Nos últimos anos, muito tem sido falado sobre o fortalecimento das relações entre a China e a América Latina, e a Colômbia não está alheia à conversa. Para além do aumento do comércio e do crédito, da cooperação Sul-Sul e das tensões geopolíticas que a presença da China provoca na região, devido à sua histórica relação com os Estados Unidos, há também transformações nas práticas comerciais, e a Colômbia tem especial relevância nesse processo.
Houve um aumento significativo no investimento e na participação de empresas chinesas na Colômbia por meio de parcerias público-privadas (PPPs), o que representa uma relevante mudança da dinâmica comercial. E os efeitos das crises sanitária e social, intensificados pela greve nacional do país, podem mudar seu engajamento futuro, dado que as tensões sociais foram provocadas pela proposta de reforma tributária para enfrentar o déficit fiscal do país.
A pandemia da Covid-19 afetou a relação China-América Latina de forma importante
No caso dos investimentos, os fluxos provenientes da China aumentaram, mas continuam inferiores aos de países como o Brasil, Peru e México. O investimento chinês na região tem evoluído e se diversificado para setores como telecomunicações e energia limpa. No entanto, até agora não tem sido esse o caso da Colômbia.
Por que presença chinesa cresce na Colômbia
Duas transformações facilitaram este fenômeno. Em primeiro lugar, a China mudou seus padrões de gastos na América Latina. Em particular, reduziu o financiamento aos países da região. Isto é acompanhado por um apoio crescente às empresas chinesas e pelo desenvolvimento de iniciativas como a Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, em inglês). Isto resulta em uma maior seletividade em termos do tipo de iniciativas para as quais os recursos são direcionados. Vale ressaltar que, como parte do BRI, a Estrada Marítima da Seda recentemente passou a abranger a América Latina. A participação nessa iniciativa requer a assinatura de um memorando de entendimento de cooperação com a China. Até agora, 19 países da região aderiram. No entanto, Argentina, Brasil, Colômbia e México ainda não.
A consolidação de um novo nicho de investimento chinês por PPPs permitiu às empresas financiar, construir e gerir grandes projetos de infraestruturas em conjunto com o governo e, posteriormente, por concessão, encarregar-se da operação e manutenção dos serviços que oferecem. As empresas chinesas assumem inicialmente os riscos associados à concepção, construção e possíveis atrasos na implementação. Tradicionalmente, este mecanismo tem sido visto como um investimento seguro, que garante uma fonte estável de renda, já que as concessões são tradicionalmente concedidas por um mínimo de 20 anos.
Você sabia?
O projeto da primeira linha do metrô de Bogotá é uma das maiores iniciativas de infraestrutura do país e está orçado em quase US$ 12 bilhões.
O exemplo mais emblemático de PPP envolvendo uma empresa chinesa é a construção da primeira linha do metrô de Bogotá, a ser realizada por um consórcio formado pela China Harbour Engineering Company Limited (CHEC, subsidiária da China Construction Communications Company) e Xi’An Metro Company Limited. O projeto, no valor aproximado de US$12 bilhões, é uma das maiores iniciativas de infraestrutura do país.
Desde seu anúncio, a CHEC tem estado no olho do furacão e sido destacada na mídia por escândalos de corrupção e irregularidades em países onde tem operado. Esses incluem Malásia, Filipinas e Sri Lanka. Entretanto, a CHEC está presente na Colômbia há vários anos. Em 2015, a Agência Nacional de Infraestrutura autorizou a concessão da Autopista al Mar 2 até 2040. A iniciativa inclui uma rodovia de 254 quilômetros que liga Cañasgordas-Uramita-Dabeiba-Mutatá, El Tigre e Necoclí, no estado de Antioquia, no nordeste do país.
Na Colômbia, como em muitos outros países em desenvolvimento, os déficits fiscais e a má gestão dos recursos públicos reduzem a capacidade do Estado de investir em áreas-chave, como em melhoria de infraestrutura e investimento social, que se tornou mais urgente no contexto da pandemia. No entanto, a deterioração das finanças públicas da Colômbia não é um fenômeno novo. Isto é evidenciado pelas várias reformas fiscais realizadas em 2014, 2016, 2018, assim como a que o governo tentou este ano. Embora tenha sido interrompida por conta dos protestos, ela será modificada e reapresentada ao congresso nos próximos meses. Em cenários semelhantes, as PPPs têm sido vistas como ferramentas valiosas para o financiamento de grandes projetos.
No entanto, no atual contexto colombiano, dois fatores podem prejudicar a disseminação das PPPs. Em primeiro lugar, a desvalorização do peso em relação ao dólar aumenta o custo dos projetos. Em segundo, o Estado colombiano tem uma capacidade limitada para cobrir despesas adicionais. Isso se deve ao aumento dos custos dos financiamentos e ao acesso limitado aos mercados financeiros, como resultado do déficit fiscal que levou à degradação da classificação de investimento da Colômbia por agências como a Standard & Poor’s (S&P), de BBB para BB+.
Antes da crise, havia a expansão de PPPs com empresas chinesas em atividades em três categorias: grandes projetos de infraestruturas; geração de energia limpa; e licitações para a venda de veículos elétricos.
Representações da mídia colombiana
A pandemia da Covid-19 afetou a relação China-América Latina de forma importante. Na América Latina, a China lançou uma forte estratégia que muitos chamaram de diplomacia vacinal, destinada a facilitar o acesso às vacinas da Sinovac Biotech Ltd. Trata-se de uma parte fundamental da resposta à pandemia. Mas há uma série de questões sobre a presença da China na Colômbia que são especialmente pertinentes, dada a crise atual.
Uma compreensão das perspectivas futuras de cooperação econômica e financeira requer uma noção de como o investimento chinês na Colômbia tem sido percebido. Os setores de infraestrutura e energia são os mais relevantes aqui. Os números de investimento e o tom positivo, negativo ou neutro em que os principais meios de comunicação descreveram os projetos e empresas chinesas no país oferecem um conjunto de evidências.
Revi 60 artigos publicados entre 2006 e 2021 que se referem a novos projetos (Greenfield) e investimentos em projetos existentes (Brownfield). Em muitos casos, os fluxos de investimento vêm de empresas chinesas com filiais em outros países, o que impede que sejam incluídos nos dados. Como resultado, os números de investimento poderiam ser ainda mais altos.
Os dados revelam que 67% dos artigos analisados apresentam uma visão favorável aos projetos de infraestrutura e energia renovável, seguidos de 18% de opiniões neutras. Os artigos com uma leitura negativa representaram 15%.
A imagem positiva de muitos desses projetos é explicada pela elevada consideração com que as revistas e jornais tradicionais tratam o crescente interesse da China pela Colômbia. Em particular, eles tendem a uma narrativa de criação de empregos e benefícios econômicos que se espera que esses projetos gerem. Em muitos casos, a informação parece replicar comunicados de imprensa da empresa ou do governo.
O setor com a visão mais favorável, acima de 90%, é o de energia limpa
Muitos artigos foram descritivos e se limitaram a apresentar informações gerais sobre projetos e empresas sem julgamentos de valor. Isto explica a quota significativa de percepções neutras.
As percepções negativas são mais diversas, decorrentes de três questões principais: primeiro, o impacto dos projetos sobre o meio ambiente e o não cumprimento das normas ambientais; segundo, as violações dos direitos humanos e dos direitos das comunidades indígenas e de agricultores. Essas duas primeiras são expressas principalmente em colunas de opinião e meios não tradicionais; finalmente, a dinâmica geopolítica do avanço da China e as implicações para o relacionamento da Colômbia com os EUA. Esse conjunto de artigos também inclui preocupações sobre o envolvimento dessas empresas em atividades estratégicas que poderiam afetar a soberania do Estado. Poucos artigos abordam a relevância do BRI para a Colômbia.
O setor com a visão mais favorável, acima de 90%, é o de energia limpa. Na sequência, estão as empresas do setor extrativo e de infraestrutura. No caso das empresas extrativas, isso se explica em grande parte pelo fato de terem sido as primeiras a chegar ao país, recebido uma atenção significativa e sido vistas com expectativas positivas.
A Trina Solar ganhou uma licitação em 2019 para a execução de todos os projetos de geração de energia limpa propostos pelo governo. A iniciativa de 45 bilhões de pesos (R$ 60 milhões) é a primeira de longo prazo dessa natureza no país e prevê a criação de dez fazendas solares.
75%
dos ônibus públicos devem ser substituídos por veículos com emissão zero em sete cidades colombianas até 2040.
A primeira fazenda, denominada Parque Solar Bosques de los Llanos 1, está localizada no município de Puerto Gaitán, e já iniciou suas operações. Esse é o primeiro de vários parques a ser estabelecido nas planícies orientais. A empresa também realizará projetos em Córdoba, Tolima e Valle del Cauca.
Há uma convergência de interesses nessa categoria. A China tem expressado seu crescente compromisso no combate às mudanças climáticas e a desenvolver infraestruturas sustentáveis. A Colômbia também assumiu compromissos no âmbito do Acordo de Paris para reduzir as emissões. Isto tem encorajado mais empresas chinesas a participar de projetos de energia renovável e em iniciativas de transporte no país. Sobre esse último, é importante destacar que a Colômbia se comprometeu a substituir 75% dos ônibus públicos por veículos com emissão zero em sete cidades até 2040.
Neste contexto, a BYD tem sido apresentada positivamente nos meios de comunicação colombianos. A empresa está presente no país desde 2012 e ganhou várias licitações para o fornecimento de e-buses para as cidades de Bogotá, Medellín e Cali. Espera-se que 1.472 ônibus elétricos estejam em circulação até 2022. Isso garantiria ao sistema de transporte rápido Transmilenio, de Bogotá, a maior frota de ônibus elétricos da América Latina. A empresa também foi selecionada para abastecer a capital com a primeira frota de táxis 100% elétrica da América Latina.
No setor de infraestrutura, a China Civil Engineering Construction Corporation (CCEC) — subsidiária da gigante estatal China Railway Construction Company (CRCC) — é descrita positivamente nos principais meios de comunicação. Em 2020, a CRCC recebeu a concessão para a construção, operação e manutenção do projeto Western RegioTram. Esse será o primeiro trem de passageiros suprido por energia elétrica na Colômbia e deverá beneficiar os habitantes de Bogotá e arredores. Esse projeto de 3,4 bilhões de pesos (R$ 4,5 milhões) foi definido pelo gabinete do governador de Cundinamarca e deve entrar em operação em 2023.
Em contraste, a empresa de infraestrutura que se destaca por sua cobertura negativa pela mídia colombiana é a Power Construction Corporation of China (PowerChina), matriz de subsidiárias de renome com presença no país, como Hydrochina, Sinohydro, Sepco e HypeC. Em particular, as críticas são dirigidas à PPP e à formulação e execução do Plano de Desenvolvimento do Rio Magdalena, que procura melhorar a navegabilidade da hidrovia. PowerChina, o estado colombiano e o gabinete do governador do Atlântico desenvolveram esta iniciativa de aproximadamente 2,5 bilhões de pesos (R$ 3,3 milhões). Entretanto, foram manifestadas preocupações sobre a falta de participação das comunidades vizinhas na formulação do plano, os possíveis impactos ao rio local e aos pescadores.
A limitada capacidade de empréstimo dos bancos multilaterais tradicionais pode abrir a possibilidade de negociar crédito com a China
PowerChina, the Colombian state, and the Governor’s Office of the department of Atlántico developed this approximately 2.5 billion peso (US$647 million) initiative. However, concerns have been voiced about the lack of surrounding communities’ participation in the formulation of the plan, the possible effects on the river’s natural environment and fishers.
Projetos relacionados às energias extrativas, como petróleo e gás, representados por empresas como China Petroleum Company, Sinochem e Sinopec, entre outras, também receberam críticas significativas pelo tratamento das questões ambientais e sociais.
Conclusões
A expansão da China na América Latina é um fato, e nos próximos anos haverá novas e cada vez mais diversificadas iniciativas de comércio, investimento e cooperação. Essa análise revela que a crescente participação das empresas chinesas no país é vista com otimismo por seu potencial econômico, mas também há preocupações significativas sobre seu impacto nas comunidades, no meio ambiente e na dinâmica geopolítica da região. Essas preocupações podem se espalhar para outros setores que vêm crescendo em importância, como telecomunicações e energia limpa.
As PPPs são uma ferramenta relevante para avançar na construção de projetos de infraestrutura e energia, geração de empregos e recuperação econômica da Colômbia
Para evitar essa tendência e continuar contribuindo para um ambiente de investimento positivo, as empresas chinesas devem integrar o respeito pelo meio ambiente, as considerações às comunidades e, como já tem acontecido em alguns casos, às políticas de responsabilidade social em suas operações.
Finalmente, as PPPs são uma ferramenta relevante para avançar na construção de projetos de infraestrutura e energia, geração de empregos e recuperação econômica da Colômbia. Essa reconstrução é essencial para enfrentar a atual situação fiscal do país, a pandemia da Covid-19 e as crescentes demandas por um maior gasto social. A limitada capacidade de empréstimo dos bancos multilaterais tradicionais pode abrir a possibilidade de negociar crédito com a China para melhor garantir o sucesso das PPPs. Isto aumentaria não só a presença de empresas chinesas, mas também a influência já crescente da China na Colômbia.