Com a chegada de Guillermo Lasso à presidência do Equador em maio, o país sul-americano busca abrir a economia para atrair investidores e quitar as dívidas herdadas de governos passados.
No entanto, a dívida pública do Equador — que totalizou US$ 62 bilhões em junho passado, segundo o Ministério da Economia do país — é um dos principais obstáculos que Lasso terá que contornar para cumprir suas promessas de campanha, como criar dois milhões de empregos, elevar o salário mínimo de US$ 400 para US$ 500, conceder empréstimos aos agricultores a taxas de juros baixas, entre outras.
Parte dessa dívida é com a China. Nos últimos anos, bancos estatais chineses concederam empréstimos no valor de US$ 8 bilhões, sendo que US$ 5,1 bilhões estão pendentes, de acordo com os registros do ministério de junho.
A dívida com a China teve início sob o regime de Rafael Correa, que chegou ao poder em 2007 com um modelo de governo de esquerda que buscava novos aliados internacionais. No entanto, as negociações em torno do empréstimo e o aumento da dívida levantaram sérias questões sobre sua sustentabilidade.
Evolução da dívida com a China
Em 2008, o Equador entrou em inadimplência com uma parcela da dívida externa e começou a procurar fontes alternativas de financiamento. Ao mesmo tempo, a China cultivava novas relações com países latino-americanos, pois buscava assegurar o abastecimento de matérias-primas para seu desenvolvimento e um destino para sua produção industrial excedente.
A China chegou ao Equador com fartos recursos, mas os termos dos empréstimos não eram transparentes, de acordo com setores da oposição. Parte do dinheiro foi usado para impulsionar a geração de eletricidade, a prevenção de enchentes e a irrigação agrícola. No entanto, vários desses projetos são agora objeto de investigações, incluindo a maior usina hidrelétrica do país, a Coca Codo Sinclair. De acordo com um inquérito feito pela Controladoria do país, as usinas têm milhares de rachaduras, o que compromete o projeto.
Você sabia?
A dívida do Equador com a China disparou de US$ 6 milhões para US$ 8,1 bilhões entre 2008 e 2016.
A dívida com a China sofreu um aumento vertiginoso de 2008 a 2016. Nesses oito anos, ela disparou de US$ 6 milhões para US$ 8,1 bilhões. Um ano depois, Lenín Moreno venceu as eleições presidenciais equatorianas. Ele conseguiu renegociar uma dívida de US$ 891 milhões com o Banco de Desenvolvimento da China (CDB) e a agência governamental americana Eximbank. Moreno também obteve um empréstimo de US$6,5 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) a uma taxa de 2,9%, quatro pontos percentuais a menos que os empréstimos da China.
Plano dos EUA
Há expectativas de que Lasso busque refinanciar a dívida com a ajuda dos Estados Unidos. Na candidatura, ele falou à CNN de seu interesse em abordar os EUA e buscar acordos com o FMI ou a DFC (Corporação Financeira Internacional de Desenvolvimento do governo dos EUA). No início deste ano, a administração Moreno e a DFC assinaram um acordo para um empréstimo de até US$ 3,5 bilhões a uma taxa de juros de 2,48%.
Os EUA esperam expulsar a China e as empresas chinesas da América Latina
A DFC foi criada em 2018 como parte da política americana para recuperar sua hegemonia na América Latina, diante do aumento da atividade econômica chinesa na região. Em seu website — e buscando marcar diferença da China —, a corporação declarou:
“Os contratos são transparentes, o financiamento é sustentável, os impactos sociais são corretamente avaliados (…). A DFC ajuda os países a evitar um financiamento opaco, que muitas vezes resulta em dívidas insustentáveis”.
De acordo com especialistas em geopolítica chinesa, porém, os movimentos da DFC no Equador têm mais a ver com política do que com economia.
“Para os Estados Unidos, o desenvolvimento do Equador é de importância secundária. Mais importante ainda, os EUA esperam expulsar a China e as empresas chinesas da América Latina”, declararam Vijay Prasad, pesquisador visitante do Instituto Chongyang de Estudos Financeiros da Universidade Renmin da China, e John Ross, senior fellow do Instituto Chongyang, em um artigo publicado no veículo nacionalista chinês Guancha pouco antes da confirmação do resultado das eleições no Equador.
Benefícios da relação com a China
Analistas concordam que o presidente Guillermo Lasso deve buscar oportunidades de financiamento em condições favoráveis e ao mesmo tempo fortalecer sua relação comercial com a China, olhando para o país como mais que apenas um financiador.
“A China é atualmente a principal economia do mundo em termos de recuperação do mercado, apesar da pandemia. O mercado chinês, devido a sua reativação, começou a consumir cada dia mais”, diz Gustavo Cáceres, presidente da Câmara de Comércio Equador-China (CCECH). Cáceres vê um nicho promissor nos mais de 600 milhões de consumidores na China.
10,98 milhões
de barris de petróleo equatoriano foram exportados para a China em 2020
Em 2020, as exportações totais do Equador para a China somaram US$ 3,2 bilhões. Camarão (59%), petróleo (12%), madeira tipo balsa (11%) e banana (5%) representam 87% das receitas de exportação do Equador para a China.
“As importações aumentaram enquanto as exportações diminuíram consideravelmente. Em relação ao volume exportado por toneladas, houve uma redução de quase 50%”, afirma um relatório da CCECH.
Para aumentar a produção e as exportações para a China, Cáceres diz que o governo Lasso deveria buscar um acordo comercial equilibrado com Beijing, visando a melhorar a competitividade dos principais produtos do Equador, como camarão, petróleo e banana.
No caso do petróleo equatoriano, em 2020, seus principais mercados foram Panamá (55,76 milhões de barris), Estados Unidos (40,4 milhões de barris), Chile (14,83 milhões de barris) e China (10,98 milhões de barris).
Dívida informada
Carlos Julio Emanuele, ex-ministro das finanças do Equador e ex-funcionário do FMI, concorda que a dívida com o Equador deve ser revista.
“Duas coisas fundamentais devem ser feitas: primeiro, cancelar a dívida, porque é uma dívida que tem sido prejudicial para o país; e segundo, liberar o petróleo que foi dado como garantia para o restante dos empréstimos”, diz Emanuele. “No momento em que a dívida for cancelada, não deve mais haver qualquer obrigação para o Equador de entregar o petróleo à China, mas de vendê-lo no mercado internacional”.
A venda obrigatória de petróleo é uma condição de um dos empréstimos da China, prática comum em empréstimos chineses em alguns países da América Latina e África. No caso do Equador, a venda foi garantida pelo então ministro da economia Patricio Rivera, em 2010, numa decisão pouco transparente. “O governo equatoriano comprometeu-se a vender 36 mil barris de petróleo por dia à China durante quatro anos como parte do acordo de empréstimo de US$ 1 bilhão assinado em agosto daquele ano”, publicou o jornal El Universo.
“Essa é uma das questões que nos leva a desconfiar dessas negociações, porque, uma vez concluídas, os documentos foram declarados secretos”, disse Emanuele.
Enquanto isto, os EUA investigam negociações de pré-venda do petróleo equatoriano a empresas chinesas (elas ocorrem nos EUA porque os americanos detectaram a movimentação financeira desses negócios). As investigações estão em curso também no Equador e já levaram a prisões por subornos relacionados à intermediação comercial e à simulação de transações.
“Foram financiadas oito usinas hidrelétricas [com empréstimos chineses], das quais quatro ou cinco ainda não operam. Há um motivo para repensar [os laços] com a China e afirmar: ‘queremos ter boas relações com você, mas temos que resolver esses problemas. Portanto, temos que repensar a questão’”, diz Emanuele.
Resposta da China
Evan Ellis, professor e pesquisador de Estudos Latino-Americanos do Instituto de Estudos Estratégicos do Exército dos EUA, acredita que a China manterá uma abordagem cautelosa nas relações com o Equador. “Suspeito que a China não dirá ‘não’ de forma direta, e sim algo para deixar Lasso feliz”, afirma.
A busca da independência nacional e a amizade com a China são consistentes entre si
“A China e suas empresas normalmente buscam novos pontos de entrada por meio de pessoas associadas ao governo e tentam se adaptar ao estilo e às necessidades de cada novo governo. O Equador continua carecendo de ajuda econômica e fiscal. Estou certo de que, apesar da orientação mais conservadora do governo Guillermo Lasso, a China busca pontos de entrada”, acrescenta Evan Ellis.
Os analistas John Ross e Vijay Prasad acreditam que o relacionamento da China com a América Latina tem benefícios para todas as partes. Eles escrevem: “Isso os ajudará a avançar em direção à independência nacional, em vez de ser apenas ‘o quintal da América’ (…)”. [Os EUA] querem tornar esses países mais subservientes. A busca da independência nacional e a amizade com a China são consistentes entre si”.