Ao longo do ano de 2020, o agronegócio brasileiro assistiu a diversas desavenças políticas entre o governo do presidente Jair Bolsonaro e importantes compradores internacionais. Por inúmeras vezes, discursos pouco diplomáticos por parte de autoridades brasileiras e do próprio presidente e questões ambientais ganharam protagonismo nas relações comerciais.
De um lado, a China, maior parceiro comercial do Brasil no setor, é alvo de insinuações, por parte de ministros e do filho do presidente, de que teria se beneficiado da pandemia do novo coronavírus. De outro, a França ameaça o futuro do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, ao constantemente se posicionar de maneira crítica à sustentabilidade da agropecuária brasileira.[/chinadialogue_image]
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Em alguns poucos momentos, o atrito teve consequências reais no bolso de agronegócio. Em meados do ano passado, por exemplo, a JBS, maior processadora de carne do mundo, foi retirada da carteira vendida pela finlandesa Nordea Asset Management, que controla um fundo de investimentos de 220 bilhões de euros. Entre outros fatores, pesou na decisão a falta de compromisso com sustentabilidade por parte da empresa.
2020
Foi a segunda melhor década para o agronegócio brasileiro
A crise levou a anúncios de programas de sustentabilidade por algumas grandes empresas. Mas os percalços pouco importaram para o setor. Com volumes de exportação extraordinários, a conjuntura favorável do mercado falou mais alto. O ano de 2020 foi o segundo melhor da década para o agronegócio brasileiro.
“O ambiente do negócio agrícola é o melhor da história. Trabalho com soja há 32 anos e nunca vivi uma situação similar”, afirma Bartolomeu Braz Pereira, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). “O presidente sempre nos escuta e temos uma sintonia muito forte, atendendo em tudo que precisamos. O governo sempre manteve sua palavra com o que foi prometido”.
O governo atendeu às expectativas do setor. A gente tem sorte de ter a ministra Tereza Cristina como representante
Os números e cifras comprovam que o setor rural navega em um mar de bonança. Em 2020, a agropecuária brasileira exportou 100,8 bilhões de dólares, 4,1% a mais em relação às vendas de 2019. Ainda, o setor foi responsável por quase a metade (48%) das exportações gerais do país.
A ministra Tereza Cristina é quase unanimidade no setor. Em relação aos antecessores, a ministra, desde que assumiu o cargo no início de 2019, firmou uma agenda proativa, com inúmeras viagens para potencial países consumidores. Desde então, o Brasil abriu mais de 60 novos mercados em mais de 25 países para a exportação de seus produtos agropecuários. Os Estados Unidos passaram a comprar carne bovina in natura, a Índia, carne de frango e a Coreia do Sul, pescados.
“O governo atendeu às expectativas do setor. A gente tem sorte de ter a ministra Tereza Cristina como representante”, comemora Teresa Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Analistas apontam que uma série de fatores fora do controle do governo brasileiro ajudaram o setor, como o dólar alto e o aumento de importação de carne pela China por causa da peste suína.
Apesar de concordar com o diagnóstico, Pereira, da Aprosoja, argumenta que houve um papel decisivo do governo Bolsonaro para garantir o ambiente de negócio positivo. Ele aponta para a vizinha Argentina, que com condições geográficas favoráveis, amargou uma queda de quase 32% nas exportações de soja em grãos em 2020, enquanto a exportação de carne bovina aumentou 8,6%, similar à performance brasileira mas bem menor em números absolutos.
“O agro lá não decola por conta das limitações impostas pelo governo”, argumenta.
Representantes do setor também apontam interesses internos do setor agrícola de países europeus como a verdadeira causa das reclamações sobre o desrespeito ao meio ambiente no Brasil.
“O Brasil é um grande produtor mundial. É natural que concorrentes do agro queiram jogar casca de banana no caminho do Brasil”, diz o ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Alceu Moreira, que ficou no cargo até janeiro desse ano.
Moreira admite, no entanto, que, nos bastidores, em inúmeras ocasiões, foi preciso muita conversa e diplomacia para contornar as declarações feitas pelos interlocutores do governo federal e minimizar possíveis crises. Sem dar detalhes, o parlamentar diz que foi preciso, por exemplo, ir até a embaixada da China para esclarecer alguns pontos. “Pensando nos nossos interesses comerciais, talvez não seja o mais apropriado esse tipo de narrativa, de manifestação”, pondera.
Apesar das questões diplomáticas, o deputado argumenta que a força do agronegócio brasileiro salva o país de eventuais rupturas comerciais. Para ele, quando se trata de comércio exterior, “os países não têm amigos, têm interesses” – inclusive a China, onde a preocupação com a segurança alimentar de 1,4 bilhão de pessoas é constante para um povo que historicamente sofreu com miséria e fome.
“Nenhum país preocupado com a segurança alimentar da sua população pode deixar de considerar o Brasil”, pondera o parlamentar.
Imagem queimada
A analista de mercado da AgRural Commodities Agrícolas, Daniele Siqueira, confirma que, na prática, os “ruídos” causados pelo governo, ou mesmo as questões ambientais, não prejudicaram efetivamente o agro brasileiro.
“Na prática, nada mudou. Até porque, críticas às questões ambientais não são novidades deste governo”, diz a analista. “Não estou dizendo que não temos problemas ou que o desmatamento não existe. Mas o fato é que temos um problema ainda mais sério que é a imagem equivocada do agro brasileiro interna e externamente”.
Especialista no setor de grãos, Siqueira diz que o Brasil tem uma legislação ambiental entre as mais severas do mundo e que práticas predatórias já são, na sua maioria, abolidas pelos grandes produtores.
Mas investigações oficiais, jornalísticas, acadêmicas e de organizações ambientalistas têm apontado com crescente frequência para as conexões da cadeia de suprimentos dos maiores produtos de exportação do Brasil com crimes ambientais nos últimos anos.
Para Siqueira, uma ação mais incisiva do governo no combate a crimes ambientais – que bateram recordes no governo Bolsonaro – seria positiva para o agronegócio.
“O maior problema hoje é garantir uma fiscalização eficiente em um país tão grande como o nosso”, diz. “É claro que um governo menos sensível à questão ambiental, como o atual, pode favorecer uma sensação de mais liberdade para cometer exageros”.
China: o grande parceiro comercial do agro brasileiro
Em relação aos compradores do agro brasileiro, a China aparece no topo do ranking. O país compra mais da metade da carne e da soja vendida pelo Brasil para o exterior, mesmo com as intempéries por parte do clã Bolsonaro e o primeiro escalão do governo federal.
Os atritos com os chineses voltaram à pauta quando ficou claro, em janeiro, que o governo brasileiro estava enfrentando obstáculos para acelerar a campanha de vacinação por falta de insumos, em grande parte vindos da China. Em uma tentativa de resolver o problema, o presidente Bolsonaro chegou a tecer elogios à China, enquanto autoridades chinesas diziam que o problema era logístico, não político.
Para Vendramini, da Sociedade Rural Brasileira, a necessidade da compra de insumos para a produção de vacinas contra o Covid-19 pode estreitar ainda mais as relações entre as duas nações.
“Brasil e China são duas economias que se complementam”, diz. “O Brasil é a fábrica de alimentos e a China, com o aumento da classe média consumidora, precisa destes alimentos. Eu espero que essas duas economias se entendam cada vez mais, para o bem do Brasil e do produtor rural”.