Com um patrimônio estimado em 2,4 trilhões de dólares, a maioria dos analistas considera o Banco de Desenvolvimento da China (CDB, em inglês) o maior do tipo no mundo. Sozinho, o CDB já desembolsou quase US$ 100 bilhões em empréstimos soberanos à América Latina nos últimos 15 anos e injetou mais dezenas de bilhões em programas especiais de financiamento regional, de acordo com a base de dados do think tank The Dialogue.
Apesar disso, poucos conhecem o CDB na região.
Com o banco apoiando grandes projetos de energia e infraestrutura que podem gerar impactos socioambientais consideráveis, um novo relatório da ONG Latinoamérica Sustentable destrincha o funcionamento e financiamento do banco da América Latina.
“O CDB é um financiador muito importante para vários países da América Latina, mas poucas pessoas o conhecem”, disse Paulina Garzón, diretora do Latinoamérica Sustentable. “Os governos latino-americanos estão buscando mais investimentos em infraestrutura e aprofundando aportes na indústria extrativa. Tradicionalmente, essas são as duas áreas que mais interessam o banco”, acrescentou.
US$31 bilhões
foram investidos pelo CDB na indústria petrolífera na América Latina
Até o momento, o portfólio de empréstimos soberanos do CDB na região tem consistido esmagadoramente em financiamento para o desenvolvimento energético. Dos US$ 38,8 bilhões que canalizou para o setor, investimentos na indústria petrolífera representam US$ 31 bilhões, segundo dados da Universidade de Boston.
Apesar de o CDB financiar diversos projetos na América Latina — de barragens polêmicas na Argentina, parques eólicos no Equador a refinarias de petróleo na Venezuela — o relatório alerta para a ausência de políticas socioambientais disponíveis para o público que relatem a responsabilidade dos empreendimentos perante as leis locais. Semelhante ausência ocorre com canais de comunicação com as comunidades afetadas pelos projetos.
Ainda, o relatório analisou as políticas de empréstimo do CDB e sete contratos de empréstimo com governos latino-americanos. Desses, apenas dois contratos mencionaram leis ambientais e nenhum incluiu informações sobre os critérios ambientais e sociais considerados nas decisões de empréstimo.
Por anos, credores chineses seguiram uma política de adesão às leis ambientais do país anfitrião, ainda que elas tivessem padrões baixos e não fossem cumpridas. Mas com recentes mudanças na política de investimentos no exterior, há indicações de que questões ambientais recebam mais atenção no futuro.
Empréstimos do CDB para a América Latina
Os empréstimos soberanos do CDB diminuíram drasticamente nos últimos anos na região, chegando mesmo a zero em 2020.
Dos investimentos já feitos, Venezuela, Equador e Brasil respondem por 85% do total. Apesar da queda do investimento em 2020 e de a China ter até mesmo cortado linhas de financiamento para a Venezuela, isso não reflete uma falta de interesse na região como um todo, avalia Garzón. Empréstimos corporativos diretos a empresas chinesas utilizados para compra de ativos, ou capital para participar de concessões de mineração ou petróleo, continuam fluindo, observou. As empresas apoiadas pelo CDB também formam cada vez mais parcerias público-privadas.
Embora tenha começado em 1994 como um banco de desenvolvimento encarregado de apoiar as metas de desenvolvimento da China no exterior, o CDB foi reclassificado como um banco comercial em 2008, deixando de estar sob o controle direto do Conselho de Estado, a mais alta autoridade administrativa da China, conforme informações do relatório. Bancos comerciais estão sob a supervisão da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China (CBIRC).
Mais do que um passo na direção certa?
O relatório da Latinoamérica Sustentable observa que, até o fim de 2021, a CBIRC deve anunciar um mecanismo de ouvidoria para as comunidades afetadas por projetos financiados por bancos chineses no exterior.
“É muito positivo que a CBIRC tenha decidido estabelecer um mecanismo de ouvidoria. É um passo na direção certa”, avalia Garzón. “Nenhum banco ou corporação de qualquer nacionalidade pode se dar ao luxo, mesmo que seja apenas para permanecer em um negócio, de ignorar completamente as vozes de protesto e reinvidicações”.
Liu Shuang, associada sênior do Centro de Finanças Sustentáveis do World Resource Institute, entende que o movimento da CBIRC terá consequências diretas para os bancos que estão sob sua regulação.
“Os credores chineses e suas atividades são muito influenciados por outras estruturas regulatórias”, disse ela, acrescentando que a nova política da CBIRC será de encorajar os bancos a desenvolverem seu próprio sistema de governança para tratar das reivindicações de comunidades afetadas.
Para Liu, outras políticas recentes na China também revelam uma maior preocupação sobre uma gestão séria de riscos socioambientais de investimentos chineses no exterior.
Entre estes estão o avanço de um sistema de “semáforo” recentemente proposto pela Belt and Road Initiative Green Development Coalition (BRIGC) para classificar os investimentos de acordo com seus riscos socioambientais, metas internacionais de clima e desenvolvimento. A BRIGC é composta por especialistas chineses e internacionais e inclui nomes como o de Ye Yanfei na pasta de política.
O grupo lançou recentemente uma segunda rodada de recomendações e sugeriu que o sistema exija “uma profunda integração da gestão de riscos ambientais e sociais nos principais sistemas de gestão e estratégia corporativa”.
Caso a recomendação seja de fato implementada, investidores teriam como comparar portfólios com critérios mais claros, disse Liu.
Todas as declarações do governo chinês em favor da natureza e da luta contra as mudanças climáticas são muito bem-vindas
Também são notáveis as Diretrizes de Desenvolvimento Verde para Investimento e Cooperação no Exterior, emitidas conjuntamente pelo Ministério do Comércio da China e pelo Ministério de Ecologia e Meio Ambiente em julho deste ano. A política se compromete a acelerar “o investimento e a cooperação verdes no exterior” e “construir um sistema econômico com desenvolvimento verde, de baixo carbono e circular”.
“Acreditamos que isto [as diretrizes] criará mais espaço para o CDB adotar padrões ambientais mais rigorosos para projetos no exterior”, disse Liu, que também pontou que são necessárias mudanças nas decisões dos países anfitriões sobre projetos de desenvolvimento.
A lista de projetos propostos para os quais os governos buscam investimentos nacionais e estrangeiros, e que incluem garantias soberanas, favorecem fortemente o carvão e outros combustíveis fósseis, observou Liu. Quando os governos dos países anfitriões pedem investimentos mais verdes, a China responde.
No início deste ano, o Ministério das Finanças de Bangladesh enviou um pedido específico à embaixada chinesa em Dhaka solicitando o cancelamento de diversos projetos relacionados ao carvão. Pouco tempo depois, a embaixada confirmou que a China não investiria em nenhum projeto relacionado ao carvão no país, informou o Financial Times.
O recente anúncio de Xi Jinping de que a China deixará de financiar projetos a carvão no exterior e que impulsionará o apoio às energias renováveis também foi uma sinalização de que o país está atento às discussões internacionais sobre o assunto, avalia Liu.
Para Garzón, a promessa de fim do financiamento de projetos movidos a carvão feita por Xi foi um motivo de esperança: “Todas as declarações do governo chinês em favor da natureza e da luta contra as mudanças climáticas são muito bem-vindas”.