Negócios

O que esperar das relações Brasil-China após a eleição presidencial

Analistas indicam que agronegócio deve continuar avançando, mas diplomacia pode seguir rumos diferentes a depender do vencedor
<p>Presidente Xi Jinping em um evento bilateral entre Brasil e China ocorrido durante a Cúpula dos Brics em Brasília, em 13 de novembro de 2019. Independentemente de quem vença as eleições presidenciais no Brasil, negócios bilaterais devem continuar se expandindo (Imagem: Ueslei Marcelino / Alamy)</p>

Presidente Xi Jinping em um evento bilateral entre Brasil e China ocorrido durante a Cúpula dos Brics em Brasília, em 13 de novembro de 2019. Independentemente de quem vença as eleições presidenciais no Brasil, negócios bilaterais devem continuar se expandindo (Imagem: Ueslei Marcelino / Alamy)

Desde 2009, o Brasil tem a China como seu principal parceiro comercial. Ano após ano, os indicadores vêm batendo recordes, sobretudo no agronegócio. E analistas acreditam que essa forte interdependência deve continuar nos próximos anos, seja qual for o resultado das eleições presidenciais.

“Nossa pauta exportadora [principalmente de commodities] está muito focada em produtos muito básicos”, afirma Larissa Wachholz, sócia da Vallya e assessora especial do Ministério da Agricultura para a China de 2019 a 2021. “Isso acaba indicando que o cenário eleitoral é menos importante para esses setores, que são bastante resilientes”.

Isso não significa, no entanto, que as relações ficarão imutáveis. Especialistas ouvidos pelo Diálogo Chino vêem numa eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje líder nas pesquisas eleitorais, uma porta para estreitar os laços entre os dois países. Se Jair Bolsonaro, segundo lugar nas intenções de voto, se reeleger, as apostas são de que o governo continue distante da China, pelo menos na retórica.

Os negócios entre os dois países seguiram em alta nos últimos anos, mesmo durante a pandemia. A soma das importações e exportações entre os dois países foi de US$ 135 bilhões em 2021, número recorde, de acordo com dados de comércio exterior.

“Temos um potencial enorme, mas para conquistar a confiança dos chineses, isso precisa ser feito de governo para governo. Por mais que o setor privado tenha um papel fundamental em se comunicar com o consumidor, o governo tem um papel fundamental na negociação”, acrescentou Wachholz.

Lula mais próximo da China

Historicamente, Lula é mais inclinado ao diálogo com Beijing. Foi durante seu governo, em 2009, que a China se tornou a principal parceira comercial do Brasil, beneficiado pelo contexto internacional com o boom das commodities.

Anos antes, em 2004, Lula fez sua primeira visita ao país asiático com uma comitiva de empresários, um gesto visto como propulsor dos negócios. No mesmo ano, durante a visita do ex-presidente chinês Hu Jintao a Brasília, o Brasil reconheceu a China como economia de mercado, considerado um voto de confiança pelos chineses.

Presidente Dmitry Medvedev (Rússia), Lula (Brasil), Hu Jintao (China) e o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh de mãos dadas
Da esquerda para a direita, o presidente Dmitri Medvedev (Rússia), Lula (Brasil), Hu Jintao (China) e o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, em foto oficial da 2ª Cúpula de Chefes de Estado e de Governo do BRIC, em 2010. A política externa do governo Lula privilegiou a cooperação Sul-Sul (Imagem: José Cruz/ABr, CC BY 3.0 BR, via Wikimedia Commons)

“A China, em geral, dialoga melhor com governos de tendência política semelhante ao que tem em casa”, afirma Marcos Caramuru, que foi embaixador do Brasil em Beijing entre 2016 e 2018 e cônsul-geral do Brasil em Shanghai entre 2008 e 2011.

A reportagem procurou as equipes de campanha dos dois líderes nas pesquisas para conhecer seus planos para as relações com a China caso sejam eleitos. Porém, não conseguiu resposta da equipe do presidente Jair Bolsonaro.

Vamos tomar as relações de onde deixamos nos governos Lula e Dilma, com muito boa parceria, com muito boa coordenação

No caso de Lula, o ex-ministro de Relações Exteriores de seu governo, Celso Amorim, hoje seu principal conselheiro da pauta internacional, garantiu, em entrevista ao Diálogo Chino, que, se o petista for eleito, a China terá um espaço importante em sua política internacional: “Vamos tomar as relações de onde deixamos nos governos Lula e Dilma, com muito boa parceria, com muito boa coordenação”.

A professora Kelly Ferreira, diretora de relações internacionais da PUC Campinas, alerta que, se eleito, Lula teria que reconstruir os laços perdidos devido à relação permeada por atritos da atual gestão. “Se nós olharmos a política externa brasileira, sempre teve alguns pilares, mesmo durante o regime militar. O Brasil sempre buscou seguir as normas internacionais, de juridicismo, pacifismo. Nós não fazemos ameaças, tentamos mediar, e houve essa ruptura durante o governo Bolsonaro”.

Bolsonaro deve manter afastamento

Questionados sobre uma eventual reeleição de Bolsonaro, os especialistas em geral apostam na continuidade dos negócios, mas com uma relação mais fria ou em um completo afastamento institucional. Desde a campanha eleitoral de 2018, o atual presidente adotou um discurso agressivo com relação aos chineses, com declarações, por exemplo, de que o país asiático estaria “comprando o Brasil“.

Jair Bolsonaro e Xi Jinping em frente às bandeiras da China e do Brasil
As relações diplomáticas entre Brasil e China durante o governo Bolsonaro foram marcadas por momentos de estremecimento e afastamento institucional (Imagem: Isac Nóbrega / Palácio do Planalto / CC BY 2.0)

Essa retórica se manteve durante seu governo. Um dos momentos de maior tensão ocorreu quando o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente, culpou a China pela pandemia da Covid-19, numa publicação em março de 2020 no Twitter. Contrariada, a Embaixada da China no Brasil respondeu às acusações. Outros conflitos foram protagonizados pelo ex-chanceler Ernesto Araújo e pelo ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub.

É difícil interpretar o governo Bolsonaro. Muitos têm dificuldade em entender sua dicotomia

Para Caramuru, a cúpula do governo Bolsonaro gerou estranhamento dos chineses ao proferir mensagens ambíguas. Se por um lado, a retórica era agressiva, por outro houve avanços, segundo o diplomata, com a postura de cooperação do vice-presidente Hamilton Mourão no comando da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação, a Cosban, e o funcionamento contínuo da diplomacia brasileira.

“É difícil interpretar o governo Bolsonaro. Muitos têm dificuldade em entender essa dicotomia. Fica muito mais fácil se tiver uma administração ideologicamente mais próxima; os empresários ficariam mais encorajados”, afirmou Caramuru.

Para além do agronegócio com a China

Ao defender que o diálogo entre Brasil e China seja estreitado com vias a ampliar os negócios, Wachholz diz que a turbulência global pode ser um bom momento para que esses países encontrem novos segmentos de comércio.

“A China está necessitando de parcerias mais diversas”, afirma a analista, reforçando que “conversar nunca é demais”. Para ela, faltou isso para estreitar os laços com os chineses nos últimos anos. “Deixou-se de aproveitar oportunidades na área da saúde, das vacinas”, comentou a ex-assessora do Ministério da Agricultura.

US$ 135 bilhões


Foi o valor, só em 2021, da soma das importações e exportações entre Brasil e China. O país asiático é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009.

Amorim sinalizou que o governo lulista abriria novas frentes de parcerias e investimentos com os chineses. “Os investimentos em energia serão muito bem-vindos. A China desenvolveu bastante os equipamentos para a energia solar”, exemplifica o ex-chanceler, acrescentando: “A cooperação do Brasil, do Mercosul ou da América do Sul com a China na área do combate ao aquecimento global é absolutamente fundamental”.

O ex-ministro pondera, no entanto, que negociar com os chineses costuma ser uma tarefa difícil. “Eu acho que a negociação com a China não é fácil, quebrar esse paradigma de sermos apenas um exportador de commodities também não é uma tarefa fácil, até em questões relativamente simples, como do óleo de soja, não estou falando de ciência espacial, estou falando de óleo de soja. É difícil porque os chineses, falando com toda a franqueza, eles tendem a ser um pouco protecionistas de suas indústrias”, explica.

Mesmo assim, ele ressalta que isso não significa que haveria conflitos na relação: “É melhor ter um negociador duro e honesto do que brando e desonesto”.

Meio ambiente em pauta

Eduardo Viola, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP, lembra que o governo Lula controlou o desmatamento na Amazônia, impulsionado pelo avanço da fronteira agrícola, principalmente da soja e carne bovina. Ele acredita, portanto, que essa visão mais sensível às questões ambientais voltaria na gestão Lula. “Isso é quase certo porque [o controle do desmatamento] foi feito com sucesso no governo anterior do Lula”, afirma.

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Questionado se o aumento do desmatamento no Brasil para produção agropecuária poderia prejudicar as vendas para a China, Viola diz que, pelo menos por enquanto, os asiáticos veem como prioridade a segurança alimentar:

“Está longe [de a China] estar num cenário europeu [onde essa pressão pelo controle ambiental é maior]”, diz Viola. “A tendência é que a China seja cada vez mais favorável ao controle de desmatamento, mas o grau em que isso vai afetar as exportações brasileiras é difícil de avaliar”.

O professor acrescenta, no entanto, que um segmento do agronegócio já internacionalizou a necessidade de transição para uma economia de baixo carbono, ainda que isso não seja bem representado na bancada ruralista do Congresso:

“Essa transformação do agronegócio, em que a incorporação da proteção ambiental implica em maior qualidade nos alimentos produzidos, interessa cada vez mais à China”.