No início de setembro, o governo mexicano anunciou planos de aumentar as tarifas de importação de países com os quais não tem um acordo de livre comércio. As taxas, de até 50%, podem afetar setores como o automobilístico, que conta com fabricantes da China e de outros países asiáticos.
A proposta foi enviada à Câmara de Deputados para votação, onde o governo diz ter votos suficientes para aprová-la. Se isso ocorrer, a medida valerá até o fim de 2026.
Marcelo Ebrard Casaubón, ministro da Economia, disse que a medida visa proteger indústrias estratégicas do México. Já analistas sugerem que, embora o México busque afirmar sua autonomia regulatória e territorial, também procura preservar um relacionamento estável com os Estados Unidos. Em julho, essa pressão levou a BYD, gigante chinesa de veículos elétricos, a cancelar seus planos de instalar uma fábrica em solo mexicano.
O México importa US$ 52 bilhões de países sem acordo de livre comércio, valor que pode ser diretamente afetado pela medida, redefinindo seu papel no comércio global e na transição para veículos elétricos.
Para entender o que isso significa para a indústria e os consumidores, conversamos com Eugenio Grandío, fundador da Associação de Eletromobilidade do México (EMA) e ex-estrategista de negócios da Tesla para a América Latina.
Grandío é um dos principais defensores da eletrificação no México. A EMA, que reúne fabricantes de veículos elétricos e empresas de baterias, aposta no potencial do setor e celebra a crescente demanda dos consumidores. Só no primeiro semestre de 2025, as vendas de VEs e híbridos plug-in cresceram 40%, somando mais de 43 mil unidades e elevando a frota nacional para mais de 150 mil. O resultado mostra um mercado em plena expansão, no qual montadoras chinesas vêm conquistando uma fatia significativa.
Dialogue Earth: Como as novas tarifas anunciadas pela presidente Claudia Sheinbaum afetam a eletromobilidade no México?
Eugenio Grandío: A indústria automotiva está passando por uma rápida transição para veículos elétricos, liderada por países que vêm desenvolvendo essas tecnologias há dez ou 15 anos. Tarifas como essas podem atrasar o mercado de veículos elétricos. Em todo o mundo, os governos têm promovido os veículos elétricos por meio de incentivos econômicos. O México introduziu alguns, mas avançamos muito lentamente em comparação a outros países. Agora, com essas novas medidas, a mudança ficará ainda mais lenta – justamente quando começávamos a ver a entrada de veículos elétricos mais baratos no mercado.
Esses carros são uma opção atraente para os mexicanos, não apenas porque são mais acessíveis, mas também porque carregar um veículo elétrico pode gerar uma economia de até 70% em comparação com o abastecimento de um carro a gasolina. Além disso, muitas empresas que investem nessas tecnologias devem aumentar seus preços para compensar a alta tarifária.
Ao contrário de outros países, onde a demanda foi inflacionada com subsídios, as pessoas compram carro elétrico no México porque realmente querem um
Como você enxerga o panorama da eletromobilidade no México? O governo implementou incentivos, incluindo descontos nas tarifas das rodovias na Cidade do México e no Estado do México, isenção do imposto federal sobre novos carros e deduções do imposto de renda pela depreciação dos veículos elétricos. Isso é suficiente?
No México, fala-se muito sobre eletromobilidade. Há milhares de planos e ideias, mas tudo é muito fragmentado: cada um puxa para o seu lado. O governo disse que quer promover a eletromobilidade, mas a realidade é que tem muitas prioridades. Ele adora os planos, mas as regulamentações e os incentivos atuais não são suficientes.
Paradoxalmente, isso também tem um lado positivo: ao contrário de outros países, onde a demanda foi inflacionada com subsídios, as pessoas compram carro elétrico no México porque realmente querem um. Isso me tranquiliza. Aqui, a demanda é real, não forçada.
O governo afirmou que o apoio aos veículos elétricos será focado no transporte público. Qual é a sua opinião?
A ideia parece ótima, porque todos devemos usar o transporte público. Porém, se você olhar os números, verá que no México há 800 mil ônibus para um total de 40 milhões de veículos. Mesmo que você eletrifique todos os ônibus e reduza as emissões no transporte público, isso não resolverá os problemas ambientais de fundo.
Por isso digo que, se o governo quer investir em transporte público, ótimo, mas também deveria implementar regulamentações que facilitem a adoção de carros elétricos particulares.
E qual tem sido o papel da indústria automotiva no México?
A indústria automotiva tem um poder enorme. Ela representa mais de 4% do produto interno bruto (PIB), além de milhares de empregos. As montadoras tradicionais têm freado a eletrificação sob o argumento de que o México “não está pronto”, que a eletricidade é muito suja, que não há infraestrutura, etc. Mas isso é falso. As marcas japonesas dirão que não tem jeito, e nenhuma delas oferece carros elétricos aqui. Já as chinesas, oferecem — com a mesma eletricidade e infraestrutura, além de preços competitivos.
O que está acontecendo com as regulamentações mexicanas sobre eficiência de combustível e emissões de CO₂? A norma mexicana para veículos leves, a NOM-163, ajuda a promover os veículos elétricos?
O México tem a norma de eficiência 163, mas ela é tão flexível que basta vender alguns carros elétricos para cumpri-la. Um exemplo: o carro elétrico mais vendido no México, de acordo com o governo, é o Nissan Kicks e-Power. Mas ele é híbrido: tem quatro cilindros e usa gasolina. Mesmo assim, eles o classificam como elétrico, e ele recebe incentivos. Isso é absurdo.
Nota da edição: o Nissan Kicks e-Power tem um sistema sem conexão física entre o motor e as rodas, transferindo toda a potência por meio do trem de força elétrico, que requer gasolina para funcionar e, portanto, ainda emite gases de efeito estufa.
No México, enquanto as regras forem flexíveis, as montadoras não trarão sua melhor tecnologia — elas continuarão trazendo híbridos disfarçados
Do ponto de vista das políticas públicas, quais medidas seriam mais eficazes?
Hoje, as marcas podem vender picapes de oito cilindros e compensar com alguns modelos elétricos, porque cada carro elétrico equivale a “créditos” que descontam as emissões conforme as normas atuais. Foi assim que a Tesla cresceu: não só porque as pessoas queriam seus carros, mas porque outras marcas tinham que comprar créditos dela.
No México, enquanto as regras forem flexíveis, as montadoras não trarão sua melhor tecnologia. Elas continuarão dizendo “não estamos prontas” e trarão híbridos disfarçados, porque esses também recebem mais créditos aqui do que em outros países. Isso é abrir mão do mercado.
Qual papel a sociedade e as organizações civis podem desempenhar nessa mudança?
A participação social é fundamental. Hoje, essa agenda enfrenta resistência das marcas tradicionais. Elas têm dinheiro, contatos e exposição na mídia. E poucos se atrevem a contradizê-las. Precisamos de mais vozes que questionem, que mostrem com dados que a qualidade do ar e a saúde pública estão em risco.
Em outros países, a pressão dos cidadãos tem sido fundamental. No México, não temos essa cultura. Aqui, tudo se resume à decisão individual de comprar um carro. E cada carro elétrico que entra no mercado significa menos anos de poluição nas cidades.
O que você diria que é o mais urgente na transição energética para um transporte mais limpo?
Não nos contentemos com tecnologias inferiores, como os híbridos. Exijamos a melhor tecnologia disponível, não o que eles querem nos vender. Senão, o México continuará sendo um lixão tecnológico: enviam o que não é vendido em outros lugares.
Além disso, devemos parar de acreditar no mito de que um carro elétrico polui mais do que um carro a gasolina no México. Precisamos comunicar os fatos. Isso é espalhado por aqueles interessados em frear a mudança. Se não pressionarmos agora, as marcas continuarão vendendo produtos antigos e alegando que são os melhores para nós.

