Em abril de 2019, representantes comerciais panamenses se reuniram com seus homólogos chineses em Beijing para a quinta e última rodada de negociações em torno de um acordo de livre comércio (ALC) entre os dois países. Depois de um romance diplomático — que começou quando o ex-presidente Juan Carlos Varela cortou os laços com Taiwan em prol de Beijing em 2017, e culminou com a visita de Xi Jinping ao Panamá um ano depois — o acordo comercial foi visto como um marco importante para a mudança da política econômica e externa do Panamá.
“Vamos recomeçar a negociação com a China”, disse ele à France 24. “Para o Panamá, este processo tem que estar mais alinhado com o setor agrícola… Mesmo sendo um país pequeno, podemos negociar com grandes potências como os EUA, e faremos o mesmo com a China”.
O que provocou a súbita mudança de Cortizo? Especialistas e analistas acreditam que a decisão foi motivada pela frustração com a inflexível política comercial dos EUA. Após vencer as eleições presidenciais em julho de 2019, Cortizo realinhou sua política externa para os americanos, um aliado tradicional. Os planos de investimento chineses, incluindo uma ferrovia de alta velocidade no valor de US$ 4 bilhões, foram congelados, e empresas chinesas perderam licitações de infraestrutura. Em novembro de 2021, a Autoridade do Canal do Panamá assinou um contrato com o Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA para serviços de consultoria e assessoria em um futuro projeto de US$2 bilhões, para assegurar o abastecimento de água ao canal.
Mas os limites da boa vontade de Washington ficaram claros em março deste ano, quando o encarregado dos negócios da embaixada dos EUA no Panamá (o cargo de embaixador está vago desde 2018) disse que não atenderia às exigências da nação para revisar seu ALC com os EUA.
O Acordo de Promoção Comercial Panamá-Estados Unidos, que entrou em vigor em 2012, permitiu ao país centro-americano impor tarifas de importação sobre uma série de produtos agrícolas, incluindo arroz, laticínios, frango e carne bovina, a fim de proteger os produtores locais das importações americanas mais baratas. Segundo o acordo original, essas tarifas serão gradualmente eliminadas, a partir deste ano, mas os produtores locais não conseguiram melhorar sua competitividade. Portanto, autoridades panamenhas fizeram repetidos pedidos no último ano para rever os termos do acordo.
Na mesma entrevista com a France 24, Cortizo disse que o ALC era “extremamente favorável” aos EUA. O anúncio da retomada das negociações com a China provavelmente é uma medida para pressionar os EUA a se comprometer com as tarifas, segundo Euclides Tapia, professor de relações internacionais da Universidade do Panamá.
“Enquanto o governo panamenho faz uma exigência absurda aos EUA, em paralelo anunciam, como uma forma de pressão, a reativação das negociações comerciais com a China”, disse Tapia. “Eu não acho que seja uma coincidência”.
Limites da tática de negociação
É improvável que a aposta de Cortizo dê certo. Dada a vultosa indústria de exportação agrícola dos EUA e a vulnerabilidade dos pequenos agricultores latino-americanos, as tarifas agrícolas têm sido a questão mais sensível nos acordos comerciais dos EUA. Uma renegociação dos termos abriria um precedente e poderia levar a pedidos parecidos dos outros 19 parceiros de livre comércio dos EUA.
“Não acho que o governo Cortizo esteja interpretando a situação efetivamente”, diz Eric Farnsworth, vice-presidente do Conselho das Américas, think tank sediado nos EUA. “Acredito que ninguém em Washington tenha interesse em reabrir o ALC do Panamá. Fazer isso levaria o Peru e a Colômbia no mesmo caminho, depois Marrocos e Jordânia”.
O recém-eleito presidente de esquerda da Colômbia, Gustavo Petro, tem dito que pode rever o acordo comercial com os EUA. Com a assinatura, entre 2012 e 2019, o valor das exportações de aves dos EUA para a Colômbia aumentou de US$ 27 milhões para quase US$ 102 milhões, enquanto as exportações de milho aumentaram de cerca de US$ 86 milhões para US$ 685 milhões, de acordo com números do Departamento de Agricultura dos EUA. Os campesinos colombianos, entretanto, sentem-se incapazes de competir, e o ALC é um ponto de discórdia e alvo de protestos na última década, como em 2021, em 2019, e em uma greve agrária nacional em agosto de 2013.
O Panamá passou por protestos semelhantes em julho de 2022, desta vez motivados pelo aumento do custo de vida e pela corrupção disseminada. Com uma taxa de aprovação de 21%, Cortizo, que vem do setor pecuário, não pode se dar ao luxo de perder o apoio de agricultores. Mas o aparente erro de usar a política comercial para obter concessões mostra os limites de nações latino-americanas pequenas no jogo com os EUA e a China.
A aproximação de Varela com a China criou um enorme revés diplomático. “De uma perspectiva americana, Varela foi longe demais, rápido demais”, disse Farnsworth. “Ele recebeu muita atenção negativa, e muita resistência de Washington”.
Em 2018, durante a administração Varela, foi noticiado que ex-diplomatas americanos estavam pressionando o governo panamenho para não permitir a construção de uma embaixada chinesa na entrada do Canal do Panamá. Mas não está claro que outros incentivos ou pressões o governo dos EUA exerceu sobre Cortizo para convencê-lo a esfriar a relação com a China.
Os EUA têm buscado recuar contra os investimentos e o envolvimento chinês na região. No Chile, por exemplo, diplomatas americanos teriam ameaçado interromper o programa de isenção de vistos do país caso permitissem que a empresa chinesa de telecomunicações Huawei construísse um projeto de cabeamento transpacífico.
Resta saber por quanto tempo essa pressão será suficiente do ponto de vista dos EUA. Nos últimos anos, a China tornou-se o maior parceiro comercial do Brasil, Chile, Peru e Uruguai, e este último recentemente ignorou os protestos de seus parceiros do Mercosul para iniciar negociações de ALCs com a China. Um acordo comercial chinês no Panamá — um dos principais aliados dos EUA na região e um ponto geopolítico estratégico por causa do canal — seria um marco simbólico.
De acordo com Farnsworth, falta uma agenda comercial clara dos EUA no hemisfério. Mesmo assim, ele acredita que o Panamá deveria buscar se incorporar ao Acordo Estados Unidos-México-Canadá.
“O Panamá seria um ótimo parceiro, e sua economia baseada em serviços poderia realmente se beneficiar”, disse ele. “Acho que eles estão atirando no alvo errado. Ao invés de olharmos para o passado, vamos olhar para o futuro. Vamos descobrir uma maneira de ligar o Panamá de forma mais significativa à economia norte-americana”.
O Ministério do Comércio do Panamá e a Embaixada dos EUA no Panamá não responderam aos pedidos de comentários.