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Como foi a experiência de usar o bitcoin por um dia em El Salvador

Uma repórter testa a criptomoeda em meio à confusão da maioria dos salvadorenhos para adotar a moeda corrente no país
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“Não ao Bitcoin”, diz um adesivo em uma barraca de rua que vende pirulitos e outros doces. Muitos vendedores ambulantes se opõem à moeda digital. (Víctor Peña / dpa / Alamy Live News)

“Não ao bitcoin”, “Nós não queremos bitcoin!”. Gritos uníssonos foram ouvidos nas ruas de San Salvador, capital de El Salvador, no dia 7 de setembro.

A data marca a introdução do bitcoin como moeda corrente no país, mas a iniciativa inédita no mundo tem gerado desconfiança dos salvadorenhos e pode afetar a popularidade do presidente Nayib Bukele, que arquitetou uma alteração legislativa permitindo sua reeleição.

Cerca de mil pessoas do país de 6,5 milhões marcharam em direção à Assembleia Legislativa em protesto contra a introdução da Lei do Bitcoin e a decisão que dá sinal verde a um possível segundo mandato de Bukele em 2024.

Observo um grupo de salvadorenhos tentando pular barricadas e passar pela polícia de choque para chegar à assembleia enquanto aguardo na fila para usar o caixa eletrônico do bitcoin pela primeira vez. Duas pessoas na minha frente transformam seus bitcoins em dólares e sacam o dinheiro. O processo parece bem simples.

Você sabia…?


A China costumava ter 65% das minas e foi o principal mercado de criptomoedas do mundo.

Com a mesma facilidade, tento comprar minhas primeiras bitcoins, mas falho. Após frustrantes cinco minutos apertando botões e ligando para uma amiga, uma jovem explica como comprá-los e me diz com confiança que os usa há anos.

Em uma aula improvisada, ela explica que o bitcoin é uma moeda digital volátil. Seu valor pode cair ou subir, gerando perdas ou lucros… É também uma moeda descentralizada, o que significa que não há órgão de controle responsável pela emissão e registro de sua movimentação. Existe um sistema para armazenar e operar o bitcoin, chamado carteira eletrônica, que pode ser usado de computadores ou celulares com o aplicativo bitcoin.

“Se quiser falar mais sobre bitcoin, aqui está meu cartão”, diz a mulher antes de sair.

Aprendi que se há uma coisa que os fãs de bitcoin gostam mais do que do bitcoin, é falar sobre bitcoin.

China proíbe e El Salvador avança com bitcoin

A volatilidade do bitcoin não é seu único inconveniente. O processo de mineração — que requer operar computadores 24 horas por dia para gerar códigos numéricos exclusivos que constituem a “moeda” — tem um custo energético extremamente alto.

Por isso que países como a China proibiram a criptomoeda. Essa restrição, segundo o Comitê para o Desenvolvimento e Estabilidade Financeira do Conselho de Estado, também vem do receio de que essas moedas alterem a ordem econômica e gerem riscos sociais.

Antes disso, a China abrigou 65% das minas e foi o principal mercado de criptomoedas do mundo. Seu estável fornecimento de energia encorajava os mineradores. Mas ativistas ambientais criticam a insustentabilidade da demanda energética da moeda.

Em El Salvador, Bukele disse que a energia geotérmica gerará eletricidade para a mineração de moedas criptográficas e instou a empresa estatal de energia geotérmica renovável LaGeo a construir novas instalações para alimentar as minas.

Se o bitcoin fosse extraído em El Salvador, isso causaria um aumento excessivo na demanda de eletricidade, e o país seria forçado a importar mais

“Instruí o presidente da LaGeo, nossa empresa pública de energia geotérmica, a colocar em prática um plano que oferece instalações para a mineração de bitcoin com a energia que vem de nossos vulcões: é barato, 100% limpo e com zero emissões. Isto vai evoluir rapidamente”, afirmou o presidente.

El Salvador tem duas plantas geotérmicas: Ahuachapán, a 103 quilômetros a oeste de San Salvador, com capacidade instalada de 95 megawatts (MW), e Berlim, uma usina de 109 MW a 106 quilômetros a leste da capital. Juntas, elas atendem à demanda de 1,5 milhão dos 6,5 milhões de cidadãos do país.

Mas, segundo Álvaro Trigueros, da Fundação Salvadorenha de Desenvolvimento Econômico e Social, há riscos de El Salvador dedicar energia ao bitcoin. “Dado que o país não é autossuficiente, se o bitcoin fosse extraído em El Salvador, isso causaria um aumento excessivo na demanda de eletricidade, e o país seria forçado a importar mais”, explicou.

Volatilidade da criptomoeda

Já Carlos Martínez Cruz, professor de engenharia elétrica da Universidade de El Salvador, disse que entregar uma usina geotérmica à indústria do bitcoin é perigoso porque é um setor do mercado financeiro baseado na especulação.

Então, quão volátil é exatamente o bitcoin?

Revejo minha transação no caixa eletrônico. Meus US$ 25 agora são US$ 23 por causa de uma taxa. Ela é convertida em 0,00039341 Satoshis ou Sats — o nome da fração do bitcoin. Um bitcoin vale US$ 7.500, portanto a necessidade da denominação em pequenas frações. Em questão de dez minutos, meus US$ 23 se tornaram US$ 21,92.

Um dos receios é que as pessoas comecem a receber seu salário em bitcoins, que está sujeito a flutuações

Acontece que o dia 7 de setembro foi um dos piores dias para comprar bitcoins porque seu valor caiu 17%. Isso me custou US$ 1,08 e também custou ao governo — que comprou 550 bitcoins no dia anterior — mais de US$ 700 mil em perdas. Tudo isso em questão de horas.

“Um dos receios é que as pessoas comecem a receber seu salário em bitcoins, que está sujeito a flutuações. Como você pode ver, eles depositam US$ 300 no dia do pagamento, e no dia seguinte o valor pode cair para US$ 280, sendo que, com US$ 20, uma família se alimenta por uma semana”, disse Óscar Salguero, engenheiro de software.

Você sabia…?


O bitcoin é uma moeda descentralizada, o que significa que não há órgão de controle responsável pela emissão e registro de sua movimentação

Para garantir salvaguardas às flutuações, a Lei do Bitcoin propõe um fundo no Banco de Desenvolvimento de El Salvador com reservas de US$ 150 milhões. Esse fundo funcionará como um caixa de conversão para financiar as transações de bitcoin em tempo real. Isto, em teoria, protegerá contra a muito temida volatilidade do bitcoin no mercado.

Mas para o economista Rommel Rodríguez, isso não é uma solução. “Se as pessoas começam a fazer muitas remessas em bitcoins, isso implica a entrada dessa criptomoeda na economia e não a entrada de dólares”, disse ele, acrescentando: “A provisão de dólares em El Salvador depende se eles entram no país, e se os bitcoins começam a entrar, há dúvidas sobre como o fundo do bitcoin vai fornecer esses dólares”.

Comércio despreparado para bitcoin

Deixo o caixa eletrônico com a firme intenção de gastar o que são agora US$ 19,80. Mas em uma volta pelo centro de Antiguo Cuscatlán, visito 30 lojas e descubro que usar minha criptomoeda é impossível, apesar de agora ser obrigatório aceitá-la.

Já prestes a desistir, tento uma última loja. O jovem Luis Benítez se levanta confuso de sua cadeira e responde duvidosamente “hmmm, sim, eu acho que sim”.

Dez minutos lutando com o aplicativo e algumas mensagens de erro depois, consigo comprar um pacote de chicletes. Com a queda do valor do bitcoin e o custo do chiclete, acabei gastando US$ 3 no que deveria ter custado US$ 0,50.

Uma pesquisa do Instituto Universitário de Opinião Pública mostra que a aposta de Bukele no bitcoin levou sua taxa de aprovação a cair de 8,7% para 7,6% em apenas três meses. A pesquisa também indica que nove em cada dez salvadorenhos ainda não têm uma ideia clara sobre o que é o bitcoin, e 67% acreditam que a lei deveria ser revogada.

Por enquanto, sobre a equação energética e simplesmente como utilizar o bitcoin, os salvadorenhos ficam com mais perguntas do que respostas.

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