A relação entre a América Latina e Caribe (ALC) com a China se incrementou e precisa de atenção acadêmica personalizada.
Essa relação passou por pelo menos três diferentes fases desde a década de 90. Em uma primeira fase (desde 1990), o comércio entre ALC e China se intensifica significativamente. Se historicamente a relação comercial foi quantitativamente pouco relevante, atualmente a ALC é o quarto sócio comercial da China e a China o segundo da ALC.
Desde 2007/2008, a relação integra uma segunda fase com base em financiamento e no Outward Foreign Direct Investment (OFDI). Autores como Gallagher analisaram em detalhes as características do financiamento chinês para a ALC – principalmente sua concentração em países como Venezuela, Equador e Brasil. A Rede Acadêmica da América Latina e Caribe (RED ALC China), coordenada pelo Centro de Estudos China-México (CECHIMEX), da Faculdade de Economia da Universidade Nacional Autônoma do México, também monitora os investimentos da China na ALC.
A partir de 2013, a China inaugura uma nova fase em sua relação com a ALC com os projetos de infraestrutura. Com base em sofisticadas estratégias, como “Um Cinturão, Uma Estrada”, ampliando e aprofundando cooperação e comércio entre os povos – culminando recentemente, em maio de 2017, em um grande Fórum Internacional – e dezenas de instrumentos, como fundos regionais e setoriais especializados – o mais famoso, provavelmente, é o Banco Asiático de Infraestrutura e Investimentos (AIIB, sua sigla em inglês) –, a China conseguiu oferecer projetos de “empreitada” (turn-key projects): com desenho, construção e equipamento.
A relação, no entanto, está cheia de tensões e conflitos: o elevado e crescente déficit comercial, o alto grau de concentração do comércio em poucos produtos, e alguns capítulos do Sistema Harmonizado(que normatiza a classificação de mercadorias que são objeto de comércio internacional), particularmente, o que estabelece que menos de 5% das exportações da ALC à China sejam de nível tecnológico médio e alto, enquanto mais de 60% das exportações da China para a ALC são de nível tecnológico médio e alto; as estruturas anteriores evidenciam uma típica relação “centro-periferia” e grandes desafios existem para que a ALC consiga um efetivo desenvolvimento a curto e médio prazo.
A crescente complexidade dessa relação vem sendo analisada por várias instituições chinesas como o Instituto de Estudos Latino-americanos da Academia de Ciências Sociais da China e por especialistas e autores de universidades como a de Tsinghua, Renmin, Fudan, Pequim e a Universidade de Negócios Internacionais e Economia (UIBE), entre outras.
Segundo recentes análises da Rede ALC-China e com base em informação da Heritage Foundation, até 2016 a China havia realizado mais de 1.100 projetos de infraestrutura, por mais de US$ 600 bilhões; somente 20 empresas chinesas – todas públicas – representaram mais de ¾ partes desses projetos chineses no exterior.
Assim, estas empresas se tornaram o centro de atenção na relação da ALC com a China. Empresas como Chinese Overseas Engineering (COVEC) Group, Sinohydro (atualmente parte do grupo Powerchina), China Railway Construction Corporation, Huawei, ZTE, Sinopec, State Construction Engineering, Sinomach, China National Building Material, China Communications Construction, Three Gorges, Power Construction Corp. e State Grid, entre outras, oferecem um vasto expertise técnico e capacidade de projeto, financiamento, fornecimento, construção, fabricação e serviços pós-venda.
A partir da perspectiva da ALC, contudo, estas opções se convertem em enormes desafios de desenvolvimento, já que a capacidade de integração local, regional ou nacional, em alguns casos, poderia ser nula.
Neste contexto, a recente atualização de dados do Monitor de OFDI chinês em ALC da Rede ALC-China até 2016 reflete:
- as 313 transações de OFDI chineses realizados na ALC durante 2000-2016 acumularam quase US$ 120 bilhões e 300.000 empregos, até o momento;
- com fluxos superiores aos US$ 35,5 bilhões de OFDI, 2010 foi sem dúvida o ano em que a ALC recebeu mais investimento direto chinês; desde então,
- os níveis se aproximaram dos US$ 10 bilhões; em 2015 e 2016, de US$ 9.383 e US$ 11.273 bilhões, respectivamente;
- com 238 novos projetos, o OFDI chinês se destaca por níveis de fusões e aquisições (24% do total) relativamente baixos durante 2000-2016; as F&A representaram 39.72% do emprego gerado no período;
- o OFDI chinês público segue concentrando a maior parte do montante de investimento direto e emprego gerado, com 63.27% e 75.03%, respectivamente;
- o destino do OFDI se desconcentrou nos últimos anos: para 2000-2016, 45.29% teve como destino matérias primas e energia e 30.07%, em diversos processos de fabricação.
Se incluirmos adicionalmente a análise da Rede ALC-China sobre as experiências de 10 empresas chinesas na ALC – tendo como principal resultado o fato de que as empresas chinas necessitam de 3-5 anos para integrar-se e conhecer os respectivos países latino-americanos, chegando, às vezes, há até sete anos -, a temática convida a que os setores públicos, privado e acadêmico unam esforços para atrair o OFDI chinês e acompanhem estes processos para reduzir custos, tempo e, em muitos casos, conflitos políticos e sociais.
Estas iniciativas deveriam não só ser bilaterais, mas também em instituições regionais, como a CELAC.
Reduzir este tempo, custos, conflitos sociais e políticos, beneficiaria todas as partes.