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Opinião: China pode ajudar a reconfigurar periferias regionais da América Latina

Províncias pobres da Argentina enfrentam uma condição de ‘dupla periferia’. Agora, elas estreitam laços com a China em busca de desenvolvimento, diz a pesquisadora Stella Juste
<p>Deserto de sal em Salinas Grandes, Argentina. A província de Jujuy, onde as salinas estão localizadas, tem sido pioneira nos projetos de extração de lítio junto a empresas chinesas, mas o setor enfrenta a resistência de comunidades (Imagem: Irina Brester / Alamy)</p>

Deserto de sal em Salinas Grandes, Argentina. A província de Jujuy, onde as salinas estão localizadas, tem sido pioneira nos projetos de extração de lítio junto a empresas chinesas, mas o setor enfrenta a resistência de comunidades (Imagem: Irina Brester / Alamy)

A ascensão da China como potência econômica vem gerando um impacto significativo na configuração das relações internacionais. A Iniciativa Cinturão e Rota, lançada pelo governo de Xi Jinping em 2013, tem sido uma estratégia fundamental para a expansão dos mercados chineses por meio do desenvolvimento de infraestrutura e de programas de integração econômica. 

A América Latina é uma parte importante desse processo de transformação do cenário internacional. Apesar das tentativas de instituir modelos de produção interna com um alto valor agregado, as economias dos países latino-americanos são baseadas principalmente na exploração e exportação de recursos naturais, com altos níveis de dependência do capital financeiro. Nos últimos anos, os países da região têm buscado novas parcerias político-econômicas que lhes permitam diversificar seus mercados e suas fontes de investimento. 

Em um relatório publicado em 2012, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe avaliou as razões para o atraso no desenvolvimento regional e os pontos fracos que travam os avanços socioeconômicos nas diversas nações latino-americanas. A entidade identificou um padrão dominante que estabeleceu condições de desenvolvimento nos países do ‘centro global’ e outras de subdesenvolvimento na ‘periferia global’.

Durante muitos séculos, os países latino-americanos foram inseridos em um papel de subordinação e dependência das economias desenvolvidas, posição aprofundada pela globalização. Essa relação de dependência também foi reproduzida internamente nos países latino-americanos. Na Argentina, por exemplo, há províncias com economias periféricas e outras mais centrais. As províncias mais pobres enfrentam uma condição de “dupla periferia”: elas estão na periferia de uma nação que, por sua vez, é considerada periférica no cenário internacional.

As províncias duplamente periféricas da Argentina estão localizadas no noroeste e no nordeste do país. São regiões que, historicamente, têm pouca diversificação em suas atividades produtivas: as economias giram em torno da exploração de recursos naturais, sem agregar valor; estão distantes dos principais pontos de distribuição e consumo do país; e dependem de recursos do governo federal.

Desde a década de 2010, as províncias dessa dupla periferia argentina têm estabelecido e aprofundado parcerias internacionais em busca de mais desenvolvimento. Nesse ponto, surge uma possível convergência de interesses com a China, como expliquei recentemente em um artigo sobre o papel do país asiático na reconfiguração das periferias regionais. Províncias do norte, como Jujuy e Salta, têm sido atores importantes nesse processo, diversificando suas áreas de cooperação com a China.

Trabalhadores da PowerChina instalam painéis solares em Cafayate, Salta
Trabalhadores da PowerChina instalam painéis solares em Cafayate, Salta. Províncias do norte da Argentina encontraram na China um parceiro decisivo para promover seu desenvolvimento, sobretudo por meio da produção de energia renovável e lítio (Imagem: Martin Zabala / Xinhua / Alamy)

Jujuy, por exemplo, firmou um convênio de irmanamento com a província chinesa de Guizhou, promovendo intercâmbios acadêmicos e culturais. Ela também foi pioneira no desenvolvimento de projetos de energia com empresas chinesas, como a construção do parque solar Cauchari e os projetos de produção de lítio.

Salta, por sua vez, assinou acordos estratégicos com instituições chinesas para promover atividades culturais e, ao mesmo tempo, atrair investimentos para sua primeira unidade de produção de carbonato de lítio, inaugurada em julho. Iniciativas como essas são replicadas em maior ou menor escala em diferentes províncias argentinas.

O fortalecimento dos laços com a China tem implicações significativas tanto para as províncias quanto para os governos nacionais. Os investimentos chineses respondem às demandas de financiamento que os países não conseguiram atender. Porém, essa intensificação dos vínculos revelou certos desencontros entre as províncias e os governos centrais.

Entre os desafios destacados, ainda falta um modelo definido para a exploração de lítio e políticas que incentivem a transferência de conhecimento e tecnologia desses projetos com capital estrangeiro. Via de regra, as províncias argentinas que estão no chamado Triângulo do Lítio desenvolvem projetos sem agregar valor ao mineral extraído — como a produção de baterias. As oscilações políticas em meio às mudanças radicais na presidência argentina geram incertezas nos planos das províncias e causam desconforto para as empresas e os investidores chineses. Em linhas gerais, falta uma política definida em relação ao modelo de produção de lítio, algo que articule os interesses nacionais e regionais.

Diante disso, as províncias duplamente periféricas encontraram na China um parceiro decisivo para promover seu desenvolvimento, principalmente por meio de projetos de energia renovável e lítio. Para a China, essas iniciativas representam uma oportunidade de posicionar suas empresas e seu capital na região enquanto garantem seu abastecimento de lítio — mineral essencial para os planos de transição energética do país. Já para as províncias longe dos grandes centros urbanos da Argentina, esses projetos possibilitam a diversificação das atividades produtivas locais — embora haja preocupações ligadas aos impactos ambientais e à ausência de mecanismos de transferência de tecnologia. 

Para maximizar os benefícios de uma relação por vezes desafiadora com a China, a Argentina deve melhorar sua coordenação entre governo central e províncias, além de implementar políticas de transferência de tecnologia e cadeias de valor a partir dos recursos naturais. Também há uma evidente necessidade de integrar os interesses de desenvolvimento das províncias na política externa da Argentina, algo que ainda não ocorreu.