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Opinião: China pode promover sustentabilidade em resposta à crise da dívida da Covid-19

Enquanto países em desenvolvimento enfrentam crises profundas, grandes credores bilaterais podem adotar soluções inovadoras e verdes
<p>Puerto Suarez, Ilha Española, parte das Ilhas Galápagos do Equador. O país sul-americano, que é um grande devedor bilateral da China, anunciou recentemente uma nova área marinha protegida ao redor das ilhas, financiada por uma troca de dívida por natureza (Imagem: Alamy)</p>
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Puerto Suarez, Ilha Española, parte das Ilhas Galápagos do Equador. O país sul-americano, que é um grande devedor bilateral da China, anunciou recentemente uma nova área marinha protegida ao redor das ilhas, financiada por uma troca de dívida por natureza (Imagem: Alamy)

 

Os impactos econômicos da crise da Covid-19 têm sido sentidos mais profundamente nos países de renda baixa e média-baixa, particularmente aqueles dependentes das exportações de mercadorias, que sofreram os choques de demanda provocados pelos lockdowns nos países ricos e pela desaceleração do comércio global.

Por mais que tenha sido uma crise de saúde, a pandemia tem sido uma crise econômica para trabalhadores e uma crise fiscal para os governos de nações em desenvolvimento. A pandemia tornou-se um momento crítico para a dívida soberana, uma vez que os governos com dificuldades fiscais enfrentam o triplo desafio de financiar uma resposta de saúde pública, proteger a economia doméstica e os trabalhadores e cumprir com o pagamento da dívida externa.

Mais de 90 países já abordaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter ajuda de emergência. Muitos outros procuraram alívio da dívida através da Iniciativa do G20 de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI, em inglês) e alguns buscaram a reestruturação da dívida pelo Quadro Comum do G20 para Enfrentamento da Dívida para além da DSSI.

Crises de dívida podem atrasar por muitos anos os países de baixa renda, restringindo a capacidade fiscal dos governos de enfrentar os efeitos da pandemia, bem como de alcançar a prosperidade e sustentabilidade no longo prazo.

Enquanto tomadores de crédito e financiadores têm ambos a responsabilidade de garantir a sustentabilidade da dívida, o papel da China aqui é importante. Como um dos maiores financiadores bilaterais para o mundo em desenvolvimento, grande parte sob a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, em inglês), os empréstimos chineses são essenciais. A China tem participado de ambas as iniciativas multilaterais do G20, porém a falta de transparência em torno de seus empréstimos tem dificultado as negociações para o alívio da dívida.

Em países mais vulneráveis ao clima, os governos enfrentam um desafio adicional: financiar medidas cruciais para a adaptação e resiliência nos próximos anos, enquanto enfrentam pressões crescentes para mitigar as emissões e preservar ecossistemas frágeis.

A pandemia ameaçou esse avanço. No entanto, as mudanças climáticas e o alívio da dívida podem ser um ponto de encontro e uma oportunidade para a construção de uma coalizão e uma nova agenda progressista para uma recuperação verde. O refinanciamento em novos setores, impulsionado por mudanças em padrões de comércio e investimento criadas pela pandemia, traz a oportunidade de se priorizar o desenvolvimento de baixo carbono, resiliente e sustentável.

Financiamento do desenvolvimento global pela China

Globalmente, a Rússia é o maior beneficiário de empréstimos chineses, enquanto parceiros importantes da BRI também estejam fortemente representados, tais como Paquistão, Laos, Sri Lanka, Turquemenistão e Cazaquistão. Na América Latina, o financiamento do desenvolvimento chinês no exterior totalizou US$ 137 bilhões entre 2005 e 2019, de acordo com estimativas do Banco de Dados Financeiro China-América Latina.

Muitos dos maiores tomadores de empréstimos soberanos são exportadores de recursos. Só na América Latina, US$ 62 bilhões foram para a Venezuela, rica em petróleo. Argentina e Equador, ambos exportadores de commodities em diferentes estágios de negociação de reestruturações da dívida soberana com o FMI, também foram os principais beneficiários, tomando emprestados US$17,1 bilhões e US$18,4 bilhões, respectivamente.

26%


dos investimentos chineses no exterior em energia foram destinados às fontes eólica e solar

Grande parte desses empréstimos concentra-se em infraestrutura, em particular energia e transportes: 67% do total de empréstimos da China foram para o setor da energia, que historicamente favoreceu indústrias emissoras de gases de efeito estufa, como petróleo, carvão e gás. As energias renováveis não hídricas, como a solar e a eólica, registaram muito menos investimento, embora isto esteja prestes a mudar. Em 2020, o financiamento solar e eólico representou 26% da capacidade total acordada, contra apenas 10% para o período de 2010-19. Com o compromisso histórico do presidente Xi Jinping, em setembro de 2021, de cessar a energia a carvão no exterior, vemos uma aceleração no investimento em renováveis.

Em fóruns recentes, Beijing tem demonstrado sua solidariedade com países em desenvolvimento. Na reunião ministerial virtual da China e do bloco regional de 33 países da América Latina e Caribe (Celac), o ministro das Relações Exteriores, Wang Yi, disse que a China está “disposta a trabalhar ao lado do Celac para impulsionar a transição verde da economia… e fornecer aos países em desenvolvimento maior apoio na tecnologia de redução de emissões e em capacitação”.

Mais concretamente, no recente Fórum sobre Cooperação China África (Focac), o presidente chinês prometeu aos países africanos a realocação de US$ 10 bilhões dos Direitos de Saque Especiais (DSEs) — instrumento monetário internacional do FMI para compor as reservas dos países-membros que, desde 2016, inclui o RMB chinês. O valor equivale a um quarto do total do ativo e ultrapassa as ações oferecidas pela França e pelo Reino Unido (20%) e pelos EUA (18%), o que demonstra uma vontade de ir longe. A China tem apoiado a expansão dos DSEs desde o início da pandemia.

Quanto ao alívio da dívida, a abordagem da China tem sido mais conservadora. Embora exista um mito em torno de “armadilhas das dívidas”, na realidade, as penhoras de ativos são improváveis, assim como o cancelamento da dívida ou as trocas de dívida por ativos — ou debt for-equity swaps. Apenas os empréstimos com juros zero para 2020 e 2021 foram cancelados, o que constitui uma pequena fração do total dos empréstimos no exterior.

As negociações bilaterais são o canal preferencial, e os bancos chineses renegociaram uma série de medidas de alívio da dívida diretamente com os países. Em sua maioria, isto implica prolongar ou adiar esse pagamento. Sua participação em iniciativas multilaterais no G20 DSSI também tem sido limitada. O Banco de Desenvolvimento da China (CDB, em inglês), por exemplo, está excluído da iniciativa como banco “comercial”. No entanto, o CDB também demonstrou alguma flexibilidade, concedendo, em mais de uma ocasião, períodos de carência no reembolso de empréstimos ao Equador e à Venezuela, mais recentemente em 2020, à medida que suas economias afundavam com a pandemia.

Em um grupo de países em que a dívida à China é elevada, a China poderia desempenhar um papel fundamental, vinculando compromissos com o clima e a sustentabilidade.

BRI mais ecológico

Existem claras sinergias do financiamento chinês do desenvolvimento internacional com o apoio à agenda climática. Mesmo antes do compromisso de combater a energia a carvão no exterior, a China tinha emitido várias orientações sobre a ecologização dos investimentos no exterior. Em outubro de 2020, cinco ministérios e reguladores emitiram orientações para promover o investimento climático na BRI, incluindo incentivos para “formular e rever normas internacionais sobre investimento e financiamento climático”.

O documento não é juridicamente vinculativo, mas estabelece uma nova agenda para investimentos estrangeiros, incluindo o incentivo às instituições financeiras “para apoiar o desenvolvimento de baixo carbono da BRI e da cooperação sul-sul”. Ele sugere ainda que a China “regule o investimento offshore e as atividades de financiamento” e gerencie riscos climáticos.

Crises de dívida podem atrasar por muitos anos os países de baixa renda, restringindo a capacidade fiscal dos governos de enfrentar os efeitos da pandemia

A vantagem competitiva global da China nas indústrias de energias renováveis lhe garante uma clara oportunidade na expansão do setor em países em desenvolvimento, com vias à redução da pobreza e para assegurar uma transição verde. Os bancos e as empresas chinesas podem desempenhar um papel importante nessa transformação.

A China também poderia inovar na área financeira: através de abordagens pioneiras ao alívio da dívida baseados na sustentabilidade, por exemplo, onde os países endividados são incentivados a criar metas vinculativas de conservação, redução de emissões ou cumprimento das suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs) em troca do alívio da dívida. Isto não só aliviaria a pressão fiscal do pagamento da dívida — uma vez que, ao expandir a capacidade de crescimento, aumenta-se a probabilidade de cumprimento das dívidas — mas também geram fluxos de receitas estáveis e de longo prazo para projetos ambientais, já que operam ao longo do prazo de um empréstimo soberano. Isto serve os interesses tanto do tomador do empréstimo como do credor.

A posição da China em relação às “trocas de dívida” não está clara e ainda não foi testada para um empréstimo chinês, mas é um momento oportuno para tal. O Equador, por exemplo, anunciou na COP26 uma reserva de 60 mil quilômetros quadrados em torno das ilhas Galápagos. O parque marinho será financiado por uma troca de dívida por natureza de US$ 1 bilhão, a maior da história, de acordo com o governo.

Estudiosos e especialistas em política de várias instituições nos EUA e da China também defenderam as “trocas de dívida por clima” e de “dívida por natureza” para enfrentar a crise da dívida causada pela pandemia. Embora existam dúvidas sobre sua eficácia, em países onde a dívida e os interesses climáticos se cruzam, estes poderiam ter um impacto significativo. Os países tomadores de empréstimos devem explorar a oportunidade para unir seus objetivos de dívida e sustentabilidade e para incentivar parceiros chineses a se comprometer com mais investimentos e capacitação sustentáveis.

Há mais de uma década, o comércio e o investimento da China em commodities intensivas em carbono e água impulsionaram muitas economias em desenvolvimento na última recessão global. Mas o impulso para instrumentos financeiros inovadores e sustentáveis e a liderança da China em sua realocação da quota de DSE trazem esperança de uma recuperação econômica sustentada por mais sustentabilidade ambiental e da dívida.