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Triângulo do Lítio: América Latina discute novas estratégias regionais

Harmonia política entre Argentina, Chile e Bolívia, potencial boom de lítio e perspectiva de agregar valor ao produto impulsionam cooperação
<p>Manifestante segura um cartaz em que se lê &#8220;O lítio é nosso, vamos defendê-lo&#8221; em um protesto em Santiago, Chile. O país sul-americano é um dos países do chamado &#8220;triângulo do lítio&#8221; e pretende criar uma empresa nacional de lítio para explorar, extrair e fabricar o material (Imagem: Ivan Alvarado / Alamy)</p>

Manifestante segura um cartaz em que se lê “O lítio é nosso, vamos defendê-lo” em um protesto em Santiago, Chile. O país sul-americano é um dos países do chamado “triângulo do lítio” e pretende criar uma empresa nacional de lítio para explorar, extrair e fabricar o material (Imagem: Ivan Alvarado / Alamy)

A perspectiva de mais cooperação regional em torno do lítio parece estar à mesa na América do Sul, em um período de relativa harmonia política entre os governos de Argentina, Chile e Bolívia — os países do chamado “triângulo do lítio”, onde se encontram vastas reservas do mineral, estratégico para a transição energética.

Com o aumento da demanda por lítio, o interesse em maximizar os benefícios de um potencial boom global levou à retomada de iniciativas entre as três nações, com foco em compartilhamento de conhecimento geológico, regulatório e científico. O México, relativamente novo no cenário do lítio — com a descoberta em 2019 de depósitos no estado de Sonora — também fez movimentos visando à cooperação.

60%


As salinas de Argentina, Bolívia e Chile, reunidas, respondem por 60% das reservas de lítio do mundo.

Na recente Cúpula das Américas, realizada nos Estados Unidos no início de junho, os presidentes Alberto Fernández, da Argentina, e Gabriel Boric, do Chile, lançaram o Grupo de Trabalho Binacional sobre Lítio e Salinas, que já realizou sua primeira reunião. Além disso, a Argentina tem conduzido discussões com a Yacimientos de Litio Bolivianos, estatal boliviana de lítio, enquanto o México, em estágio mais incipiente, mantém comunicação com a Bolívia.

“Entre Argentina, Chile e Bolívia, tentamos ver como podemos ter uma perspectiva regional sobre o lítio. Buscamos uma agenda comum para o desenvolvimento do setor, com cuidados ao meio ambiente e promovendo a industrialização”, explicou Roberto Salvarezza, presidente da estatal de energia argentina Y-tec, em entrevista ao Diálogo Chino. A empresa desenvolve uma bateria de lítio com mais componentes nacionais.

O fortalecimento do diálogo regional ocorre em meio à pressão global pela transição energética, que preconiza uma transformação do setor de transportes — hoje responsável por um quarto das emissões de CO2 — com a introdução de veículos elétricos, movidos a baterias de lítio. E o triângulo do lítio está em posição estratégica: as salinas de Argentina, Bolívia e Chile, reunidas, respondem por 60% do mineral no mundo.

Curva de aprendizado do lítio

Gonzalo Gutiérrez, professor da Universidade do Chile e um dos principais assessores do governo chileno sobre o lítio, explicou que a administração de Boric busca desenvolver um “novo marco institucional” para a produção de lítio, promovendo mudanças regulatórias para fortalecer o papel do Estado e respeitando as comunidades que vivem próximas às salinas.

caminhão na extração de lítio nas salinas de uyuni
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A isso se soma a intenção de criar uma empresa nacional de lítio, uma das promessas da campanha de Boric. A empresa cobriria a exploração, extração e até a fabricação do mineral, segundo Gutiérrez.

Entretanto, o processo não será simples e exigirá aprendizado do Estado. “Às vezes achamos que entendemos de lítio, mas não sabemos realmente o que temos [de reservas]”. Há uma enorme assimetria na informação quando se trata de sentar para conversar com as empresas”, disse Gutiérrez.

Com foco na cooperação técnico-científica, a primeira reunião entre o Chile e o novo Grupo de Trabalho Binacional da Argentina foi realizada no início de junho. A segunda reunião ocorrerá este mês. Integrante do grupo, Gutiérrez afirma que, a médio prazo, uma maior cooperação regional pode melhorar “o entendimento dos royalties, da questão ambiental e da geração de valor em torno do lítio”.

Uma ‘OPEP para o lítio’?

Os países do triângulo do lítio têm trajetórias muito distintas em termos de regulações, história de produção e desenvolvimento científico para a produção de lítio.

Além disso, sua produção atual está bem abaixo do recurso estimado. Em 2020, a Argentina era responsável por 8% da produção global, enquanto o Chile foi responsável por 22%, segundo estimativas, com duas grandes operações em funcionamento em cada caso. A Bolívia ainda não tem produção em escala industrial.

Na Argentina, a exploração de lítio se enquadra no marco regulatório que rege a atividade minerária como um todo e está voltada para atrair investimentos privados. Em contraste, o lítio tem regras específicas no Chile, onde o Estado é o proprietário da maioria das concessões a empresas privadas. Na Bolívia, o lítio também é considerado um recurso estratégico, e o Estado controla seu acesso, exploração e produção.

Os regimes regulatórios são muito diferentes. Não creio que as condições políticas, regulatórias e de mercado existam para pensar em uma ‘Opep de lítio’

Com base nesses diferentes pontos de partida, Martín Obaya, pesquisador do think tank argentino Fundar, vê como bastante improvável que uma entidade no estilo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) venha a existir para o lítio. Reconhecida pela ONU, a Opep abrange 13 países que, juntos, representam 80,4% das reservas mundiais do hidrocarboneto e, com isso, intervêm em seu fornecimento.

“Os regimes regulatórios são muito diferentes e, particularmente na Argentina, as possibilidades de intervenção são limitadas. Não creio que as condições políticas, regulatórias e de mercado existam para pensar em uma ‘Opep de lítio'”, conclui Obaya.

Obaya explica ainda que a participação de Argentina, Bolívia e Chile na produção global de lítio caiu em relação a 2011, já que outros países estão avançando na exploração, embora com custos mais altos.

Cadeia de valor

Apesar de anúncios recentes de investimentos no lítio argentino, até o momento, apenas dois projetos estão em operação: um da empresa americana Livent, no Salar del Hombre Muerto, na província de Catamarca; e outro no Salar de Olaroz, na província de Jujuy, administrado pela australiana Orocobre, associada à japonesa Toyota e à empresa regional Jemse. Ambos estão em processo de expansão.

Em um futuro próximo, o projeto Minera Exar, da canadense Lithium Americas e da chinesa Ganfeng Lithium, com uma participação minoritária da Jemse, deverá entrar em operação no Salar de Cauchari-Olaroz, também em Jujuy.

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Na Argentina, o controle da produção e das salinas está nas mãos de empresas privadas, com a participação das províncias e do governo nacional, por meio da cobrança de impostos e royalties. Por isso, o pesquisador de lítio Bruno Fornillo defende que a Argentina é o país que mais dificulta a articulação regional.

“A base para a coordenação de estratégias é o controle estatal e social das reservas de lítio e da produção primária. Não se pode administrar algo sobre o qual não se tem controle”, disse Fornillo.

Apesar de não ter controle direto sobre o mineral, a Argentina quer aumentar a participação doméstica na cadeia de valor do lítio, seguindo sua tradição industrial e com um forte grau de desenvolvimento científico.

“O país tem condições de fabricar células para baterias de lítio que poderiam ser usadas para armazenar energia em parques solares. Queremos que o carbonato de lítio seja processado no país. Neste sentido, as experiências estão sendo compartilhadas com a Bolívia, que também está focada em agregação de valor”, diz Salvarezza, da Y-tec.

Para Juan Carlos Montenegro, ex-gerente da Yacimientos del Litio Bolivianos, os países devem fortalecer suas relações para explorar alternativas de integração. “Nos últimos anos, essas iniciativas têm ganhado mais espaço. A integração é vital para discutir o papel que queremos desempenhar na gestão da transição energética”, disse.

A base para a coordenação de estratégias é o controle estatal e social das reservas de lítio e da produção primária. Não se pode administrar algo sobre o qual não se tem controle

A Bolívia tem uma fábrica de baterias em escala laboratorial. Montenegro alerta que a produção em escala requer o fornecimento de outros metais como níquel, manganês e cobalto, e que nesse caso a integração com países da região parece necessária.

O ex-executivo da estatal de lítio da Bolívia acredita que, embora a concorrência no mercado global de baterias esteja muito além do alcance regional, um possível destino para a fabricação local poderia ser o armazenamento de energia para as comunidades rurais não conectadas à rede elétrica nacional.

No México, o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador deu recentemente um passo em direção à intervenção estatal no controle das salinas.

“Essa é uma lei de ‘soberania’, porque permite ao Estado exercer maior soberania sobre as salinas”, diz Alfredo Jalife-Rahme, analista político mexicano. Entretanto, ele reforça que “o Estado não tem nem a tecnologia para extração, nem o financiamento para empreender tais projetos”.

Jalife-Rahme destaca a boa relação entre os governos mexicano e boliviano e os intercâmbios bilaterais sobre o lítio. A China é a principal detentora da concessão de exploração de lítio em Sonora, no México.