exemplo de como um investidor chinês pode se complicar com assuntos legais e públicos”, opina o acadêmico.

A China Railway Construction Corporation havia ganhado o direito de construir, equipar e operar o primeiro trem de alta velocidade do continente americano. Contudo, a assinatura do contrato, que valia em torno de US$ 4 bilhões, do trem que ligaria a capital Cidade do México até a cidade industrial de Querétaro, a 210 km de distância, em 50 minutos, não valeu de nada. O governo mexicano abruptamente cancelou o negócio e, afirma oficialmente, que reabrirá a licitação do empreendimento em um futuro próximo.

No Brasil, o projeto do trem de alta velocidade que ligaria São Paulo ao Rio de Janeiro já consumiu US$ 250 milhões na fase de estudos, sem sequer ter sido licitado. Pelas projeções mais recentes, custaria em torno de US$ 7 bilhões. Previsto para estar operacional durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, o projeto também não saiu do papel e teve empresas chinesas envolvidas desde a concepção da ideia. “Este empreendimento teve total apoio do ex-presidente Lula, que tentou levar adiante, mas o projeto tinha problemas em sua essência”, avalia Wachholz, da Vallya.

Em Honduras, um trem que ligaria Puerto Castilla, no estado caribenho de Colón, com Amapala, na Ilha do Tigre, no Golfo de Fonseca, no Pacífico, também foi anunciado pela empresa chinesa Harbour Engineering Company (CHEC), mas não virou realidade. Com 375 quilômetros de comprimento, o empreendimento era visto como peça chave para otimizar a logística de exportação da região centro-americana. “Os chineses querem ser responsáveis pela integração logística e energética na América Latina. Eles têm capacidade para fazer isso, mas vão enfrentar muitos obstáculos”, conclui Kahlil Jabbour.

O rápido crescimento da China, nos últimos 30 anos, criou um pujante mercado doméstico de empresas com expertise em infraestrutura. Entretanto, a estratégia de crescimento baseada no investimento neste setor dá sinais claros de esgotamento e a transição para um modelo com base no consumo interno está em curso no país asiático. Por isso, companhias vêm buscando encontrar oportunidades em outros continentes, principalmente em países emergentes.

“Isso faz parte do ‘sonho chinês’, do presidente Xi Jinping, e a realização disso significa que o país irá criar e compartilhar mais oportunidades de desenvolvimento com outros países”, avalia Antonio Hsiang, diretor do centro de estudos de economia e comércio na América Latina do Instituto de Tecnologia Chihlee, de Taiwan.

Com enormes gargalos em infraestrutura, a América Latina figura no topo da lista de desejos de empresas estatais e privadas chinesas. Grandiosos empreendimentos de infraestrutura, como o Canal da Nicarágua, uma ferrovia transcontinental ligando o oceano Atlântico ao Pacífico, trens de alta velocidade, usinas de geração de energia, dentre outros empreendimentos, foram anunciados nos últimos anos, mas pouco – ou quase nada – efetivamente virou realidade.

A influência econômica da China sobre a América Latina cresceu fortemente na última década baseada principalmente na importação de commodities e exportação de bens manufaturados. O investimento em infraestrutura ficou sempre à margem. Até 2010, no total, não mais que US$ 6 bilhões foram investidos pela China em países latino-americanos. Desde então, todo ano, segundo estimativas da Comissão Econômica para América Latina (Cepal), cerca de US$ 10 bilhões em média estão sendo despejados na forma de investimentos diretos na região. Contudo, cerca de 90% desse investimento está relacionado a projetos de exploração de recursos minerais, notadamente nos setores de óleo e gás e mineração, em países como Brasil, Venezuela, Peru e Chile. Uma parcela ainda pouco significativa é direcionada a projetos de infraestrutura, devido à complexidade de sua implementação.

Para a sócia-diretora da boutique Vallya Investimentos, Larissa Wachholz, que morou seis anos na China, a culpa desses projetos não saírem do papel não é dos chineses. “Os insucessos me parecem que são mais questões nossas relacionadas a burocracia e entraves ambientais”, opina. “Quando os chineses vêm aqui e dizem que vão fazer, não quer dizer que estão prontos para bancarem a construção. Normalmente, são ideias que poderiam fazer sentido”, afirma a consultora. Para ela, muitos projetos são precocemente anunciados e geram grande repercussão na mídia, mas carecem de estudos aprofundados de viabilidade.

No final do ano passado, o empresário chinês Wang Jing subiu no tablado ao lado do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, para anunciar oficialmente o início da construção do canal, ao custo de US$ 50 bilhões, ele afirmou que sua empresa poderia executar a complexa a obra em cinco anos. Porém, até o momento, apesar de a pedra fundamental ter sido lançada, nenhum centímetro cúbico de terra foi escavado na Nicarágua. Para efeito de comparação, o Canal do Panamá, que é cerca de um terço menor que o proposto na Nicarágua, levou uma década para ser finalizado.

Ferrovia transcontinental

O governo do gigante asiático está empenhado em replicar o modelo de desenvolvimento baseado no investimento em infraestrutura, que funcionou até pouco tempo, nos países que mantém fortes laços comerciais e que cuja dependência por matérias-primas cresce a cada dia. Mais infraestrutura no subcontinente americano significa menos custos de transporte para o escoamento dos produtos primários para China.

Em maio deste ano, o premiê chinês, Li Keqiang, ao lado da presidente do Brasil, Dilma Rousseff, anunciou oficialmente um pacto para construir uma ferrovia de US$ 10 bilhões que ligará o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, ao Porto de Ilo, na costa do Peru, um projeto de uns 5.300 quilômetros. O estudo de viabilidade técnica da grandiosa obra está em estágio bastante inicial. A Survival, uma organização de defesa dos povos indígenas e tribais, informou sobre o perigo que representa para a Amazônia o projeto que pretende unir os dois países sul americano.

A China, o maior beneficiado do projeto, entraria com o financiamento, capacitação da mão-de-obra e a construção em si da linha férrea que, em tese, proporcionaria uma economia de milhares de quilômetros e dólares às embarcações das exportadoras de commodities, principalmente com destino aos mercados asiáticos, e que, atualmente, precisam dar a volta pela Patagônia, no sul da Argentina. Um dos produtos que seriam mais beneficiados pelo empreendimento seria a soja, que é cultivada em larga escala principalmente no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Matt Ferchen, professor associado do departamento de relações internacionais da Universidade de Tsinghua, em Pequim, acredita que a ferrovia transcontinental é um assunto de alta complexidade, pois envolve comunidades locais, políticos locais e toda sorte de licenças ambientais e burocracia. “Parece haver um potencial real para o descasamento de promessas e da realidade. A resposta definitiva para a questão de o que a China deveria fazer para conseguir realizar seus investimentos é melhor entender o ambiente local no qual os negócios estão envolvidos. Isso tem melhorado, mas ainda há muito a ser feito. É muito otimista pensar que a China pode simplesmente chegar com planos, dinheiro e de repente criar um milagre de desenvolvimento em infraestrutura”, opina Ferchen.

O doutor em geografia e especialista em China da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Elias Marco Kahlil Jabbour, afirma que a necessidade da nação da Ásia investir fora de suas fronteiras decorre de uma ociosidade na capacidade produtiva. “Eles estão interessadíssimos nessa modalidade de investimento. A grande questão são as condições institucionais que os países latino-americanos colocam para que essas obras ocorram”, complementa Jabbour.

Trens de alta velocidade

Na última década, a China ganhou bastante expertise na construção de trens de alta velocidade. Porém, Ferchen relembra o projeto de construção de um trem desse tipo no México como outra promessa chinesa fracassada na América Latina. Cancelado pelo governo mexicano, depois que oposicionistas apontaram a falta de licitação para a obra, o caso virou emblema de como a política local pode influenciar nestes projetos. “Este negócio é bom exemplo de como um investidor chinês pode se complicar com assuntos legais e públicos”, opina o acadêmico.

A China Railway Construction Corporation havia ganhado o direito de construir, equipar e operar o primeiro trem de alta velocidade do continente americano. Contudo, a assinatura do contrato, que valia em torno de US$ 4 bilhões, do trem que ligaria a capital Cidade do México até a cidade industrial de Querétaro, a 210 km de distância, em 50 minutos, não valeu de nada. O governo mexicano abruptamente cancelou o negócio e, afirma oficialmente, que reabrirá a licitação do empreendimento em um futuro próximo.

No Brasil, o projeto do trem de alta velocidade que ligaria São Paulo ao Rio de Janeiro já consumiu US$ 250 milhões na fase de estudos, sem sequer ter sido licitado. Pelas projeções mais recentes, custaria em torno de US$ 7 bilhões. Previsto para estar operacional durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, o projeto também não saiu do papel e teve empresas chinesas envolvidas desde a concepção da ideia. “Este empreendimento teve total apoio do ex-presidente Lula, que tentou levar adiante, mas o projeto tinha problemas em sua essência”, avalia Wachholz, da Vallya.

Em Honduras, um trem que ligaria Puerto Castilla, no estado caribenho de Colón, com Amapala, na Ilha do Tigre, no Golfo de Fonseca, no Pacífico, também foi anunciado pela empresa chinesa Harbour Engineering Company (CHEC), mas não virou realidade. Com 375 quilômetros de comprimento, o empreendimento era visto como peça chave para otimizar a logística de exportação da região centro-americana. “Os chineses querem ser responsáveis pela integração logística e energética na América Latina. Eles têm capacidade para fazer isso, mas vão enfrentar muitos obstáculos”, conclui Kahlil Jabbour.