Negócios

A China se beneficia com o recuo dos EUA na América Latina?

O país asiático deve ocupar o espaço deixado pelos Estados Unidos

Os latino-americanos já não podem se dar ao luxo de esperar quatro anos para saber se os Estados Unidos estarão dispostos a ter uma conversa honesta e recíproca sobre a prosperidade econômica no hemisfério ocidental. Felizmente para os vizinhos sul-americanos dos EUA, um novo parceiro comercial se materializou na última década: a China. Com laços econômicos cada vez mais incertos com os EUA, seria bom para a América Latina solidificar os laços com a China, mas com cautela.

Em 2016, as economias latino-americanas retraíram pelo segundo ano consecutivo e as projeções apontam para um crescimento de pouco mais de 1% em 2017, caso não ocorram grandes surpresas. Além disso, o setor privado internacional vem se retirando da região em ritmo alarmante. Os fluxos líquidos de capital assumiram um valor negativo na América Latina pela primeira vez desde 1998.

Tradicionalmente, a região sempre se voltou para os Estados Unidos em busca de apoio comercial e financeiro em tempos de turbulência – quer fosse através de financiamentos de instituições amparadas por Washington, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, ou através de negociações comerciais e investimentos.

Depois que Donald Trump foi eleito, entretanto, nada disso parece mais garantido.  Ainda é muito cedo para saber quais serão as políticas do presidente em relação aos bancos de desenvolvimento, mas já sabemos que as instituições tradicionais dos Estados Unidos estão diminuindo os empréstimos feitos à região.

Também sabemos que o presidente Trump foi rápido em tirar os EUA da Parceria Transpacífico (TPP) e em anunciar planos para renegociar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA).

Muitos latino-americanos acolheriam de braços abertos a oportunidade de renegociar o TPP e o NAFTA em condições de igualdade e de boa fé. Os negociadores chilenos do TPP, por exemplo, sentiram que não conseguiram um acordo muito proveitoso. Alguns itens do acordo dariam às grandes empresas norte-americanas abertura para conduzir negócios no país com pouca concorrência ou interferência do governo, como os que forçam o país a fazer a desregulamentação dos seus mercados financeiros e das leis de propriedade intelectual.

O NAFTA, acordo comercial criado em 1994, ajudou a aumentar em sete vezes as exportações mexicanas para os EUA. O investimento estrangeiro direto quadruplicou se comparado aos níveis pré-NAFTA. No entanto, mesmo com todo esse comércio e investimento, o crescimento médio do PIB per capita do México se manteve teimosamente em 1% no período pós-NAFTA. O país perdeu pelo menos dois milhões de empregos na agricultura, uma vez que depois do acordo o México foi inundado por importações baratas de milho e outras commodities.

Naturalmente, os países da região estão cautelosos com a possibilidade de negociarem com um governo que os denigre e que chama seus cidadãos de “bad hombres” e coisas piores.

Foi no meio disso tudo que apareceu a China. O país lançou o Livro Branco poucos dias depois das eleições referindo-se à América Latina e ao Caribe como “terra da vitalidade e da esperança”, prometendo implementar as promessas comerciais e de investimentos feitas anteriormente, sem sujeitar ninguém à desregulamentação e aos xingamentos que partiram dos EUA.

A China se comprometeu em aumentar o comércio com a região em US$ 500 bilhões e em aumentar o investimento estrangeiro em US$ 250 bilhões até 2025. E, para mostrar que estão falando sério, os dois bancos de desenvolvimento da China – o Banco de Desenvolvimento da China e o Banco de Exportação e Importação da China – agora oferecem por ano mais financiamento para projetos de desenvolvimento na América Latina do que oferecem o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Corporação Andina de Fomento (CAF) – juntos!

Além dos empréstimos bilaterais, a China também proporcionou uma plataforma multilateral de financiamento para a América Latina, com valor de US$ 35 bilhões. Em 2015, duas novas agências de financiamento foram estabelecidas: o Fundo de Investimento para a Cooperação Industrial entre a China e a América Latina e Caribe, com valor de US$ 20 bilhões, e o Fundo para Infraestrutura entre a China a América Latina, com valor de US$ 10 bilhões. A China também investiu um adicional de US$ 5 bilhões no Fundo de Cooperação entre a China e a América Latina, criado em 2014.

Na semana passada, quando o presidente Trump assediava o México para que o país pagasse pela construção de um muro entre os dois países, a China tornou-se uma importante parceira comercial do país latino.  Em 2 de fevereiro, o México anunciou que a fabricante de automóveis chinesa JAC Motors tem planos de abrir uma fábrica avaliada em US$ 212 milhões em Hidalgo, com o potencial de criar 5.500 empregos no país. Ao contrário do que aconteceu no final do século XX, hoje os latino-americanos encontram na China uma alternativa.

Ainda assim, a América Latina precisará trabalhar os pontos fracos da parceria. Apesar de os negócios e investimentos chineses na região terem ajudado a estimular o crescimento econômico entre 2003 e 2013, eles também acentuaram a desindustrialização de muitas economias da região devido à importação de produtos chineses mais baratos. Além disso, o apetite chinês pelo petróleo e pelos minerais da América Latina aumentou a degradação ambiental e os conflitos sociais em toda a região.

A América Latina tem uma série de instituições regionais fortes, como o CAF –  Banco de Desenvolvimento da América Latina e Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, que poderiam trabalhar com a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), que é menos forte, para garantir ao plano de engajamento da China para a região um crescimento de longo prazo que seja ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo.

Infelizmente, a não ser que haja uma correção de percurso na política dos EUA, parece que, pelo menos por um tempo, caberá aos próprios governos latino-americanos estabelecerem uma relação mais construtiva com o governo chinês, que parece muito disposto a preencher o vácuo que será potencialmente deixado pelos Estados Unidos.

Este artigo foi originalmente publicado pela Latin America Goes Global