“Quando há vento, fica tudo preto”, disse Washington Espinoza, presidente da associação de pesca artesanal de San Juan de Marcona, município ao sul do Peru com a maior produção nacional de ferro. “Quando há vento, o metal vai parar no mar, e isso afeta a vida marinha”.
Espinoza se refere às atividades minerárias ativas na região, mas também teme os impactos de novas obras que podem ameaçar esse ecossistema já fragilizado.
No início de 2024, autoridades anunciaram que o distrito de Marcona seria convertido em um polo de mineração no Peru — algo que deve ocorrer graças à construção do terceiro maior porto do país, atrás de Callao e Chancay. O Terminal Portuário de San Juan de Marcona será administrado por uma subsidiária da empresa chinesa Jinzhao Mining e poderá atrair investimentos de mais de US$ 15 bilhões.
Investidores chineses têm lutado para obter apoio local em uma região onde há um frequente ceticismo com projetos de mineração. Muitos moradores e organizações temem impactos no meio ambiente e nas pessoas.
Novo megaporto no Peru
San Juan de Marcona é uma vila de pescadores a 530 quilômetros ao sul da capital peruana, Lima. Além de suas importantes reservas de minério de ferro, abriga duas áreas naturais protegidas: San Fernando e Punta San Juan. Essas zonas têm a maior colônia dos ameaçados pinguins-de-humboldt do mundo, além de outras espécies como leões marinhos, anchovas, caranguejos e a baleia-azul.
O projeto do terminal portuário não é novo. Em 2005, o país declarou a obra como uma “necessidade e utilidade pública”, devido às “importantes atividades comerciais” na área. Em 2018, duas empresas chinesas — a Shougang Hierro Peru, subsidiária da Shougang, e a Jinzhao Mining Peru, subsidiária da Zhongrong Xinda Group — manifestaram seu interesse em construí-lo, segundo o Ministério de Energia e Minas do Peru.
Em março, a Jinzhao venceu a licitação para financiar, construir e operar o porto por 30 anos, com investimentos de US$ 405 milhões. A mineradora também será responsável pelas operações da Pampa de Pongo, mina que está sendo construída a cerca de 40 quilômetros a leste de Marcona, em um dos maiores depósitos de minério de ferro da América Latina. Ela calcula exportar mais de 20 milhões de toneladas do mineral ao ano.
O novo terminal será um porto multiuso com uma doca dedicada ao embarque de minerais, segundo a agência estatal de promoção comercial ProInversión, que busca atrair investimentos de estrangeiros no Peru. Isso poderia destravar pelo menos nove projetos de mineração de ferro, cobre, zinco e molibdênio no sul do país.
O governo peruano disse que o porto começará a operar em 2028 e poderá movimentar 19 milhões de toneladas de carga ao ano. Mais de 35 milhões de toneladas passam pelo porto de Callao por ano, o maior em operação no país. Já o de Chancay, cuja conclusão está prevista para o fim do ano, poderá movimentar 34 milhões de toneladas anuais. Segundo autoridades, Marcona pode chegar a movimentar até 40 milhões de toneladas anuais.
Comunidades temem expansão da mineração
Apesar dos supostos benefícios econômicos do novo porto e dos projetos de mineração que ele poderia viabilizar, experiências anteriores com a mineração na região geram dúvidas e ceticismo de comunidades e especialistas.
Atualmente, 72% do distrito de Marcona está ocupado por concessões de mineração — a maioria nas mãos das empresas Marcobre, do Peru, e da Shougang Hierro Peru.
A Shougang Hierro Peru foi criada em 1992 após a compra da estatal Hierro Peru por empresários chineses, que aproveitaram a abertura do governo de Alberto Fujimori (1990-2000). Desde então, a Shougang vem sendo penalizada por uma série de infrações trabalhistas e ambientais. Conforme a Agência de Avaliação e Fiscalização Ambiental (Oefa), do Ministério do Meio Ambiente do Peru, a empresa acumula 98 multas ambientais.
Entre as violações ao meio ambiente, há o vazamento de petróleo bruto e minério de ferro e o rompimento de uma tubulação com rejeitos de mineração altamente tóxicos, forçando as autoridades a decretar emergência ambiental.
A Shougang “tem se destacado como uma das principais inimigas dos direitos humanos no país”, afirmou Julia Cuadros, pesquisadora de investimentos chineses no Peru e na América Latina na organização CooperAcción. “É normal temer que essa situação se repita”.
Na base de dados da Oefa, a Shougang aparece como a 17ª mineradora com o maior número de infrações ambientais no Peru. Em comparação com as demais empresas em operação no país, as chinesas geralmente recebem menos sanções ambientais, conforme um estudo de 2017 da Universidade de Boston. No entanto, a Shougang também tem sido denunciada por cometer diversas violações trabalhistas que resultaram em greves e protestos violentos nessas três décadas de atuação em Marcona.
A pesquisa da Universidade de Boston apontou para as difíceis relações entre a empresa e a comunidade. “A Shougang não teve um desempenho significativamente pior em termos de padrões trabalhistas ou impacto ambiental do que suas contrapartes peruanas ou internacionais”, afirmou o estudo, que concluiu que a mineradora simplesmente “não conquistou os corações e mentes dos moradores”.
Para os pescadores, a contaminação minerária tem provocado a escassez de ouriços-do-mar-vermelho, que se tornaram visados por mercados internacionais nos últimos anos. A população da espécie teria diminuído em função da proliferação de algas invasoras. “O vento forte de Marcona faz com que o ferro caia no mar e favoreça a reprodução intensiva dessas algas”, disse Juan Carlos Saavedra, membro de uma comunidade de pescadores artesanais que vive do mar há 18 anos. “Só queremos evitar que isso aconteça novamente com outros projetos de mineração”.
Alguns moradores e organizações locais temem que o porto de Marcona enfrente problemas semelhantes aos que foram vistos na construção do megaporto de Chancay, a 80 quilômetros de Lima. Conforme a Sociedade Peruana de Direito Ambiental, o estudo de impacto ambiental do projeto não contemplou todos os possíveis impactos da obra, nem as medidas necessárias para proteger as áreas úmidas adjacentes.
Em uma reportagem publicada em 2021, o Dialogue Earth mostrou como as detonações para a construção do porto provocaram rachaduras nas casas de bairros próximos. Além disso, moradores e ativistas alertam para os possíveis impactos das obras na área úmida de Santa Rosa. Voltamos ao local em 2023, quando a empresa decidiu entrar com ações judiciais contra quem se opusesse ao projeto.
A chinesa Cosco Shipping, responsável pelas obras do porto de Chancay, disse ao Dialogue Earth na época que só buscava processar aqueles que haviam “atacado a imagem da empresa” e destacou que havia oferecido indenizações a moradores.
Novo projeto, mais dúvidas
A concessão do novo terminal de Marcona deu-se em meio a um suposto escândalo de corrupção envolvendo o diretor-geral de negócios da Jinzhao no Peru, bem como altos funcionários do governo federal e estadual. José Ávila Herrera, ex-membro do Conselho Nacional de Justiça, teria negociado favores com o ex-ministro da Justiça Felix Chero para supostamente ajudar a Jinzhao a obter o terreno onde será construído o porto de Marcona.
O diretor do projeto, Edison Poma, rejeitou as acusações, afirmando que o caso se tratava de uma confusão “devido à falta de comunicação entre as entidades estatais”.
Para Julia Cuadros, o envolvimento de empresas chinesas em casos de corrupção preocupa. “Seria um lobby muito obscuro e, embora empresas de outros países também o façam, há um impacto enorme quando se trata de um investimento desse tamanho”.
Muitas empresas chinesas têm sido investigadas em casos de corrupção na América Latina, como na Bolívia e no Equador. Isso tem pressionado as estatais chinesas a dar mais transparência em suas operações no exterior — iniciativas que, aparentemente, começam a avançar na China.
O estudo de impacto ambiental do megaporto de Marcona também tem gerado controvérsia. A pesquisa apresentada pela Jinzhao e aprovada em 2023 pelo órgão nacional de certificação ambiental não foi bem recebida pela comunidade de pescadores.
“Não somos contra o investimento”, disse Espinoza, cuja associação conta com 1,5 mil pescadores. “Se a Jinzhao não fizer esse estudo corretamente, o resultado será o mesmo que o da Shougang”.
Em comunicado, a ProInversión explicou que não houve estudo no processo de avaliação da proposta da Jinzhao, mas que ele será apresentado assim que o contrato de concessão for assinado. Não há informações sobre quando isso ocorrerá.
Embora seja um investimento de capital chinês, trata-se de um projeto público, e somos obrigados a cumprir todas as leis do Estado peruanoEdison Poma, diretor do projeto do porto da Jinzhao no Peru
Edison Poma, responsável pela construção do porto da Jinzhao, explicou que o processo de licitação contou com a participação de uma empresa terceirizada contratada pela ProInversión para verificar a conformidade técnica e ambiental do projeto. “Embora seja um investimento de capital chinês, trata-se de um projeto público, e somos obrigados a cumprir todas as leis do Estado peruano”, acrescentou Poma.
O Dialogue Earth entrou em contato com a ProInversión e a Jinzhao, mas não recebeu posicionamento de nenhuma delas até o momento da publicação.
“Quando o governo federal declara que esses projetos são de interesse nacional, eles simplesmente são implementados”, afirma Julia Cuadros. “Via de regra, a população passa da fase de resistência, como em Chancay, para a aceitação de que terá de conviver com essa obra, mas sem abrir mão de seus direitos”.
Pescadores de Marcona afirmam que continuarão lutando por seus direitos e pelo meio ambiente. “Não queremos que as gerações futuras percam toda essa riqueza natural, porque ser pescador é algo que está praticamente em nosso sangue”, disse o pescador Juan Carlos Saavedra.