Negócios

Novo governo do Peru quer a China como sócia estratégica

Primeira viagem do novo presidente Kuczynski será para país asiático

Uma série de gestos e declarações públicas expuseram as intenções do novo presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, a respeito das relações comerciais com a China. Em todas as entrevistas que deu, nas últimas semanas, o mandatário, eleito no pleito de cinco de junho passado, deixou claro seu interesse em aprofundar os vínculos com o gigante asiático e a necessidade de que o Peru exporte não só metais, como matéria prima processada para dinamizar a economia interna. A China é o primeiro investidor no Peru e Kuczynski – que substituirá Ollanta Humala no cargo – deixou esse fato bem claro em sua primeira entrevista à televisão, após serem conhecidos os resultados eleitorais iniciais. “É necessário viajar para a China antes do Fórum Ásia-Pacífico (APEC), porque o país é nosso sócio comercial número um e porque são eles que compram nossos minerais”, disse ele. Com estas declarações, PPK anunciava que sua primeira viagem oficial como presidente eleito seria à China e que faria isso antes de 19 e 2 0 de novembro, datas nas quais se realizarão, em Lima, as reuniões da APEC. “Somos uma economia de recursos naturais imensos, mas temos que nos industrializar e não é fácil fazê-lo. Para isso, vamos ter que colaborar com os grandes compradores de nossas exportações, que na maior parte das vezes é a China”, voltou a dizer durante o décimo-primeiro Encontro Empresarial da Aliança do Pacífico do Chile, realizada em Lima, no final do último mês de junho. As relações com a China se intensificaram nos últimos anos. Três grandes projetos de mineração estão em marcha: Río Blanco (ao norte do Peru, região Piura), a ampliação de Toromocho (nos Andes centrais, a 4.500 metros acima do nível do mar) e Las Bambas (no sul, região Apurímac). Cada um deles com conflitos sociais pendentes, segundo os relatórios da Defensoria Pública. O especialista em assuntos de mineração e conflitos sociais, José Luis López Follegati, disse ao Diálogo Chino que “os investimentos chineses são bem-vindos, porém têm que cumprir as exigências de responsabilidade ambiental e social no Peru. Não se trata do Estado decidir e promover todos os investimentos sem consultar antes as comunidades locais”. Sobre o futuro de Las Bambas – cuja execução supõe um investimento de US$ 5.8 bilhões – o especialista disse estar otimista com as mesas de diálogo que se instalaram na região para discutir a priorização das obras, mas alertou que o programa de investimentos do Estado só foi aplicado em 15% e que, por isso, “as pessoas da região demandam mais obras por parte do Estado”. López Follegati destacou que existem outros quatro ou cinco projetos de mineração que poderiam permitir uma maior integração e construção de rodovias. O futuro dos investimentos A China não é somente o principal investidor na área de mineração como, desde o ano passado, passou a ser aliado do governo peruano no polêmico projeto de construção de um trem que atravessaria 8.000 quilômetros através do Peru e Brasil (para conectá-los comercialmente com o porto chinês de Tianjin) e cujos impactos ambientais sobre a Amazônia provocaram alertas de várias organizações da sociedade civil. Os estudos técnicos para determinar a viabilidade e o traçado que teria o megaprojeto – segundo o memorando de entendimento ao qual teve acesso o jornal O Comércio, do Peru – estão a cargo da China Railway Corporation e China Railway Engineering Eryuan Group (pela China), Planificação Corporativa e Logística S.A. (pelo Brasil) e a Direção Geral de Estradas e Ferrovias, que depende do Ministério dos Transportes, no caso do Peru. O valor total do comércio bilateral entre Peru e China alcança, atualmente, cerca de US$ 15 milhões, uma cifra importante desde que foi firmado o acordo de livre comércio, que entrou em vigor dia 1 de março de 2010. O crescimento econômico dos últimos anos está associado a estes vínculos e Pedro Pablo Kuczynski compreende esse fato. Por isso, reiterou a necessidade de avalizar as relações e impulsionar o processamento dos minerais. A pergunta é se isso será possível, levando-se em conta que um dos principais complexos metalúrgicos do país – a Oroya – está em processo de liquidação e causa uma das mais severas contaminações por chumbo no Peru. López Follegati acredita que o Peru tem capacidade para processar minerais. “O Peru já tem experiência de, pelo menos, 30 ou 40 anos em processar minerais, quando existia a Mineradora Peru. Poderia, inclusive, estender sua área de atuação se conseguisse agregar mais produtos, como cobre, prata ou zinco. No Peru existe o conhecimento, a tecnologia e a experiência para realizá-lo, e o exemplo é a refinaria de cobre em Ilo, que esteve a cargo da Mineradora Peru”. Reconhece, entretanto, como fizeram também outros especialistas, que a Oroya “tem que modernizar-se, e responder por seus processos ambientais em marcha”. Diferentes olhares sobre o futuro Nos últimos anos, o Peru parou de crescer a um ritmo de 6% ao ano e passou a um estimado 3% este ano, segundo o relatório Panorama Econômico Mundial, do Fundo Monetário Internacional. Esta queda tem várias explicações, mas existe consenso que está associada à queda dos preços internacionais e à desaceleração econômica da China. O que se vê em um futuro imediato? “O que estamos vendo nos últimos anos são os restos dessa época de bonança, porque os investimentos feitos nesse período amadureceram em 2015 e 2016. Somos um país primário exportador. O que se percebe agora é um período em que esse motor apagou e dá a impressão de que vai permanecer apagado por um tempo prolongado”, reiterou o economista da Universidade Católica, Waldo Mendoza. Pedro Pablo Kuczynski afirmou que quer recuperar o ritmo de crescimento reativando os investimentos em mineração. Os representantes da Frente Ampla – coalizão de esquerda que obteve 20 cadeiras no Congresso da República e que apoiou, no segundo turno das eleições, a candidatura de PPK em oposição a Keiko Fujimori – têm, no entanto, uma visão diferente sobre o tipo de modelo econômico que deve ser adotado pelo novo governo. Tania Pariona, congressista da Frente Ampla, afirma que é o momento da economia peruana deixar de crescer baseada no extrativismo. “Em minha opinião, o país necessita fazer uma projeção realista de seus investimentos, levando em conta os parâmetros ambientais, o respeito pela vida e pelos produtos originários das comunidades de onde, na realidade, são extraídos esses recursos. Que futuro tem um crescimento econômico se não leva em conta o desenvolvimento humano? Nós acreditamos que, para crescer, é preciso levar em consideração um ordenamento territorial com projeção econômica e ecológica”, sustentou a parlamentar ao Diálogo Chino. Sobre os conflitos sociais existentes, Tania Pariona assinalou que, de boa vontade, devem “fortalecer seus mecanismos de diálogo com as comunidades, a consulta prévia, os diálogos interculturais. Acredito que isso é elementar e tenho repetido várias vezes. É preciso que o Estado tenha uma presença mais oportuna e eficaz nas zonas onde acontecem os conflitos, a partir da intervenção de uma empresa”. A bancada parlamentar da Frente Ampla reafirmou que apresentará uma iniciativa legislativa para revogar uma série de medidas conhecidas como “paquetaço ambiental” e que aprovou o incentivo aos investimentos. Os decretos questionados, entre outras coisas, flexibilizam a fiscalização ambiental. Consultada pelo Diálogo Chino, a equipe técnica de PPK – que neste momento organiza a transferência de governo – não quis se pronunciar oficialmente sobre tais assuntos, assim como os representantes do grupo parlamentar fujimorista, que é maioria no Congresso. Por seu lado, Lopez Follegati insistiu em que “a fiscalização ambiental deve garantir a limpeza ambiental. É importante fortalecer o Organismo de Avaliação e Fiscalização Ambiental (OEFA), promover o uso de novas e melhores tecnologias e as garantias ambientais, mas também sancionar quando é preciso”. Qual será a estratégia do governo de Pedro Pablo Kuczynski, homem de direita, ex-ministro de Economia e ex-diretor de vários conglomerados econômicos, para buscar aliados e de novo impulsionar a economia peruana com minoria no Congresso da República (só 18 cadeiras)? Nas próximas semanas serão conhecidos os integrantes do seu primeiro Conselho de Ministros, mas de imediato existem datas-chave para os próximos meses: em 2 de novembro próximo se celebram 45 anos das relações diplomáticas Peru-China e em 19 do mesmo mês terá início o Foro APEC 2016, com a visita do Presidente da China, Xi Jinping.