A China continua investindo fortemente na extração de recursos naturais e em projetos de infraestrutura na América Latina. Segundo dados da pesquisadora da Iniciativa de Governança Econômica Mundial (GEGI), da Universidade de Boston (EUA), Rebecca Ray, os investimentos chinesesem extração de recursos naturais no exterior saltaram de US$ 8,2 bilhões, em 2015, para US$ 17,2 bilhões, em 2016. “Com a queda no preço das commodities, os países latino-americanos estão começando a flexibilizar as leis de proteção ambiental”, alerta a investigadora chefe de investimentos chineses da Organização Não-Governamental (ONG) do Peru CooperAcción, Julia Cuadros.
“A tragédia dessa flexibilização não é só o custo socioambiental, é que ela sequer era necessária”, comenta Ray. “A China não vai sair da América Latina porque os preços das commodities estão baixos. A maioria das empresas é estatal. Tem a função de ajudar o Estado. Não é como as empresas norte-americanas que deixavam os países de imediato quando os preços caíam porque visam o lucro imediato. Os governos da América Latina estão trabalhando com uma visão do passado. Não estão sabendo lidar com esse novo tipo de ator”, explica a pesquisadora do GEGI.
Até por isso, entidades e ONGs do subcontinente estão se organizando para negociar com bancos e estatais chinesas na tentativa de fazê-los cumprir normas básicas socioambientais de cada país onde atuam. Argentina, Peru e Equador, por exemplo, são países que já têm organizações da sociedade civil acompanhando de perto o trabalho dos chineses e reivindicando maior transparência da China. “O extrativismo estará sempre presente, porque temos petróleo, minério, água e alimento. A discussão é usar esses recursos de forma responsável. E essa é uma discussão que cabe também aos organismos multilaterais”, afirma a diretora para Iniciativa para Investimentos Sustentáveis China-América Latina (IISCAL), Paulina Garzón.
Equatoriana, Garzón cita dois exemplos estudados por seu grupo em seu país de origem: a hidrelétricaCoca Codo Synclair e a mineradora Mirador. Inaugurada em novembro do ano passado, a hidrelétrica é a maior do Equador, vai gerar 1500 megawatts (MW) de energia, o que representa 30% da demanda nacional, foi construída pela Sinohydro com financiamento do Eximbank da China sem qualquer estudo de impacto na maior cascata do país. A mina de cobre Mirador está sendo construída sem o estudo de impacto ambiental e com a desaprovação da comunidade local. Financiado por cinco bancos chineses, o projeto de US$ 5,4 bilhões, está a cargo da Tongling Non Ferrus e da China Railway Construction Corporation.
A China já investiu US$ 24.478 bilhões nas três minas que explora no Peru: Río Blanco, Toromocho e Las Bambas, segundo a CooperAcción. Desse total, US$ 10 bilhões foram para Las Bambas, a maior mina de cobre do mundo e, até por isso, onde a ONG concentra seus esforços para conectar-se com os chineses. Assim que começou a produzir, em julho do ano passado, a mina foi comprada pela China Minmetals, Citic e Gouxin. Localizada em um dos lugares mais pobres do Peru, a passagem de 325 caminhões por dia pela estrada de terra tem levantado muita poeira afetando a água, agricultura e a saúde da população.
“Não se sabe o que é feito nem o que será feito. Não há informação. Não se diz nada à população. As pessoas não são contra. Só querem saber o que vai acontecer. Como vão mitigar os problemas e querem respeito a seus direitos”, diz Cuadros que também já está em contato com empresas chinesas. Apesar de não ter tido tanta sorte, a Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN) da Argentina conseguiu manter contato com inúmeras entidades civis chinesas quando sua coordenadora de economia e política ambiental, María Marta Di Paola, esteve em Pequim para tentar conversar ao vivo com representantes dos bancos chineses.
“Pelo menos descobrimos o cross-defaut”, diz Paola referindo-se ao fato de o empréstimo para a construção de 10 mil quilômetros de ferrovia no norte argentino – para escoar principalmente lítio – estar vinculado à construção de duas hidrelétricas no extremo sul da Argentina. O problema é que essas hidrelétricas, estimadas em US$ 4,7 bilhões, poderiam afetar a biodiversidade da área e as três geleiras da Patagônia, Upsala, Spegazzini e Perito Moreno, esta declarada Patrimônio da Humanidadepela UNESCO. Outra dificuldade enfrentada pela Argentina é que esse é o único país da América Latina que não tem uma lei ambiental, segundo queixa Paola.
Antes isoladas em seus respectivos países, as ONGs e entidades da sociedade civil começam a se unir para negociar com a China e os chineses. Um desses encontros ocorreu em Washington DC, na sede do Inter-American Dialogue e foi intermediado por Michael Shifter, presidente da entidade. “Estamos tentando aprender sobre a China, mas falta transparência e há várias Chinas dentro da China. E os países latino-americanos também precisam decidir o que querem dos chineses”, diz Garzón. Dois outros encontros, com outras organizações, estão previstos ainda para este mês para discutir a relação China-América Latina.