A extensão no mês passado de uma linha de crédito de 3,5 bilhões de dólares para ajudar o Equador a pagar sua dívida com a China expôs a postura de confronto da recém-formada Corporação Financeira Internacional de Desenvolvimento dos Estados Unidos (DFC, sigla em inglês). A política externa não está no topo das prioridades da população, uma vez que o Equador, encurralado por vultosas dívidas, realiza o primeiro turno das eleições presidenciais no domingo. Entretanto, com o país precisando de apoio internacional para se recuperar da pandemia, o empréstimo da DFC coloca em contraste ainda mais acentuado a escolha de parceiros internacionais pelos principais candidatos à presidência.
O empréstimo da DFC, assinado pelo presidente Lenin Moreno, foca no desenvolvimento de projetos-chave, principalmente na indústria extrativa, e está condicionado à exclusão da tecnologia chinesa do setor de telecomunicações em solo equatoriano.
“Os elementos desse acordo permitem que a DFC direcione seu apoio a projetos que refinanciam a predatória dívida chinesa e ajudam o Equador a melhorar o valor de seus ativos estratégicos”, disse o CEO da DFC, Adam Boehler.
No entanto, ao usar sua musculatura financeira para apoiar objetivos de política externa, as ações da DFC tornam-se semelhantes às dos principais credores do Equador, como o China Development Bank e o Export-Import Bank of China, segundo Paulina Garzón, diretora da Iniciativa de Investimento Sustentável China-América Latina.
“O empréstimo tem claramente a intenção de atacar o relacionamento do Equador com a China”, disse Garzón em uma entrevista por telefone. “Acho que é insensato. Ele ampliou o debate sobre com que poder o Equador se alinha. Quando estiver sob maior escrutínio, acho que será rejeitado pelo público”.
Se Arauz ganhar e for com a China, o Equador perderá não só a boa vontade dos Estados Unidos, mas também seu dinheiro
Os candidatos que estão liderando as pesquisas são Andrés Arauz, político de esquerda e alinhado à China, e o banqueiro conservador Guillermo Lasso, simpatizante de Washington e adepto do plano de austeridade do FMI encabeçado por Moreno em 2019. A tentativa de Moreno de equilibrar o orçamento por meio de cortes nos subsídios de energia levou a protestos em massa e alimentou a inimizade do influente ex-presidente Rafael Correa, mentor de Arauz. Desde então, o índice de aprovação de Moreno passou a ser de apenas um dígito.
Com o Equador sob pressão de Washington para rejeitar o financiamento chinês e aderir às prerrogativas dos Estados Unidos, os eleitores enfrentam uma escolha difícil.
Eleições no Equador: Os candidatos e seus alinhamentos internacionais
Embora Yaku Perez, um candidato indígena contrário à mineração esteja com um bom desempenho em terceiro lugar, o cenário eleitoral mais provável é um segundo turno em abril entre Arauz e Lasso. Arauz diz que já “iniciou diálogos” com os bancos de desenvolvimento da China, além de adiantar que o ex-presidente Correa será seu principal conselheiro e que ele vai desfazer o acordo com o FMI.
19 bilhões de dólares
é o valor que o Equador pegou emprestado de bancos de desenvolvimento chineses no governo de Rafael Correa
Sob Correa, o Equador pegou emprestado 19 bilhões de dólares de de bancos de desenvolvimento chineses para financiar projetos hidrelétricos, estradas, pontes e centros de saúde. Entretanto, os empréstimos foram acordados a taxas de juros elevadas e sob condições pouco conhecidas.
“Quando o Equador não cumpriu suas obrigações em 2009, a China se tornou a única opção, o que gerou dois problemas: altos custos financeiros e aumento da corrupção”, diz Santiago Mosquera, chefe de pesquisa da Analytica Investments, uma empresa de consultoria financeira sediada em Quito. “Quando se leva em conta que os empréstimos da China com lastro em petróleo têm custos financeiros próximos a 8%, os termos do acordo da DFC parecem muito generosos”.
Os juros do empréstimo da DFC são de 2,48% ao ano — uma taxa básica mais uma taxa de juros de 2,25% — e tem um prazo de vencimento de oito anos. O acordo também inclui um período de carência de um ano, de acordo com a Latin Finance.
Enquanto isso, os projetos hidrelétricos apoiados pela China sofrem onerosos atrasos, causam desastres ambientais e retardam a adoção de outras formas de energia renovável. Auxiliadas por laços políticos estreitos criados pelos empréstimos, as empresas chinesas aumentaram sua presença no setor de mineração e agora possuem três das cinco maiores minas do Equador.
“O objetivo das represas era criar uma matriz energética mais limpa”, diz Garzón. “Eles não só falharam nesse objetivo, mas geraram um custo econômico que levou ao aumento da atividade da indústria extrativa”.
Caso Arauz seja eleito, uma inadimplência no empréstimo do FMI tornaria o Equador mais uma vez dependente da China, diz Mosquera. “O governo poderia comprometer mais petróleo para obter um novo empréstimo da China, mas depois disso há muito poucas fontes de liquidez no mercado doméstico”.
Em contraste, Lasso, um homem de negócios de centro-direita e ex-ministro da Economia que tenta, pela terceira vez, alcançar a presidência, tem apoiado a política econômica ortodoxa de Moreno e representaria uma continuidade de seu governo.
Em agosto de 2020, Moreno concordou com o FMI em reestruturar 17,4 bilhões de dólares da dívida do Equador e em uma linha de crédito adicional de 6,5 bilhões de dólares. Contudo, sem um forte crescimento econômico e reforma fiscal, o pacote foi incapaz de melhorar a situação fiscal do país, informou na ocasião a Fitch Ratings.
O momento do empréstimo da DFC é um sinal do apoio americano à candidatura de Lasso, de acordo com Mosquera.
“Não é um empréstimo de apoio ao orçamento, é uma linha de crédito ligada a projetos e pode ser retirada”, diz ele. “Se Arauz ganhar e for com a China, o Equador perderá não só a boa vontade dos Estados Unidos, mas também seu dinheiro”.
Dependência do petróleo
Uma proporção significativa da linha de crédito da DFC irá para o setor petrolífero do Equador e para a reforma de 3 bilhões de dólares da refinaria de Esmeraldas, que será construída por empresas americanas e coreanas. Acredita-se que o empréstimo da DFC só foi possível graças à adesão do Equador, em novembro de 2020, ao programa “Clean Network” dos EUA – que proíbe o uso de equipamentos Huawei em redes 5G do país.
“Todas essas condições pressionam o Equador e outros países, mas ao mesmo tempo o Banco Mundial e outras instituições financeiras não estão preparados para emitir o dinheiro necessário”, diz Garzón.
O Equador precisa de uma variedade de parceiros internacionais, mas no final de janeiro três grandes bancos europeus se comprometeram a acabar com os empréstimos às empresas petrolíferas que trabalham na região amazônica.
Apesar disso, os candidatos à presidência do Equador devem buscar outras fontes para financiar o setor, provavelmente inclusive na China, diz Garzón. O caso, segundo ela, é um exemplo da falta de apreço à proteção ambiental na região, independente das escolhas de parceiros políticos de cada líder nacional.
“Quem quer que conceda os empréstimos,” explica, “estamos vendo que os governos dos países em desenvolvimento estão se concentrando nas indústrias extrativas como importantes motores da recuperação econômica”.