Em 18 de outubro, Cuba aderiu à Parceria Energética da Iniciativa Cinturão e Rota (BREP, em inglês), cujo objetivo é oferecer aos países participantes cooperação e investimentos em infraestrutura e energia limpa e melhorar a eficiência.
Cuba se une a Venezuela, Bolívia e Suriname como os únicos países latino-americanos entre os 31 membros da parceria, incluindo a China.
A entrada de Cuba na BREP ocorre em um momento em que o governo de Raúl Castro e Miguel Díaz-Canel precisa modernizar o antigo sistema energético do país. Além disso, a ilha enfrenta uma considerável redução nas importações de petróleo bruto da Venezuela.
Dependência de Cuba em combustíveis fósseis
Cerca de 95% da eletricidade gerada em Cuba provém de combustíveis fósseis, a maior parte fornecida por oito usinas termelétricas, que estão há cerca de três décadas em operação. Menos de 5% da eletricidade gerada em 2020 provém de fontes renováveis, segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas.
95%
da eletricidade gerada em Cuba provém de combustíveis fósseis
Mas o sistema energético de Cuba não é obsoleto apenas por depender amplamente de combustíveis fósseis — ele também é ineficiente. Os longos e repetidos apagões vividos pelos cubanos neste verão, causados por falhas em seu sistema elétrico, foram um dos principais fatores que levaram os cidadãos às ruas nas históricas manifestações nacionais em 11 de julho.
De acordo com um estudo realizado pelos pesquisadores cubanos Mario Alberto Arrastía-Avila e Lisa Glidden, o governo planeja ter mais de dois mil megawatts (MW) de capacidade disponível oriunda de fontes renováveis até 2030. Destes, 755 MW seriam de usinas de biomassa, 700 MW de parques solares e 633 MW de parques eólicos. O objetivo é reduzir o custo da geração de eletricidade e de emissões de gases poluentes.
Além disso, isso poderia ajudar Cuba a alcançar uma maior independência energética, dado que 53% de sua atual geração de eletricidade depende de importações.
Mas essa não é uma tarefa fácil para um país que tem dificuldade de atrair financiamento para seus projetos. A situação econômica não ajuda: entre janeiro de 2020 e setembro de 2021, o PIB cubano retraiu 13%, a inflação alcançou os 60% nos preços de varejo, e o mercado informal de câmbio aumentou impressionantes 6900%. A meta cubana de gerar 24% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis até 2030 é um grande desafio.
Investimento prudente da China
Dadas suas seis décadas de relações diplomáticas e comerciais com o país caribenho, a China está com a mão estendida. Com a recente entrada de Cuba à BREP, ela pode ajudar a colocar Havana no caminho de suas metas de energia renovável.
O próprio presidente Xi Jinping descreveu Cuba como “um bom amigo, um bom camarada e um bom irmão”. Mesmo antes da criação da BREP, a China já havia investido em projetos para usinas de biomassa, parques solares e eólicos no país. Mas todos eles se depararam com obstáculos.
Segundo o Banco de dados de finanças da China-América Latina, o primeiro investimento — um empréstimo de US$60 milhões do Banco Chinês de Exportação-Importação (Exim Bank) — foi aprovado em maio de 2015 para a construção de uma usina de biomassa que utilizaria os resíduos da usina de cana-de-açúcar Jesús Rabí, na província de Matanzas.
O projeto, inicialmente proposto a Cuba pela empresa britânica Havana Energy, incluía a construção de quatro usinas similares, mas teve problemas de financiamento após um dos principais investidores se retirar da negociação.
A usina de biomassa não foi construída. Mas o projeto continuou de pé, depois que a empresa britânica concordou, em 2017, em transferir a participação majoritária para o Shanghai Electric Group. A transferência foi feita em troca de financiamento, tecnologia e mão-de-obra para outra usina, desta vez em Ciro Redondo, na província central de Ciego de Ávila.
Quatro anos depois, a usina de biomassa de Ciego de Ávila está conectada ao sistema energético nacional, mas funciona abaixo da capacidade devido a atrasos na colheita de cana-de-açúcar e a instabilidades, danos e altas temperaturas em áreas da fábrica.
A outrora poderosa indústria açucareira de Cuba está em profunda crise: de 56 plantações de açúcar na ilha, apenas 38 participaram da mais recente colheita, cujo resultado representou seu pior rendimento dos últimos 130 anos.
O grupo empresarial Azcuba, órgão dirigente da indústria açucareira na ilha, informou ao governo cubano no ano passado que a construção de mais duas usinas de biomassa pertencentes ao mesmo projeto foi paralisada devido à falta de financiamento. Também não há relatos até o momento de novos investimentos chineses em usinas semelhantes na ilha, apesar de Cuba propor mais 18 como parte de seu portfólio de oportunidades de investimento estrangeiro em 2021.
A situação do setor açucareiro cubano poderia determinar o futuro dos investimentos estrangeiros em usinas de biomassa e colocar em risco os 755 MW que o governo almeja gerar com essa fonte até 2030.
Futuro incerto para as energias renováveis
A Shanghai Electric recebeu, em 2017, mais US$ 60 milhões do Exim Bank para resgatar o projeto do parque solar fotovoltaico Mariel Solar, que a empresa britânica Hive Energy havia proposto ao governo cubano e que também aguardava financiamento.
O parque só apresentou seus primeiros resultados em 2020. De acordo com o site da Mariel Solar, sua operação permitiu ao governo cubano economizar mais de US$ 11 milhões em custos de diesel, a partir de setembro de 2021.
Lentidão
Apenas 72 parques fotovoltaicos foram construídos em Cuba dos 210 planejados
O próprio site especifica que, uma vez atingido seu potencial máximo, o parque poderia chegar a economizar US$ 20 milhões por ano, mesmo depois de pagar por suas operações — uma quantia que representa um terço do investimento chinês.
Mesmo com o sucesso do parque Mariel Solar, apenas 72 parques fotovoltaicos foram construídos em Cuba dos 210 planejados pela Edifre, empresa de desenvolvimento e investimento em energias renováveis. Atualmente, há apenas 12 projetos em construção.
Já no leste do país, o parque eólico La Herradura, construído com tecnologia e mão-de-obra chinesas, enfrenta atrasos na importação de peças. Ele deve ser colocado em operação com capacidade inferior ao planejado, de acordo com a imprensa local.
De acordo com dados do governo cubano, dos 506 MW que deveriam estar em operação no momento, apenas 302 MW estão sendo utilizados. Assim, fica evidente a necessidade de encontrar investidores chineses para o financiamento.
O próprio site especifica que, uma vez atingido seu potencial máximo, o parque poderia chegar a economizar US$ 20 milhões por ano, mesmo depois de pagar por suas operações — uma quantia que representa um terço do investimento chinês.
Mesmo com o sucesso do parque Mariel Solar, apenas 72 parques fotovoltaicos foram construídos em Cuba dos 210 planejados pela Edifre, empresa de desenvolvimento e investimento em energias renováveis. Atualmente, há apenas 12 projetos em construção.
Já no leste do país, o parque eólico La Herradura, construído com tecnologia e mão-de-obra chinesas, enfrenta atrasos na importação de peças. Ele deve ser colocado em operação com capacidade inferior ao planejado, de acordo com a imprensa local.
De acordo com dados do governo cubano, dos 506 MW que deveriam estar em operação no momento, apenas 302 MW estão sendo utilizados. Assim, fica evidente a necessidade de encontrar investidores chineses para o financiamento.
Não acredito que a situação mude com a adesão à Parceria Energética da Iniciativa Cinturão e Rota
Será que o setor de energias renováveis em Cuba pode receber mais investimentos chineses no futuro? Para Luis Carlos Battista, advogado cubano especializado em economia e negócios internacionais, a resposta é positiva, mas é provável que o investimento se concentre em garantir o fornecimento doméstico de eletricidade, ao invés de projetos que forneçam energia para desenvolver a indústria local.
Na avaliação de Battista, os benefícios da energia eólica e solar para os investidores chineses são “muito mais indiretos do que quando eles construíram refinarias, barragens ou usinas hidrelétricas em outros países da América Latina”.
Entretanto, segundo Johannes Werner, editor do site de notícias de negócios Cuba Standard, encontrar investimentos que atendam às necessidades de Cuba pode ser um desafio. Ele ressalta que as empresas chinesas podem ser reticentes em se engajar no país, dada sua preferência — e não só delas, mas de diversas empresas internacionais — por evitar “exposições e riscos irrazoáveis na busca do lucro”.
Um mês após a entrada oficial de Cuba na BREP, ainda não há notícias de projetos que possam ajudar a resolver as dificuldades energéticas do país.
Battista acredita que isto se deve, principalmente, à “incapacidade de Cuba pagar pelo crédito” e ao fato de a ilha ter “pouco potencial de se tornar um parceiro socioeconômico relevante” devido a sua atual política econômica. Tais circunstâncias deixam Cuba com pouco poder de barganha na negociação.
“Não acredito que essa situação mude com a adesão de Cuba à Parceria Energética da Iniciativa Cinturão e Rota”, conclui Werner.