O financiamento sustentável continua a se expandir na América Latina à medida que governos e empresas aproveitam o crescente interesse dos investidores por instrumentos que protejam a biodiversidade e respondam à crise climática. Em 2020, mais de US$ 16 bilhões de títulos verdes, sociais e sustentáveis foram emitidos na região.
Embora seu propósito possa variar, esses títulos compartilham características semelhantes. Uma empresa ou governo contrai dívidas, e esses fundos são usados para quitá-las. Mas diferentemente dos fundos tradicionais, os títulos verdes devem estar atrelados a uma meta ambiental ou social específica, como o investimento em infraestrutura de transporte limpo ou de energia renovável ou o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Com o crescimento das finanças sustentáveis, surgiram novos e mais inovadores instrumentos para liquidar as dívidas, como o recentemente proposto pelo Uruguai. O governo de Luis Lacalle Pou vai lançar um título cujos recursos não terão destinação específica, mas servirão para diferentes iniciativas, a taxas de juros variáveis.
US$ 1 bilhão
É o valor máximo de emissões de títulos verdes soberanos que o Uruguai pretende lançar incialmente, segundo o ministro do Meio Ambiente do país
Essa taxa dependerá se o Uruguai cumprirá com as metas ambientais previamente estabelecidas, como as Contribuições Nacionalmente Determinadas (CNDs), vinculadas ao Acordo de Paris. Em outras palavras, se o país reduzir suas emissões como prometido, ele será recompensado com uma taxa de juros mais baixa. E, se não cumprir, será penalizado com uma taxa mais alta.
Até agora, o único país que desenvolveu tal instrumento foi Luxemburgo, que emitiu US$ 1,5 bilhão em dívida em 2020. No caso do Uruguai, o título seria, segundo o ministro do Meio Ambiente do país, Adrián Peña, de um valor entre US$ 800 milhões e US$ 1 bilhão, sem data definida para sua emissão.
Países em desenvolvimento como o Uruguai são especialmente vulneráveis às crises climáticas e da biodiversidade e precisam de apoio financeiro para cumprir seus compromissos ambientais. É aqui que entra o financiamento sustentável, como um instrumento para apoiar a transição de suas economias.
Financiamentos sustentáveis na América Latina
Os mecanismos de financiamento sustentável continuam a crescer e estão cada vez mais diversificados. Argentina e Colômbia, por exemplo, fizeram apelos recentes para a expansão das “trocas de dívida por natureza”, uma ferramenta que lhes permitiria reduzir suas dívidas e cumprir as metas ambientais. Em outros lugares, especialistas em finanças pressionam para a criação de novos instrumentos, como o título proposto pelo Uruguai.
“As ‘trocas de dívida’ eram muito populares há décadas. Mas agora o cenário mudou muito. É mais complicado em termos de quem detém a dívida e como ela é negociada”, disse Jochen Krimphoff, diretor de títulos verdes na WWF. “A longo prazo, quanto mais sustentável for a gestão dos recursos naturais pelo governo, mais sua economia poderá prosperar de forma sustentável”.
Um título soberano verde indica o compromisso de um país com estratégias de crescimento sustentável e baixas emissões de gases de efeito estufa, o que pode estimular o investimento do setor privado em iniciativas verdes. Também estimula uma colaboração mais efetiva entre diferentes áreas do governo, como Peña apontou.
“Percebemos que tínhamos muito conhecimento acumulado para compartilhar com o Ministério da Fazenda, que não estava a par das questões ambientais. Foi daí que surgiu a ideia do título”, disse o ministro.
Em 2019, o Chile se tornou o primeiro país da América Latina a emitir um título verde soberano, que até agora levantou US$ 7,44 bilhões após sucessivas emissões. O país também emitiu títulos sociais e sustentáveis, assim como Equador, México e Guatemala, de acordo com a organização Climate Bonds Initiative.
Os setores de energia e transportes foram os que mais se beneficiaram com o financiamento, assim como o setor de uso da terra. No caso do Chile, os fundos de seus títulos verdes impulsionaram o transporte limpo, como os ônibus elétricos de Santiago e a construção de novas linhas de metrô.
“Há muitos investidores que querem investir nestes instrumentos”, disse Pablo Cortinez, consultor de finanças sustentáveis. “O dever fiduciário e o perfil dos investidores estão mudando e cada vez mais se dizem verdes. As maiores economias da região, como o Brasil e a Argentina, deveriam apostar em títulos soberanos verdes”.
Para Marcela Ponce, diretora de finanças climáticas para a América Latina na Corporação Financeira Internacional (IFC, em inglês), 2020 foi um ano marcante para a emissão de títulos soberanos verdes, e 2021 não ficou muito distante. “Desde a COP26, os ministérios da Fazenda da América Latina têm demonstrado grande interesse pelo mercado de títulos soberanos verdes”, acrescentou.
Novo título do Uruguai
Ao contrário do Chile, o Uruguai não emitirá um título verde por si só, pois os fundos podem ser utilizados para qualquer finalidade desejada. Entretanto, ao vincular a taxa de juros do título às CNDs, o governo criará um incentivo para cumprir suas metas ambientais.
Em 2017, o Uruguai apresentou suas CNDs, as quais propõem a redução de três gases específicos: dióxido de carbono, óxido nitroso e metano, com cortes de 24%, 48% e 57%, respectivamente, até 2030, de maneira incondicional. Espera-se que uma nova CND seja apresentada em 2022.
Cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa do Uruguai vêm do setor agrícola, dois terços dos quais são originários da produção de carne bovina, de acordo com o mais recente inventário de emissões. O governo espera que uma melhor gestão das pastagens reduza significativamente essas emissões.
“O Uruguai está assumindo um alto custo político com o novo título soberano. Mas se tiver sucesso, será um marco para a região”, disse Sebastián Ramos, sócio do departamento bancário e financeiro da Ferrere, escritório de advocacia em Montevidéu. “A curva de aprendizado é alta, pois é o primeiro país na região com um título soberano deste tipo”.
Esses títulos são a próxima fronteira em financiamento soberano
Juán Giraldez e Stephanie Fontana, do escritório multinacional de advocacia Cleary Gottlieb, descrevem o instrumento que o Uruguai quer impulsionar como “a próxima fronteira em financiamento soberano”. No entanto, eles também destacam riscos e desafios da novidade e por funcionar, até agora, apenas em Luxemburgo.
Para que o título tenha sucesso, os governos precisam justificar a seus investidores por que a taxa de juros está vinculada às CNDs, e não a outros indicadores, no caso do Uruguai. Além disso, a meta deve ser cumprida durante a vida útil do título, e deve-se estabelecer uma terceira parte encarregada do monitoramento e cumprimento efetivo da meta.
“Com o título que estamos criando, o Uruguai terá um mandato fiduciário para cuidar do meio ambiente e reduzir as emissões de dióxido de carbono”, disse a ministra da Economia do Uruguai, Azucena Arbeleche, em uma entrevista. “Os incentivos do investidor e do emissor serão alinhados para o cumprimento de um determinado indicador”.
Mais detalhes sobre o título verde soberano do Uruguai, incluindo uma data para a primeira emissão, provavelmente serão confirmados no início de 2022. Se bem-sucedido, poderá ser um catalisador para seu crescimento e aceitação na América Latina e impulsionar transições sustentáveis em toda a região.