Negócios

Dos EUA à China, empresas avaliam levar suas operações ao México

Multinacionais querem se aproximar de consumidores para baratear custos, mas esbarram em tensões comerciais e geopolíticas, além de projetos e investimentos que não atendem às expectativas
<p>Ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (centro) ao lado do presidente dos EUA, Joe Biden (esquerda), e do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, na 10ª Cúpula de Líderes da América do Norte, em janeiro de 2023. Os três países concordaram em fortalecer as cadeias de abastecimento regionais e incentivar investimentos em setores-chave (Imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/eneas/52621623261/in/photostream/">Eneas De Troya</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/eneas/">Flickr</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/">CC BY</a>)</p>

Ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (centro) ao lado do presidente dos EUA, Joe Biden (esquerda), e do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, na 10ª Cúpula de Líderes da América do Norte, em janeiro de 2023. Os três países concordaram em fortalecer as cadeias de abastecimento regionais e incentivar investimentos em setores-chave (Imagem: Eneas De Troya / Flickr, CC BY)

Nos últimos cinco anos, as cadeias globais de abastecimento precisaram de profundas adaptações por causa da pandemia de Covid-19, das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China e dos impactos da guerra na Ucrânia.

Esses choques globais fizeram com que cada vez mais multinacionais transferissem suas operações para locais mais próximos de seus principais mercados consumidores. O objetivo foi reduzir os custos de produção e transporte, diminuindo também os eventuais riscos de interrupções na logística das cadeias de abastecimento. Essa tendência ficou conhecida como nearshoring, combinação dos termos nearshore (próximo à costa) e outsourcing (terceirização).

Nos últimos anos, o fenômeno fez com que as empresas voltassem mais atenção para os países do Sudeste Asiático, da Europa Central, do Leste Europeu e da América Latina, com foco nos setores automotivo e de tecnologia. 

Um dos lugares preferidos para esse tipo de operação é o México, onde o fácil acesso aos mercados dos Estados Unidos atrai o interesse de muitas empresas — e, em certas regiões, isso tem gerado o aumento nos investimentos.

Porém, apesar de altas expectativas, alguns analistas consideram que o México ainda não aproveitou totalmente as oportunidades do nearshoring. Especialistas observam falhas nas políticas mexicanas para fortalecer setores estratégicos, como o de tecnologia, e limitações do setor de energia para suprir os projetos estrangeiros.

Jesús Carrillo, diretor de economia do Instituto Mexicano para a Competitividade (IMCO), notou que as promessas de nearshoring têm ficado apenas no discurso.

“Não houve um aumento tão alto assim nos investimentos, pelo menos não tanto quanto era esperado”, disse ele ao Dialogue Earth

As incertezas de investidores foram agravadas pela recente aprovação de uma polêmica reforma judicial promovida pelo ex-presidente Andrés Manuel López Obrador. A reforma foi apresentada como uma forma de democratizar o poder Judiciário, sujeitando à eleição popular mais de 1,6 mil cargos, desde juízes federais a ministros da Suprema Corte. Críticos dizem que isso poderia politizar a Justiça e reduzir os requisitos técnicos dos profissionais.

Diego Marroquín, especialista no comércio EUA-México pelo Wilson Center, escreveu uma análise dizendo que a reforma “poderia desafiar seriamente a competitividade de longo prazo e o potencial de nearshoring da América do Norte”, além de “colocar em risco bilhões de dólares em investimentos dos EUA e do Canadá no México”. Ele acrescentou que isso também poderia dificultar a revisão do Acordo EUA-México-Canadá em 2026, principal motivo pelo qual as empresas têm sido encorajadas a deslocar suas operações para o México.

Progresso, otimismo e investimentos

Avaliar o avanço do nearshoring no México é um grande desafio. Nenhum indicador consegue dimensionar totalmente o fenômeno, mas é possível tirar algumas conclusões a partir da análise dos fluxos de investimento estrangeiro direto (IED) no país e do aumento da demanda por novos parques industriais.

Em julho de 2023, a Associação Mexicana de Parques Industriais Privados (Ampip) projetou a chegada de 453 novas empresas ao país até 2025 — 20% delas da China. Isso representaria um aumento anual de 9,1% em comparação à média de 2018 a 2022. Segundo dados da associação, o setor imobiliário industrial do país registrou, em 2023, uma das menores taxas (2,2%) de ocupação de espaços desde 2019, indicando uma alta procura por instalações industriais. 

Em meio à demanda crescente, um estudo da Ampip estimou investimentos privados da ordem de US$ 8,6 bilhões para a construção de 128 parques industriais em todo o país até 2030. A nova presidente Claudia Sheinbaum também prometeu apoiar essa expansão.

Alguns projetos já estão em andamento, como o Corredor Interoceânico do Istmo de Tehuantepec, rota de comércio e transporte que vem sendo construída desde 2019 para desenvolver o sul e o sudeste do México. O projeto prevê a abertura de dez parques industriais, a renovação de dois portos e a reestruturação de uma antiga ferrovia.

Nova presidente do México, Claudia Sheinbaum, sorri em palanque de vestido bege com detalhes roxos
Nova presidente do México, Claudia Sheinbaum, prometeu em campanha a construção de cem parques industriais para atrair investimentos em nearshoring (Imagem: Eneas De Troya / Flickr, CC BY

Em junho de 2023, a siderúrgica argentina Ternium anunciou planos de investir US$ 3,2 bilhões em uma nova usina em Nuevo León; já a gigante argentina do comércio eletrônico Mercado Libre planeja investir US$ 2,45 bilhões em sistemas e logística no país. 

Em fevereiro, a AWS, subsidiária da Amazon, anunciou planos para investir mais de US$ 5 bilhões em data centers no México. Enquanto isso, tanto os planos da montadora chinesa BYD como os da Tesla, de investir US$ 4,5 bilhões em uma fábrica no país, estão temporariamente suspensos. Ambas aguardam apreensivas o desfecho das eleições dos EUA, em novembro.

Desde 2023, muitas empresas chinesas anunciaram investimentos em solo mexicano com foco no setor automotivo, aproveitando a demanda local e o acesso ao mercado dos EUA. As montadoras SAIC Motor e BAI, por exemplo, anunciaram novas fábricas, inclusive para a produção de veículos elétricos, totalizando US$ 2,75 bilhões.

Investidores chineses, por outro lado, enfrentam grande rejeição de grupos comerciais e políticos dos EUA, que têm expressado preocupação com a entrada de veículos elétricos chineses de baixo custo em solo estadunidense — algo que consideram uma ameaça ao seu próprio setor automotivo. Esses mesmos grupos recriminam a forma pela qual as empresas chinesas tentam usar o México como uma porta de entrada aos Estado Unidos, valendo-se dos acordos de livre comércio entre os países norte-americanos. 

No início do ano, o Canadá e os EUA impuseram tarifas de importação de 100% sobre os veículos fabricados na China, embora elas não se apliquem aos carros fabricados por empresas chinesas no México. Isso pode mudar após as eleições dos EUA e as iminentes renegociações do Acordo EUA-México-Canadá.

“Fomos muito, muito claros sobre a natureza estratégica desse processo de revisão tarifária”, disse a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, em uma coletiva de imprensa na Casa Branca em maio. “Estamos dando aos nossos trabalhadores e às nossas empresas a oportunidade de seguir competindo e prosperando diante dos ataques que chegam de Beijing e de seu sistema econômico desafiador”.

Autoridades e associações da indústria automobilística chinesas consideram que as tarifas são protecionistas e têm motivações políticas. O Ministério de Comércio da China também apresentou uma denúncia contra o Canadá na Organização Mundial do Comércio, alegando que o país desrespeitou as regras comerciais internacionais.

Investimento estrangeiro direto: menos otimismo

Estudos recentes que medem os fluxos de IED no México oferecem um quadro menos otimista sobre o nearshoring no país. 

No primeiro semestre de 2024, o México registrou US$ 31 bilhões de IED, um aumento de 7% em relação ao mesmo período do ano passado. Porém, uma análise mais detalhada mostra que a grande maioria desses investimentos — cerca de US$ 30 bilhões — veio de reinvestimentos de lucros que não retornaram ao país de origem. Isso sugere que o país não está atraindo um grande volume de novas empresas, mas sim que as empresas já estabelecidas estão alocando seus lucros para reinvestimentos, seja por motivos fiscais ou para renovar equipamentos e expandir operações, por exemplo.

Uma análise da consultoria norte-americana Kearney mostrou que 79% das fabricantes globais que optaram por transferir suas operações desde 2021 escolheram os EUA como destino; já 27% foram ao México.

Jordy Micheli, acadêmico do departamento de economia da Universidade Autônoma Metropolitana da Cidade do México, minimiza a importância geral do nearshoring para o país, vendo-o mais como uma intensificação dos padrões de investimento atuais.

“Ele nunca substituirá o investimento estrangeiro tradicional. É um processo estrutural, o México já está inserido em uma estrutura na qual é um território importante para essas empresas”, disse Micheli ao Dialogue Earth. Ele também destacou as oportunidades, bem como os obstáculos para concretizá-las: “Há duas frentes importantes: gerar condições internas e buscar empresas. O interessante disso é trazer novas linhas de produção que antes não havia no país”.

Além de atrair IED, o México não tem um plano dedicado e abrangente para maximizar os benefícios do nearshoring, embora alguns planos gerais e setoriais mencionem certas prioridades. Talvez o mais notável seja o Plano de Energia Sustentável de Sonora, lançado em 2022: o documento inclui a construção de uma usina solar que deverá ser a maior da América Latina; a exploração das reservas de lítio do país; o apoio à produção de peças para veículos elétricos; e a expansão do porto de Guaymas, no noroeste do país, para melhorar o transporte de mercadorias entre a Ásia e a América do Norte.

Junto à meta de construir mais de cem parques industriais, a presidente Claudia Sheinbaum também prometeu investimentos em infraestrutura essencial, como estradas, portos e aeroportos, e declarou a intenção de concentrar esforços em setores estratégicos, como semicondutores, eletrônicos e mobilidade elétrica.

Essas áreas podem se alinhar com algumas das prioridades do atual governo dos EUA, embora os resultados das próximas eleições possam mudar isso. 

Em 2021, o governo do presidente Joe Biden identificou setores como semicondutores, baterias de alta capacidade, minerais essenciais e produtos farmacêuticos como essenciais e anunciou medidas para fortalecer suas cadeias de abastecimento. Desde 2022, os Estados Unidos vêm trabalhando para integrar o México a essas cadeias. Na 10ª Cúpula de Líderes da América do Norte, em janeiro de 2023, os países concordaram em fortalecer as cadeias regionais e incentivar os investimentos em setores importantes, como semicondutores e baterias de veículos elétricos. No entanto, o México ainda não tem uma estratégia específica para transformar esses compromissos em realidade.

Para acalmar os ânimos, o ministro de Economia do México, Marcelo Ebrard, disse recentemente em um fórum empresarial que o país buscará acelerar o processo de nearshoring e sugeriu uma forte convergência com os interesses comerciais dos EUA em comparação com os da China, prometendo “mobilizar todos os interesses em favor da América do Norte”.

Desafios e limitações

Com as atenções voltadas para o potencial do nearshoring, analistas também destacaram os desafios significativos enfrentados pelo México, como o fornecimento de energia insuficiente para acompanhar o ritmo dos investimentos, a escassez de água no norte do país, onde se concentra grande parte da expansão industrial, e a necessidade de melhorar a infraestrutura e os incentivos para atrair capital estrangeiro.

Somado a isso, está a perda de mais de cem mil empregos no norte do país ao longo dos últimos 18 meses. Isso equivale a 10% dos postos de trabalho no setor de “maquila” – termo guarda-chuva para empresas que fabricam produtos para a exportação perto da fronteira com os Estados Unidos.

Para maximizar o potencial do nearshoring, o México precisa resolver muitas pendências. Um relatório de 2024 do think-tank alemão Konrad Adenauer Foundation dá 12 recomendações para alcançar esse objetivo, entre elas, o fortalecimento do ambiente institucional, o combate à corrupção e à insegurança, o aumento dos investimentos em infraestrutura, o treinamento de mão de obra para setores de alta tecnologia e o acesso à energia renovável.

Jesús Carrillo, do IMCO, acredita que a abordagem do México deve ir além do nearshoring, ressaltando que o crescimento econômico geral depende da capacidade produtiva do país: segundo ele, sem infraestrutura adequada e investimentos em setores-chave, o México pode encarar uma estagnação de longo prazo.