Com a partida dos turistas e atletas que participaram dos Jogos Olímpicos, chegou a vez de a população da cidade brasileira do Rio de Janeiro vivenciar o que foi construído ou alterado especialmente para receber as Olimpíadas. O novo sistema de transporte é tido como o maior legado da Rio 2016, segundo os próprios organizadores. O ministro dos Esportes, Leonardo Picciani, concorda que a mobilidade urbana é um legado “enorme” para os cariocas como ele.
“Além disso”, lembra o ministro, “existe um legado imaterial. Os Jogos Olímpicos são uma inspiração para a prática do esporte, para que a juventude inclua o esporte no seu cotidiano, no seu dia a dia e são um instrumento de inclusão social”, acredita Picciani.
Quem depende do serviço diariamente ainda vê o futuro da mobilidade com desconfiança. “Durante os dias dos Jogos, o trem vinha com bastante frequência e com muitos vagões. A gente conseguia até viajar sentado!”, comentou com o Diálogo Chino uma passageira que preferiu não ter o nome divulgado. Moradora de Madureira, zona norte do Rio, ela teme que o serviço volte a ser como antes com o fim das competições. “Os trens sempre foram superlotados, a gente tinha que esperar muito pra embarcar. Acho que vai voltar a ser assim”.
A prefeitura da cidade afirma que a readequação ao cotidiano carioca será gradual. A aposta é que mais pessoas deixem o carro para usar o transporte coletivo. Segundo o órgão, até o início das obras de ampliação das linhas de metrô e do trem rápido, somente 18% dos moradores usavam o serviço de alta velocidade. A expectativa é que em 2017, um ano após os Jogos, esse índice chegue a 63%.
“Estarão em operação mais de 150 quilômetros de corredores de BRT (Bus Rapid Transit) conectando as regiões mais pobres e afastadas da cidade, assim como a ampliação do metrô”, diz o documento oficial que analisa o legado da Rio 2016.
Se for assim, os Jogos Olímpicos brasileiros vão repetir os da China. As melhorias no sistema de transporte foram o principal legado das Olimpíadas de Pequim de 2008, segundo o Comitê Internacional Olímpico (COI). “Os investimentos também levaram a uma expansão da rede rodoviária de Pequim e grande extensão do metro, com novas linhas, além do trem rápido para Tianjin (uma das cidades mais importantes do país)”, diz o relatório do COI sobre o tema.
Rogério Valle, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador do relatório dos impactos e legados dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, ainda prefere a cautela quando fala sobre esse possível legado para os brasileiros. “Vamos ver como vai atuar no cotidiano. É bom lembrar que uma linha importante do BRT não está concluída”, alerta o professor referindo-se ao BRT Transbrasil, que ligará Deodoro, palco de competições de cinco modalidades olímpicas na zona oeste da cidade, à região central da cidade.
Nova estética
Oficialmente, os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro custaram R$ 39,07 bilhões – cerca de US$ 12 bilhões. Com investimentos públicos e privados, a recuperação urbanística do centro da cidade também é apontada como um legado significativo. A área portuária, de importância histórica que estava abandonada por décadas, foi revitalizada e recebeu milhares de turistas durante as Olimpíadas.
“A recuperação da região portuária, por onde começou a cidade e que estava bastante degradada, foi devolvida aos cidadãos do Rio de Janeiros e aos turistas que visitam a cidade”, derrete-se o ministro. O professor Valle concorda: “A cidade ganhou um espaço representativo, esse foi um legado urbanístico importante. Criou-se um polo de atração cultural, por onde também passa um trecho do VLT (Veículo Leve sobre Trilho)”.
Quanto ao Parque Olímpico, construído com por meio de parceria público-privada, as reestruturação só começa depois das Paralimpíadas. Cerca de 60% da área terá uso público e o restante se transformará num bairro residencial.
As novas construções vão ocupar o espaço deixado por estruturas que serão desmontadas. A Arena do Futuro vai se transformar em quatro escolas na região de Jacarepaguá, zona oeste da cidade. Já o Estádio Aquático vai virar dois centros de natação nos bairros de Madureira e Campo Grande, nas zonas norte e oeste respectivamente. Todas essas intervenções já estariam incluídas no orçamento da Rio 2016.
“Alguns equipamentos serão usados para treinamento de atletas de alto rendimento. Algumas áreas para realização de eventos esportivos, programas para jovens atletas e inclusão social. Algumas arenas serão concedidas para a iniciativa privada realizar eventos e, com a renda, manter o legado olímpico”, esclarece o próprio Picciani.
Em Londres, o Parque Olímpico deu novos ares à região de East End, área degradada da cidade. Segundo a avaliação dos economistas Bruce Katz e Alex Jones, “ainda é cedo para avaliar os impactos duradouros dos investimentos”, embora a região tenha atraído empresas e hoje se destaca como polo tecnológico, de acordo com artigo que publicaram na Brookings Institution.
Simon Carrasco, professor de uma nova escola na Vila Olímpica de Londres, duvida que os impactos dos Jogos Olímpicos sejam positivos e duradouros já que não foi o que se viu nas outras cidades sedes. Mesmo assim, ficou impressionado com as transformações ocorridas na zona leste de Londres.“Era um lugar intransitável e hoje é um local do qual sentimos orgulho e que visitamos sempre”, disse o professor.
Carrasco ainda afirmou que, graças aos Jogos Olímpicos, seus estudantes tem acesso às instalações “incríveis” e agora a grande maioria vive perto da escola. Ressalta, porém, que o velódromo não é acessível para todo mundo e muitos apartamentos comprados por investidores estrangeiros continuam vazios.
Allan Brimicombe, professor da Universidade de East London, vê bons exemplos dados por Londres em 2012. “Não temos grandes elefantes brancos, que são os estádios esquecidos ou não usados”, declarou em um debate organizado pela Queen Mary University of London.
Para a conta fechar
O balanço imediato ao fim da Rio 2016 é positivo. “O mais importante é que, sem dúvida nenhuma, toda aquela lista de temores tão acentuados não se confirmou”, analisa Valle. A lista incluía comprometimento das competições na Baía de Guanabara devido à poluição das águas, surto do vírus zika, medo de atentado terrorista e colapso do sistema de transporte coletivo.
Ao que tudo indica, as Paralimpíadas, sediadas entre 7 e 18 de setembro, também devem ficar livres dessas preocupações. Para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), a sensação é de “dever cumprido”.
Por outro lado, a avaliação do custo ainda causa polêmica. “Isso é muito complicado. Não há mecanismos para se calcular o custo das coisas ditas imateriais. Dependendo do cálculo, Rio 2016 pode ter sido a mais barata da História, ou a mais cara”, comenta Valle, citando o impacto para a imagem da cidade como exemplo.